29 Setembro 2022
O teólogo, 91 anos, que por dezesseis foi presidente dos bispos italianos, vigário de Roma com Wojtyla e Ratzinger, passou por muitas temporadas da vida pública italiana: conheço Giorgia e esperava por isso, vi sua ascensão.
A entrevista é de Aldo Cazzullo, publicada por Corriere della Sera, 28-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Cardeal Ruini, isso é realmente um resultado histórico?
Se por histórico entendemos que vai encontrar um lugar nos livros da história italiana e também europeia, eu responderia que sim. Em vez disso, eu esperaria para falar de "histórico" em sentido forte. É muito cedo para dizer o quanto profundamente incidirá o resultado de 25 de setembro.
No final, quando se trata de votar, moderados e conservadores são quase sempre a maioria.
A cultura política predominante é de esquerda; mas o país está em grande parte à direita, embora de maneira menos determinada.
Por que, na sua opinião?
É uma contradição que existe em todas as democracias: os intelectuais são muitas vezes progressistas; as pessoas prestam atenção aos interesses concretos e tendem a ser mais conservadoras. Ora, o distanciamento entre elites e o povo tornou-se mais evidente; mesmo que depois, como também está acontecendo nestes dias, as elites tendem a se alinhar...
A primeira mulher primeira-ministra vem da direita, não da esquerda. Esperava por isso?
Sim. Eu esperava porque via a ascensão de Giorgia Meloni. Enquanto na esquerda não me parece que existam hoje mulheres de grande relevo político.
O senhor já se encontrou com Meloni?
Três vezes. A primeira há vários anos, quando ainda muito jovem foi ministra do último governo Berlusconi. As outras duas vezes eu a encontrei nos últimos anos.
Que tipo é? Como você explica seu sucesso?
Para mim, é uma pessoa simpática e "durona", como se costuma dizer em Roma. Uma chave de seu sucesso é a clareza e a coerência de suas posições. Ela me pareceu muito perspicaz, rápida em enquadrar os problemas.
Mas ela está preparada para governar? Tem uma equipe? Entende de economia?
Ela tem experiência política, mas pouca experiência de governo. Nisso ela terá que aprender muito. Em previsão do sucesso, tomou providências para reforçar sua equipe com personalidades e competências mesmo fora de seu partido, e acho que continuará nessa linha. Eu não sei o quanto seja competente em economia. O importante é que escolha os ministros ‘certos’, em uma situação econômica extremamente difícil para a Itália e para a Europa.
O voto por Meloni é mais um voto de protesto ou é o voto dos moderados que viram nela a líder que poderia levar a direita de volta ao governo?
Não creio que seja um voto de protesto. O protesto se manifestou na abstenção. É verdade que muitos viram nela uma líder.
Alguns jornais estrangeiros falam de um retorno ao fascismo, o que obviamente não está na agenda. Mas que a chama tricolor, símbolo histórico do pós-fascismo italiano, tenha mais de um quarto dos votos, não é algo que possa surpreender no exterior?
Sem dúvida pode surpreender, como já vimos por certas reações. À prova dos fatos, penso e espero que Giorgia Meloni seja capaz de dissipar essas preocupações. Para além do símbolo, a aposta é que saiba representar as instâncias dos moderados, não aquelas da direita-extrema.
Moderados, no entanto, que uma vez votavam no escudo cruzado (Democracia Cristã), não a chamam.
Fizeram-no até que a DC conseguia representá-los. Depois, prevaleceram na DC as instâncias de esquerda. Mas a esquerda já tinha os seus partidos.
O senhor contou ao Corriere que cultivou sentimentos antifascistas quando garoto, mesmo em contraste com seu pai. Na sua opinião, cem anos depois da marcha sobre Roma, que memória têm hoje os italianos do fascismo?
A memória que os italianos têm é demasiado benevolente. Deixa de lado os aspectos piores e absolutamente inaceitáveis do regime. Quanto ao meu pai, certamente era nacionalista e não antifascista; mas ele escondeu alguns judeus no hospital, e também um oficial inglês que havia caído de paraquedas além das linhas nazistas.
Como explica o colapso da esquerda também em alguns redutos, de Módena a Livorno?
Não tenho uma explicação plenamente convincente. Só posso dizer que há tempo, nas chamadas regiões vermelhas, as eleições políticas têm sido menos fáceis para a esquerda do que aquelas administrativas, onde os interesses locais consolidados contam mais. Uma rede de relações que tem menos influência no voto político.
Até Salvini, porém, com quem o senhor havia convidado a dialogar, foi mal. Enquanto Berlusconi se sustenta. Por quê?
Talvez a campanha de Salvini tenha contrariado as convicções de uma parte conspícua de seu eleitorado, principalmente na política externa. Berlusconi continua tendo um grande talento político.
O primeiro partido é o único de oposição, o outro vencedor é Conte que derrubou Draghi... O balanço de Draghi também sai reduzido?
Mario Draghi prestou um grande serviço à Itália. Espero que em muitos aspectos haja uma continuidade substancial entre o novo governo e o de Draghi.
Mas o que o mundo católico espera do novo governo, ou pelo menos aquela parte que nunca flertou com a esquerda?
Prefiro dizer o que eu espero. Limito-me a apenas um ponto, mas decisivo e com muitas implicações. O novo governo deve focar a atenção na queda demográfica, que já dura muitos anos e que só recentemente foi levada em consideração pela política, mas de forma radicalmente insuficiente.
Alguma coisa vai mudar em relação ao aborto?
Espero que a Lei 194 seja finalmente implementada também onde diz que o Estado reconhece o valor social da maternidade e tutela a vida humana desde o início.
O que isso significa na prática?
Ajudar mulheres, muitas vezes estrangeiras, que gostariam de continuar com a gravidez, mas são muito pobres e têm medo de não conseguir criar o filho. Os centros de ajuda à vida, com menos de três mil euros para cada mulher grávida e com o empenho pessoal dos voluntários, salvam muitas crianças.
E sobre as uniões civis?
Vale um discurso semelhante. As uniões civis deveriam ser realmente diferenciadas, e não apenas em palavras, do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Devem ser uniões, não casamentos.
O senhor disse ao Corriere que o catolicismo democrático perdeu força. Essa votação confirma isso?
Eu diria que sim. Mas gostaria de esclarecer um mal-entendido que surgiu naquela ocasião: por católicos democráticos quero dizer um grupo específico que gosta de ostentar esse título; certamente nem todos os católicos, inclusive eu, que são a favor da democracia.
Alguns dizem que o último líder que resta na esquerda planetária é o Papa Francisco...
É a velha questão de saber se o Papa Francisco é de esquerda. Certamente, mas, antes de líder da esquerda planetária, ele é o papa da Igreja Católica.
Na Europa, no entanto, olham o novo governo com preocupação. Estão errados?
Espero que sim. O novo governo ainda terá que levar em conta essa preocupação e desmenti-la com suas escolhas. A defesa dos interesses da Itália é legítima e necessária; mas só pode ocorrer no contexto da unidade europeia. Precisamos da Europa.
Nos últimos dez anos, os italianos se apaixonaram por Grillo, Renzi, Salvini e rapidamente se desiludiram. O que Meloni tem que fazer para não acabar como eles?
Obviamente deve tentar governar o melhor possível; e infelizmente isso não é necessariamente suficiente. A nossa República tem o problema da fraqueza estrutural do poder executivo. Atrevo-me a esperar que nesta legislatura se consiga encontrar uma forma de fortalecê-lo e consolidá-lo, com o maior consenso possível.
Inclusive com o presidencialismo?
Presidencialismo estadunidense, semipresidencialismo francês, sistema tipo primeiro-ministro inglês, tipo chancelaria alemã: há muitas fórmulas. Só na Itália temos um poder executivo praticamente inerme.
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Itália. “A cultura está à esquerda, mas o país à direita. Agora Meloni precisa imitar Draghi”. Entrevista com o Cardeal Ruini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU