12 Mai 2021
"Agora Ruini parece reconhecer que a distinção entre crime e pecado é uma consequência irreversível da era contemporânea. O objetivo há muito perseguido pela Igreja - aquela confessionalização de algumas regras fundamentais da legislação civil que era justamente chamada de 'ruinismo' - está confinada ao passado. O cardeal, portanto, parece expressar sua concordância com o que Francisco repetidamente recordou. O regime de cristandade terminou: a esperança de recompô-lo no sonho de uma modernizada neo-cristandade é uma inútil perda de tempo do ponto de vista pastoral", escreve Davide Menozzi, em artigo publicado por Il Foglio, 11-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como costuma acontecer com as intervenções públicas de Camillo Ruini, a leitura da entrevista que o cardeal concedeu ao Foglio na terça-feira passada abre uma brecha significativa para a compreensão da situação atual da Igreja e sua relação com a sociedade contemporânea. As suas palavras assumem uma importância ainda maior face à afasia daquela Conferência Episcopal italiana que o cardeal conduziu com firmeza e sucesso por mais de quinze anos.
O tema da entrevista diz respeito às reações eclesiais ao Responsum que a Congregação para a Doutrina da Fé promulgou em relação aos pedidos relativos à bênção das uniões entre pessoas homossexuais. Ruini destaca a vasta divergência que, em particular nas igrejas de língua alemã, se manifestou contra o documento romano: não só teólogos, mas padres e até bispos expressaram uma clara rejeição da proibição de prosseguir com a prática desse sacramento quando for solicitados pelos fiéis.
Embora espere um resultado diferente, esta vasta mobilização, especialmente se for encontrar algum feedback positivo no caminho sinodal empreendido pela Igreja alemã, faz com que o cardeal tema um possível cisma. Com base em sua posição, Ruini reitera as avaliações expressas pela congregação, destacando dois pontos: por um lado, ele lembra que a Igreja não tem o poder de abençoar as uniões homossexuais, porque só pode abençoar o que está em conformidade com o desígnio de Deus para o homem, e as uniões entre pessoas do mesmo sexo não o são. Por outro lado, ele observa que deixar de abençoar não pode ser considerado discriminação, porque a Igreja considera as transformações ocorridas na esfera pública onde a homossexualidade deixou de ser crime. A seu ver, no entanto, continua a ser um pecado, de modo que as comunidades eclesiais devem limitar-se a acolher com caridade esses pecadores.
Estes dois pontos são a chave da entrevista: nem tanto pelo conteúdo teológico - pessoalmente já expressei em outra oportunidade minhas diferentes avaliações de mérito -, mas porque lançam uma brecha sobre o posicionamento de um setor consistente do catolicismo, aquela frente conservadora da qual Ruini foi e continua sendo um intérprete muito lúcido, sobre o atual governo do Papa Francisco. A este respeito, vale a pena partir da lembrança da orientação do cardeal em sua longa direção da CEI. Colocando em prática a solicitação expressa por João Paulo II na convenção eclesial de Loreto em 1985, Ruini atuou para devolver à Igreja a orientação da sociedade: tratava-se de obter que as normas éticas fundamentais do catolicismo fossem também normas civis do Estado.
No fundo dessa concepção residia uma convicção herdada da mentalidade intransigente do século XIX: só se amparada por uma legislação pública, a Igreja poderia ter continuado a desempenhar uma ação apostólica eficaz junto ao homem contemporâneo que se distanciava cada vez mais de suas prescrições morais. Agora Ruini parece reconhecer que a distinção entre crime e pecado é uma consequência irreversível da era contemporânea. O objetivo há muito perseguido pela Igreja - aquela confessionalização de algumas regras fundamentais da legislação civil que era justamente chamada de "ruinismo" - está confinada ao passado. O cardeal, portanto, parece expressar sua concordância com o que Francisco repetidamente recordou. O regime de cristandade terminou: a esperança de recompô-lo no sonho de uma modernizada neo-cristandade é uma inútil perda de tempo do ponto de vista pastoral.
Ruini, portanto, parece aceitar a derrota da orientação cultivada em seu longo governo da Igreja italiana; mas esse alinhamento com Francisco não significa compartilhar suas posições. Muito pelo contrário. Em vez disso, suas palavras evidenciam a vitória substancial que os círculos conservadores obtiveram com respeito às perspectivas inicialmente abertas pelo pontificado de Bergoglio. De fato, o cardeal evoca o risco de cisma na área de língua alemã. Até agora, o espectro da fratura eclesial havia sido agitado pelo minguado, embora muito barulhento, grupo de tradicionalistas que haviam ameaçado romper a unidade eclesial devido às supostas feridas à ortodoxia doutrinal infligidas pelas preocupações pastorais do Pontífice argentino. O Papa, ciente de que a função essencial do ministério petrino é a manutenção da unidade eclesial, respondeu segurando as reformas exigidas pelos círculos eclesiais mais abertos. As formulações tímidas e as referências presentes em Amoris Laetitia são o testemunho eloquente da atenção pontifícia em evitar a divisão do corpo eclesial.
Não foi por acaso que alguém falou na época do fim da "força motriz" do governo do Papa Francisco. Agora a intervenção de Ruini acentua o perigo, lembrando a possibilidade de um cisma provocado pela área "progressista" de língua alemã. Na realidade, o cisma é altamente improvável na sociedade secular atual. Mas, nesta situação, a amplificação retórica dos riscos de ruptura eclesial tem um significado inequívoco de política eclesiástica: pôr a palavra fim àquele ímpeto reformista do papado de Francisco que os tradicionalistas já haviam conseguido abafar. Dessa forma, a conscientização da derrota do ruinismo, marca a adesão do cardeal à linha pontifícia, com a condição de que qualquer nova medida inovadora no governo da Igreja seja interrompida. Obviamente, na espera - mas, à luz daquele insucesso, quão bem fundamentada? - que em um próximo conclave os jogos sejam reabertos.
De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.
XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição
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Percebendo a derrota, cardeal Ruini adere à linha de Francisco. Sob uma condição - Instituto Humanitas Unisinos - IHU