11 Julho 2022
"Armando Matteo oferece ao público uma reflexão atenta sobre a atual crise de fé no Ocidente, partindo da envergadura e, mais ainda, do estilo do Cardeal Martini", escreve Francesco Cosentino, teólogo, professor de Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, e membro da Secretaria de Estado do Vaticano, em artigo publicado por L'Osservatore Romano e reproduzido por Settimana News, 09-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma carta afetuosa dirigida ao cardeal Martini, que foi arcebispo de Milão e de quem, dez anos depois de sua morte, ainda se sente saudades, abre o novo livro do padre Armando Matteo: La Chiesa che verrà. Riflessioni sull’ultima intervista di Carlo Maria Martini (A Igreja que virá. Reflexões sobre a última entrevista de Carlo Maria Martini, em tradução livre), publicado pela ed. San Paolo.
Armando Matteo, La chiesa che verrà. Riflessioni sull’ultima intervista di Carlo Maria Martini, San Paolo, Milão 2022, pp. 207, € 18,00.
(Foto: Divulgação)
O teólogo calabrês, professor de teologia fundamental da Pontifícia Universidade Urbaniana, hoje chamado pelo Papa Francisco ao cargo de secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, oferece ao público uma reflexão atenta sobre a atual crise de fé no Ocidente, partindo da envergadura e, mais ainda, do estilo do Cardeal Martini, que assim é descrito: "O estilo da intercessão: o estilo de quem prossegue esforçando-se por fazer dialogar mundos diferentes" (p. 10).
Martini conseguiu isso muito bem e representa um estímulo profético também para nós. A partir disso, o autor reinterpreta de forma extraordinariamente eficaz e atual aquela conhecida última entrevista que o Cardeal concedeu um pouco antes de ser consumido pela doença, na qual denunciou o atraso da Igreja, sua imobilidade, sua incapacidade de se sacudir; mas a intuição básica do texto - sem dúvida, original - é indicar precisamente na figura e no Magistério do Papa Francisco o caminho para superar o medo paralisante que nos distingue e edificar a Igreja do futuro. De fato, "ninguém mais do que ele convidou os fiéis, nestes últimos anos, ao esforço de uma nova imaginação do possível eclesial... Francesco è la via per la Chiesa che verrà" (em tradução livre, "Francisco é o caminho para a Igreja que virá") (p. 19).
A tese é esmiuçada primeiramente por meio de uma análise que “mostra” plasticamente o atraso acumulado pela Igreja e denunciado por Martini. Em particular, Matteo denuncia uma visão eclesial e pastoral que ainda não levou a sério a mudança em curso no Ocidente, limitando-se a pensar que se trata apenas de algo novo e diferente que se acrescenta ao passado e que, portanto, exigiria no máximo alguns ajustes pastorais e nada mais.
Em vez disso, estamos diante de um "outro mundo", cujas mudanças atestam a atual crise da postura eclesial, sobretudo no que diz respeito ao conteúdo do anúncio, à relação com o universo juvenil, à questão feminina.
Nesse contexto de crise, porém, a fé cristã ainda pode ser uma palavra fundamental nas terras do bem-estar, onde as pessoas não são mais ameaçadas pela pobreza, privação e dureza da vida, mas por uma plenitude e potência que se tornou "egolatria”: um excesso que atordoa e torna frenéticos. A fé, por outro lado, lembra-nos o nosso destino, o "para quem viver", a mansidão de Jesus que é capaz de nos orientar para um futuro melhor para todos.
É preciso, portanto, passar "de uma pastoral de mudança para uma mudança da pastoral: é o todo que não funciona mais e exige uma reescrita total" (p. 100), para além das resistências tradicionalistas e identitárias, para além do espírito de ressentimento. O autor afirma que para o cristianismo "chegou a hora do renascimento" (p. 131) e delineia seu rosto: uma Igreja na qual se possa encontrar realmente Jesus e a sua beleza, que coloca a Palavra de Deus de volta no centro; que se torna um lugar onde "se ensina o gesto da oração" (p. 145).
Uma Igreja que, na liturgia como em outros momentos de sua vida, propõe uma experiência de festa e de encontro, rompendo com o binômio fé-depressividade e que, antes da disciplina, pareça como lugar de proximidade e comunhão, um "espaço autêntico e concreto de comunhão, de reconhecimento e de participação” (p. 155).
O texto se encerra de forma sugestiva com um capítulo em que o autor quase faz o Cardeal Martini e o Papa Francisco “se encontrarem”. A proposta final é explicitada em dez perguntas formuladas a partir do magistério de Francisco. Enfrentando-as se poderia sanar o atraso relatado por Martini; elas dizem respeito ao modo de imaginar a fé, a felicidade de ser crentes, o interesse pelo destino do mundo, a misericórdia, o amor, a santidade da vida cotidiana, o "quanto" sentimos realmente a falta dos jovens, os sonhos para a Igreja e para o mundo e, finalmente, uma pergunta que permanece no cerne de cada pergunta e de cada caminho de fé: o que aconteceu com a tua inquietude?
Ninguém mais do que Martini nos deu testemunho do que o Papa Francisco chama de inquietude interior, escreve Matteo. Lendo esse livro, pode-se dizer que também ele propõe ao nosso caminho de crentes aquela "pergunta inquieta" que nos mantém despertos e que, guardada no coração, abre novos vislumbres para a Igreja que virá.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Martini, a saudável inquietude da Igreja. Artigo de Francesco Cosentino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU