28 Março 2022
"Resta apenas o nervosismo de um governo russo que pretende deixar claro que um novo gesto de Francisco em favor do governo de Kiev seria visto como um passo em falso. Seria percebido como uma adesão, na opinião dos homens do Kremlin, à União Europeia, mas sobretudo aos Estados Unidos: uma perspectiva que está longe de ser dada como certa, mas que, mais uma vez, nos permite compreender como está sendo difícil não tomar partido e não aderir a uma aliança internacional quando um trauma como a guerra obriga de alguma forma a tomar uma posição", escreve Massimo Franco, em artigo publicado por Corriere della Sera, 24-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O governo russo não quer que o Papa Francisco aceite o convite de Volodymyr Zelensky para ir a Kiev. E fez saber de forma urgente ao Vaticano que tal viagem poderia provocar uma tensão sem precedentes nas relações entre Moscou e a Roma papal. "Se ele visitasse a Ucrânia agora, faria um favor não tanto a Zelensky, mas aos Estados Unidos", essa teria sido a mensagem transmitida à Secretaria de Estado; e com palavras ao mesmo tempo irritadas e alarmadas. Uma visita de Bergoglio à capital ucraniana cercada por tropas russas daria corpo àquele isolamento internacional que Vladimir Putin já vive de modo quase obsessivo após sua agressão militar.
E paciência se a viagem for altamente improvável, apesar das garantias de Kiev sobre eventuais medidas de proteção do Papa: primeiro seria necessário um "cessar-fogo". Após o telefonema outro dia entre Francisco e o presidente ucraniano, antes do discurso de Zelensky ao Parlamento italiano, a posição do Vaticano se torna delicada. Por um lado, Francisco informou que está pronto a tudo para desencadear uma negociação que ponha um fim à guerra. Por outro lado, ir a Kiev seria inevitavelmente visto como um apoio objetivo aos inimigos de Putin por parte de uma Santa Sé que tentou em vão, até agora, uma mediação; sem tomar partido ao lado do Ocidente, é verdade, mas apontando claramente as responsabilidades de Moscou.
É uma história intrincada, porque mostra as incógnitas e incertezas de uma diplomacia vaticana que está percebendo os limites de sua abordagem; e o quanto a invasão russa mudou os esquemas e fragilizou as coordenadas do passado. Para velar a impossibilidade de uma negociação não é suficiente a vontade tenaz de pacificar o conflito. Justamente no momento em que está ocorrendo uma guerra entre nações cristãs, o Vaticano se encontra sem instrumentos e margens em condições de pará-la. E o embate entre ortodoxos ucranianos e russos, e o risco de agregar os católicos naquela disputa político-religiosa, é mais um fator de tensão.
De fato, Francisco seria considerado como aliado da parte anti-Rússia do mundo ortodoxo.
Também por esta razão, nas últimas horas alguns haviam imaginado uma visita a Kiev de Francisco junto com o patriarca russo Kirill. Mas a hostilidade da população em relação ao líder ortodoxo que definiu como "justa" a agressão de Putin e apontou o dedo para o Ocidente "anticristão", fez com que tal sugestão fosse posta de lado imediatamente: a presença de Kirill seria sentida pelos ucranianos como uma provocação.
Resta apenas o nervosismo de um governo russo que pretende deixar claro que um novo gesto de Francisco em favor do governo de Kiev seria visto como um passo em falso. Seria percebido como uma adesão, na opinião dos homens do Kremlin, à União Europeia, mas sobretudo aos Estados Unidos: uma perspectiva que está longe de ser dada como certa, mas que, mais uma vez, nos permite compreender como está sendo difícil não tomar partido e não aderir a uma aliança internacional quando um trauma como a guerra obriga de alguma forma a tomar uma posição.
Para complicar ainda mais a situação, existe a tensão potencial que em breve poderá ser criada entre a Santa Sé e o governo italiano. Vazaram notícias sobre uma próxima mudança de postos na embaixada russa junto à Santa Sé. O problema é que no lugar de Aleksandr Adveev, diplomata apreciado no Vaticano, na Itália desde 2013, segundo Il Messaggero Mosca teria escolhido Alexei Paramonov: o diretor do departamento europeu do Ministério das Relações Exteriores, que nos últimos dias ameaçou retaliações contra a Itália por seu apoio à Ucrânia. E acusou o ministro da Defesa, Lorenzo Guerini, pelas controversas ajudas russas durante a pandemia.
A tentativa do Vaticano parece ser a de tentar mitigar o efeito das declarações de Paramonov e salientar seus méritos no diálogo entre a Santa Sé e Moscou. Mas o constrangimento é evidente: tanto que nem fica claro se no final aquela designação será confirmada ou não. É provável que no primeiro caso se abriria uma frente diplomática com o governo de Mario Draghi: não apenas russo, mas vaticano. Em suma, todos se movem num terreno cada vez mais escorregadio. E, pelo menos por enquanto, sem um diretor capaz de indicar uma saída ou pelo menos algum compromisso.
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“A visita do Papa a Kiev? Um favor aos Estados Unidos”. Assim, o governo russo pressiona o Vaticano. Artigo de Massimo Franco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU