10 Março 2022
“Ficar calado, quando é preciso falar alto e claro, não faz parte da tradição profética do cristianismo, que deveria ser um exemplo a ser seguido por nossos docentes”, escreve Mariano Delgado, decano da Faculdade de Teologia da Universidade de Fribourg, Suíça, em declaração publicada por Religión Digital, 09-03-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Em uma declaração pública de 02 de março e em uma carta privada de 03 de março, em razão da invasão militar da Rússia, expressei como decano da Faculdade de Teologia da Universidade de Fribourg, Suíça, ao metropolita Hilarion (Alfeyev), chefe do Departamento de Relações Eclesiásticas Exteriores da Igreja do Patriarcado de Moscou e professor titular da faculdade desde 2011, o que a faculdade esperava dele em relação à invasão militar da Rússia na Ucrânia: que utilizasse sua influência eclesiástica e política para condenar pública e inequivocamente a invasão militar russa da Ucrânia, que viola o direito internacional, que pedisse pública e inequivocamente ao presidente Putin que retirasse imediatamente as tropas russas e que advogasse pública e inequivocamente por uma solução dialogada do conflito baseada no direito internacional e nos direitos humanos.
Em uma carta privada em 03 de março, o metropolita Hilarion informou-me de que ele e sua Igreja haviam se comprometidos no âmbito humanitário em relação com o conflito da Ucrânia, especialmente desde 2014, e estão fazendo todo o possível para ajudar as pessoas necessitadas e encerrar o conflito. Não obstante, como isso não corresponde ao que a Faculdade espera dele neste momento, considera oportuno deixar descansar seu posto de professor titular, agradecendo-me pessoalmente e à Faculdade pelos muitos anos de frutífera cooperação.
Como Decano da Faculdade, decepciona-me que o metropolita Hilarion, professor titular da nossa Faculdade há muito tempo, não se sinta capaz de enfrentar a clara violação do direito internacional por parte da Rússia. Em particular, estou chocado com as palavras públicas dos principais líderes do Patriarcado de Moscou diante da invasão militar russa da Ucrânia. Os sermões em que o Patriarca Kirill justificou a guerra da Rússia contra a Ucrânia como uma “luta metafísica”, em 27 de fevereiro e 6 de março, são um escândalo teológico e político. Como o metropolita Hilarion, com seu silêncio, parece adotar a posição de seu Patriarca, por isso declaro que o cargo de professor titular que lhe foi concedido em 2011 está suspenso até segunda ordem. Tudo isto sem prejuízo de agradecer a boa colaboração dos últimos anos.
A razão para esta decisão é óbvia: como acontece com muita frequência na história do cristianismo, os líderes de uma igreja não se atrevem a perguntar “Com que direito?” quando os governantes de seu próprio povo lançam uma máquina de guerra agressiva contra uma nação irmã, seja por considerações tático-diplomáticas ou por motivos de conluio ideológico. Desde a catástrofe da Primeira Guerra Mundial, o nacionalismo, uma perversão da ideia bíblica de eleição, tornou-se em muitos casos uma nova religião política. Os povos da Europa, que em 1815, no manifesto da “Santa Aliança”, se viam como “uma única nação cristã de irmãos”, ainda não conseguiram superar definitivamente a patologia do nacionalismo. As igrejas e teologias não são inocentes em tudo isso.
A franqueza profética é assumida na Rússia atual pelos leigos, padres e diáconos ou atores da sociedade civil que protestam publicamente contra a guerra de Putin, ainda que tenha mais a temer que alguns líderes eclesiásticos que se deixam cortejar por ele.
A Faculdade de Teologia de Fribourg continuará sendo um lugar de entendimento e encontro com e entre as diferentes igrejas da Ortodoxia. Mas ficar calado, quando é preciso falar alto e claro, não faz parte da tradição profética do cristianismo, que deveria ser um exemplo a ser seguido por nossos docentes.
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A Universidade de Fribourg suspende as atividades docentes do metropolita Hilarion, chefe de relações exteriores da Igreja Ortodoxa Russa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU