04 Junho 2020
“A ameaça a ambientalistas acontece em todos os continentes. Especialmente ali onde existem recursos naturais para explorar. A gravidade dessas ameaças varia de país para país, mas o número de assassinatos está aumentando em todo o mundo, seguindo uma curva exponencial. Mas também são cada vez mais visíveis”, relata Michel Forst, que foi o relator especial da ONU sobre a situação dos defensores de direitos humanos de 2014 a 1º de maio de 2020.
A entrevista é de Corine Chabaud, publicada por La Vie, 03-06-2020. A tradução é de André Langer.
Onde encontramos ambientalistas ameaçados?
Infelizmente, em todos os continentes. Especialmente ali onde existem recursos naturais para explorar. A gravidade dessas ameaças varia de país para país, mas o número de assassinatos está aumentando em todo o mundo, seguindo uma curva exponencial. Mas também são cada vez mais visíveis. Porque, graças ao uso de gravações de vídeo por telefone celular, casos que anteriormente teriam passado despercebidos agora são divulgados. Os defensores mortos não querem ser mártires ou heróis. É o sistema que os obriga a assumir riscos incalculáveis.
Houve um aumento de homicídios especialmente na Colômbia, México, Honduras, Guatemala e também na Ásia. Os ativistas também são difamados e criminalizados. Às vezes, pessoas emblemáticas são mortas, como Berta Cáceres, em 2016, em Honduras, ou Isidro Baldenegro, em 2017, no México, ambos indígenas condecorados com o prestigioso Prêmio Goldman.
Os filipinos, dirigidos por Rodrigo Duterte, também são dramaticamente atingidos por assassinatos escolhidos a dedo, que também visam ativistas dos direitos humanos. A polícia é incentivada a matar, com mensagens como “Kill them all!” (“Matem todos”), como disse o presidente. Quando o confinamento decorrente do coronavírus foi decretado, o Sr. Duterte chegou a ordenar que a polícia matasse aqueles que não o respeitavam! Em alguns casos, o confinamento reduziu os assassinatos em todo o mundo, mas é uma situação temporária e relativa, pois não foi aplicado em todos os lugares.
Em 2018, você esteve em uma missão na Colômbia, seguida de um relatório. Qual é a situação neste país?
O número de assassinatos é impressionante. Durante os 15 dias da minha missão, nove defensores foram mortos, incluindo cinco em comunidades que eu acabara de visitar! Pude ver as populações autóctones e afro-colombianas in loco. Especialmente, Gustavo Gallón, fundador da Comissão de Juristas da Colômbia, um advogado muito envolvido. O procurador-geral quis me mostrar que 56% desses crimes foram solucionados. Mas isso é absolutamente falso. A situação é realmente tensa e perigosa.
Muitas vezes, na missão, um guarda-costas me acompanha. Aí, às vezes, tive que viajar de carro blindado. Ponto positivo: o governo aceitou minha presença. No entanto, ele contestou meu relatório, que suscitou sua raiva. Quando o apresentei em Genebra, no dia 03 de março, o Presidente Iván Duque e seus ministros falaram de informações abusivas. Mas outros o corroboraram, como o diretor do escritório da ONU em Bogotá, o representante da Organização Interamericana de Direitos Humanos ou o defensor do povo Carlos Alfonso Negret Mosquera.
E o Brasil?
Eu planejei ir ao Pará, o Estado mais letal para os ambientalistas, mas fui impedido de fazê-lo por causa da epidemia. Antes de Bolsonaro, já estávamos testemunhando grandes ataques contra ativistas, uma verdadeira carnificina. Com este presidente pró-agronegócio no poder, a situação piorou. As forças de segurança e as empresas se sentem encorajadas. É como se estivesse liquidando a Amazônia. Já durante a campanha eleitoral, ele multiplicou os comentários zombeteiros e difamatórios contra os ambientalistas. Na mídia popular, eles são descritos como “anti-desenvolvimento” ou “anti-progresso”.
Os defensores do meio ambiente, quando denunciam as atividades ilegais, as minas de ouro ou o desmatamento, especialmente em terras ancestrais indígenas, são ameaçados ou mortos. Assiste-se a um conluio entre o poder político, o mundo dos negócios e o narcotráfico. Os pistoleiros executam os ativistas por somas irrisórias. E o mandante costuma gozar de impunidade. Reina o silêncio. Como existe um acordo entre o poder político e o poder judicial, as investigações geralmente não dão em nada. Na América Central, a impunidade também é a regra. Atinge 98% em alguns casos.
Em janeiro de 2020, você esteve no Peru. Qual é a situação neste país?
Os assassinatos não são tão numerosos. Mas os defensores dos direitos humanos costumam ser alvo de campanhas de estigmatização. Inclusive por uma organização cristã chamada Sodalício. E filhos de líderes de comunidades indígenas foram assassinados. Vimos multinacionais usando pessoas pagas para ameaçar ou às vezes matar, especialmente as populações indígenas.
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho exige uma consulta prévia a essas populações antes da execução de qualquer projeto. Quando os nativos recusam, as empresas que persistem entram na ilegalidade. Elas, no entanto, contornam essa obrigação com a técnica do “divide and rule” (dividir para governar melhor). Elas compram algumas pessoas que avalizam seu projeto em troca da construção de uma escola ou de um emprego. Este método é terrível, porque divide.
No Peru, tive discussões complicadas com a Confiep (Confederação Nacional de Instituições Empresariais Privadas), o Medef local: os ambientalistas eram apresentados como perigosos ecoterroristas, vinculados a um ramo da Al Qaeda!
O acordo de Escazú [acordo regional latino-americano sobre o meio ambiente] é reconhecido por unanimidade. Por quê?
Este é, de fato, um excelente acordo, um tratado multilateral a favor do direito ao meio ambiente votado na Costa Rica pelos países da América Latina e Caribe em março de 2018. O primeiro que prevê o acesso obrigatório a informação – permite saber quem são os parceiros da empresa que está lançando um projeto – e protege os defensores do meio ambiente. Promove a justiça ambiental. É um instrumento jurídico ambicioso, mas que só foi ratificado por oito países. Nós pensamos que o Peru faria isso, mas o texto está bloqueado. No entanto, para que o acordo entre em vigor, deve ser ratificado por pelo menos 11 Estados.
A construção de barragens e a extração de minerais causam muitos problemas...
A construção de barragens geralmente leva ao deslocamento das populações. Aquelas que são perseguidas por esses megaprojetos se estabelecem nas partes mais altas. Quando os recursos naturais das planícies escasseiam, as empresas, geralmente grandes firmas internacionais, também sobem para as partes mais altas. Os vales onde viviam as populações são alagados. Ora, essas terras lhes pertenciam, e a Constituição muitas vezes reconheceu esse direito para eles. Isso cria problemas legais. Existem muitos exemplos na América Latina. Mas também na Austrália, com os aborígenes. A exploração dos solos é frequentemente problemática, é um fenômeno global.
Na África, um continente rico em recursos naturais, observamos as mesmas armadilhas. Simplesmente, a tradição da luta social é menos enraizada. E as redes de defensores são menos fortes. Os abusos são menos filmados. A atenção à África deve, portanto, tornar-se uma prioridade. Existem neste continente muitos defensores dos animais, da floresta, que morrem sem serem noticiados. Também existem, como nos povos indígenas, ambientalistas que não se enquadram nessa categoria, porque não têm consciência de seu papel.
A comunidade internacional está agora ativa no combate a este flagelo?
Sim, especialmente a União Europeia. O Parlamento e a Comissão Europeia praticam uma diplomacia rigorosa. Nos diálogos com países terceiros, a questão dos defensores do meio ambiente é sempre abordada. O Instrumento Europeu para a Democracia e os Direitos Humanos (IEDDH) tem a dotação de 450 milhões de euros. Somas significativas vão para sua proteção. Algumas grandes empresas, como Adidas ou Nike, demonstraram sua tomada de consciência. Mas ninguém vai muito longe. E os chineses não estão nesse movimento.
As ONGs são muito ativas: Brigadas da Paz, ISHR [International Society for the History of Rhetoric], Front Line Defenders, Global Witness, Anistia Internacional, Human Rights Watch, etc. Seu trabalho é notável. Mas diretrizes e mecanismos para proteger esses bravos homens e mulheres, diante da insegurança, devem ser sistematicamente implementados. Esses ativistas devem ter um reconhecimento maior e receber apoio.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“O número de assassinatos de ambientalistas continua aumentando”. Entrevista com Michel Forst - Instituto Humanitas Unisinos - IHU