18 Abril 2020
Até o Papa Francisco está ficando frustrado com as missas transmitidas ao vivo. Segundo ele, esse não é o ideal.
A reportagem é de Robert Mickens, publicada por La Croix Internacional, 17-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Uma das características do cristianismo católico é a sua rica tradição dos sacramentos e da liturgia.
Desde o Concílio Vaticano II (1962-1965), a Igreja romana tem administrado ou celebrado os sacramentos no contexto de uma liturgia, geralmente a missa (com a feliz exceção da escuta das confissões individuais!).
Isso nem sempre foi assim. E, em alguns lugares, lamentavelmente, ainda não é.
Antes do Concílio, por exemplo, as crianças geralmente não eram batizadas durante a missa. Agora, elas quase sempre o são. Isso não se deve ao fato de a cerimônia batismal pré-Vaticano II ser alitúrgica ou não litúrgica.
Era uma verdadeira liturgia batismal. Mas costumava ser algo pequeno, que incluía apenas os pais, padrinhos e talvez alguns poucos familiares imediatos.
A razão pela qual os católicos agora batizam bebês e crianças pequenas na missa (geralmente no domingo) é porque o batismo é o principal sacramento da iniciação na família cristã. E essa família ampliada, ou uma representação significativa dela, deveria idealmente estar presente em todo batismo.
Essa é a tradição antiga e foi reavivada. Assim como nos primeiros séculos, a Igreja romana hoje recebe novos membros adultos durante a Grande Vigília Pascal, unindo-os ao corpo dos fiéis mediante os três sacramentos da iniciação cristã – batismo, confirmação e eucaristia.
E o batismo é o mais essencial. Como o Papa Francisco enfatizou, é a carteira de identidade ou o passaporte de um cristão.
O papa costuma dizer às pessoas que busquem saber a data do seu batismo, se ainda não a sabem, e depois celebrem o seu aniversário batismal todos os anos, assim como celebram o aniversário de nascimento.
O batismo torna as pessoas membros da família da Igreja, irmãos e irmãs de Cristo e uns dos outros. E o papa diz que todos os batizados são chamados a desenvolver uma relação cada vez mais profunda e íntima com Cristo ao longo de suas vidas. Ele diz que os cristãos precisam se familiarizar cada vez mais com o Senhor.
No entanto, ele diz que os fiéis não podem fazer isso por conta própria. Na verdade, ele diz que isso é impossível.
“Para os cristãos, a familiaridade com o Senhor é sempre comunitária”, disse o Papa Francisco durante a missa da manhã do dia 17 de abril na capela da sua residência em Santa Marta.
Ele disse que se aproximar de Cristo é obviamente algo íntimo e pessoal, mas nunca está fora do contexto da comunidade cristã inteira.
“Uma familiaridade sem comunidade, uma familiaridade sem o pão, uma familiaridade sem a Igreja, sem o povo, sem os sacramentos é perigosa”, alertou.
Francisco soava e parecia bastante sério quando disse isso. E por uma boa razão. Não existem muitos cristãos em todo o mundo que podem se reunir fisicamente como comunidade exatamente agora.
As medidas de confinamento contra o coronavírus fizeram com que muitos católicos estejam em um confinamento litúrgico há várias semanas. Mais significativamente, eles não puderam assistir à missa dominical, algo considerado há muito tempo como o teste decisivo para ser um católico praticante.
Então, eles estão sintonizando a missa na internet ou na televisão. E, segundo todos os relatos, parece que muitos deles estão achando isso espiritualmente nutritivo. Sabe-se lá se eles estão acompanhando em tempo real ou “sob demanda”…
De qualquer forma, o papa está preocupado com o fato de alguns deles estarem tendo a ideia de que acompanhar uma missa virtual (ou viral, como ele a chamou) não é tão diferente de comparecer fisicamente à celebração eucarística em pessoa.
Ele disse às poucas pessoas reunidas com ele na missa na capela de Santa Marta a considerar o exemplo dos apóstolos.
“A familiaridade dos apóstolos com o Senhor era sempre comunitária, era sempre à mesa, sinal da comunidade. Era sempre com o sacramento, com o pão”, disse o papa.
Talvez algumas pessoas possam dizer que é possível experimentar esse senso de comunidade de uma maneira não física e espiritual, assim como a Igreja acredita na comunhão dos santos – de todos os fiéis, mortos e vivos, ao longo dos tempos.
Mas Francisco não parece estar falando disso. Ele está falando claramente sobre a presença física.
“Digo isso porque alguns me fizeram refletir sobre o perigo deste momento que estamos vivendo, essa pandemia que fez com que todos comungássemos religiosamente através da mídia... Mesmo nesta missa somos todos comungantes, mas não juntos, (apenas) espiritualmente juntos”, disse ele.
É o perigo deste momento, como Francisco o chamou.
Não há dúvida de que ele está ficando cada vez mais desconfortável com as missas online de que, como ele deve saber, algumas pessoas realmente gostam.
“Vocês receberão o sacramento hoje”, disse ele à sua pequena congregação na capela.
“Mas as pessoas que estão conectadas conosco (através da mídia), somente a comunhão espiritual. E essa não é a Igreja: essa é a Igreja de uma situação difícil, que o Senhor permite, mas o ideal da Igreja é sempre com o povo e com os sacramentos. Sempre”, disse o papa.
Novamente, nesta situação concreta, ele parece estar dizendo que a missa deve sempre ser celebrada com as pessoas fisicamente presentes.
Limitar as pessoas à comunhão espiritual não é a Igreja. Foi isso que ele disse.
“A Igreja, os sacramentos, o Povo de Deus são concretos. É verdade que, neste momento, devemos fazer essa familiaridade com o Senhor deste modo, mas (somente) para sair do túnel, não para ficar nele”, continuou Francisco.
O túnel, é claro, é o coronavírus e os esforços de confinamento para impedir a sua disseminação. Mas o papa está obviamente ansioso por que nem todos os católicos veem isso dessa maneira.
Ele disse que um bispo reclamou com ele pouco antes da Páscoa quando soube que as liturgias papais para o Tríduo Pascal seriam realizadas na enorme Basílica de São Pedro com a participação de apenas algumas pessoas. Evidentemente, o bispo ficou furioso e escreveu a Francisco o seu ato de revolta.
O papa disse que não sabia, a princípio, o que havia acontecido com esse bispo, que ele sabe que é um bom bispo, próximo do seu povo.
“Depois eu entendi”, disse Francisco, “ele me dizia: ‘Fique atento para não viralizar a Igreja, para não viralizar os sacramentos, para não viralizar o Povo de Deus’”.
Nós “viralizamos” algo – isto é, o tornamos viral – quando pegamos palavras escritas, sons e imagens (em movimento ou paradas) e os espalhamos, repetidamente, na mídia digital.
O papa parece estar dizendo que isso não está funcionando muito bem para uma Igreja em oração, mesmo quando ela se esforça para atravessar o túnel chamado Covid-19.
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Católicos continuam tropeçando liturgicamente durante a pandemia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU