31 Março 2020
Obcecado com equilíbrio orçamentário, Paulo Guedes libera migalhas contra o vírus e a recessão enquanto os países avançados abrem os cofres.
A reportagem é de Carlos Drummond, publicada por CartaCapital, 27-03-2020.
A casa caiu, perceberam os governos dos países avançados e até economistas neoliberais, mas no Brasil do presidente que afronta as recomendações rigorosas das maiores autoridades da saúde e dos cientistas mais renomados para conter a pandemia da Covid-19 e a previsível recessão de grandes proporções que se avizinha, o Ministro da Economia ainda pensa com base nas ideias que 50 anos atrás faziam sucesso na Escola de Chicago, onde se formou.
Paulo Guedes não abre mão da régua da austeridade mesmo quando anuncia recursos para a economia em freada brusca e só os libera sob pressão e em conta-gotas. Na terça-feira 24, e este é só um entre vários exemplos da visão anacrônica que preside suas decisões em meio ao pandemônio, Paulo Guedes disse que o País pode gastar 120 bilhões de reais com saúde e emprego pois esse dinheiro foi economizado no ano passado com juro da dívida interna.
Sempre foi errado pensar na economia como o orçamento de um lar onde só se gasta quando há dinheiro na gaveta ou na conta bancária, repisam os economistas desenvolvimentistas, mas agora isso pode ser, além de equivocado, mortal. A estreiteza da equipe econômica fica evidente quando se compara os passos miúdos e hesitantes dados pelo Brasil na área fiscal com a corrida dos países avançados para deter o vírus e impedir uma catástrofe financeira na área da saúde, para as famílias e as empresas.
Os montantes autorizados pelo governo brasileiro para enfrentar a epidemia e suas consequências econômicas estão muito abaixo do necessário e parecem risíveis quando comparados aos valores liberados em outros países. Segundo o economista Manoel Pires, do Observatório de Política Fiscal da FGV-Ibre, todas as medidas fiscais e parafiscais tomadas pelo governo somam 844 bilhões de reais, equivalentes a 11,6% do PIB.
Entretanto, quando se abate desse valor a redução da exigência de capital dos bancos, que liberou 672 bilhões de reais para ampliar a capacidade de crédito, o total fica reduzido a 2,86% do PIB e depois de se expurgar também as antecipações de despesa, o saldo equivale a apenas 2,05% do PIB. Nos EUA, os valores chegam a 6,3% do PIB, mas decisões do Congresso podem elevá-los para 11,3% do PIB ou mais que isso. No Reino Unido, o total ultrapassa 17% do PIB, na Espanha chega a 17%, na Alemanha 12% e na França, 13,1% do PIB.
Esses percentuais de gastos em relação ao PIB nos países avançados, embora muito maiores que os autorizados pelo governo brasileiro, estão aquém do necessário segundo alguns economistas. Nos Estados Unidos, atual epicentro da pandemia, o Senado e o governo definiram um plano de estímulos de 2 trilhões de dólares, resultado de um acordo que no Brasil parece há anos-luz de distância, entre o Legislativo e o Executivo, pois Bolsonaro, apesar de seguir a política de Trump de priorizar a economia em vez da saúde humana, mostra-se muito mais limitado e radical do que seu lamentável inspirador.
Para os Estados Unidos, 2 trilhões de dólares em estímulos talvez sejam, entretanto, insuficientes. Segundo o economista Joshua William Mason, do respeitado Instituto Roosevelt e da Universidade de Nova York, a economia necessitará de estímulos equivalentes a 13% do PIB, o que corresponde a 3 trilhões de dólares em 2020 e talvez o mesmo montante durante vários anos para enfrentar as consequências da recessão econômica que ocorrerá com a epidemia. “Se considerarmos a crise de 2008 como uma referência para estimar o que a nossa economia pode sofrer diante do choque severo da pandemia do coronavírus, devemos pensar em uma queda de 20% na demanda privada”, calcula Mason.
“De 2007 a 2009, o PIB dos Estados Unidos caiu cerca de 6%, mas isso ocorreu depois de grandes volumes de estímulos governamentais e de um corte maciço nas taxas de juros. As taxas de juros foram reduzidas em 5% nesses dois anos, e o déficit federal aumentou em 9%. Na crise de 2008 houve também uma queda no déficit comercial de 2 pontos percentuais, o que equivale a mais gastos com estímulos. Dada a natureza global da crise de hoje, uma melhora semelhante na balança comercial parece improvável. Se usarmos nossas estimativas padrão dos efeitos dos gastos públicos e das taxas de juros para calcular como o PIB teria se comportado na ausência dessas respostas, chegaríamos à conclusão de que ele caiu mais de 20%”, analisa Mason.
Vários economistas utilizam também a referência da Grande Depressão dos anos 1930 para fazer projeções sobre a recessão que se aproxima. O economista Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia, disse desconhecer uma parada tão brusca da economia como a provocada pela pandemia do coronavírus. Em entrevista à revista The New Yorker, Eichengreen, que é especialista em história econômica, trabalha com a hipótese de que o gasto de consumo cairá cerca de 30% no segundo semestre deste ano.
A Grande Depressão, que começou após o colapso do mercado de ações em outubro de 1929, foi devastadora mas, segundo Eichengreen, ela se desenvolveu mais gradualmente do que o choque do coronavírus. “A produção de bens e serviços caiu cerca de um terço, mas em um período de mais de três anos. A produção industrial caiu pela metade, mas, novamente, ao longo de um período de três anos. A taxa de desemprego aumentou 25%, mas em quatro anos. Agora, o que estamos falando é a possibilidade de a taxa de desemprego disparar muito dramaticamente em um período muito curto de tempo”, chamou atenção Eichengreen. Segundo o New York Times, o secretário do Tesouro Steven Mnuchin disse que, na ausência de uma resposta política agressiva, a taxa de desemprego pode chegar a 20%.
No Brasil desgovernado, alguns executivos e empresários sentem-se à vontade para questionar o prazo do confinamento determinado pelo Ministério da Saúde em sintonia com a Organização Mundial da Saúde e assim aumentam o pandemônio produzido por Bolsonaro e aliados. O presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, egresso, assim como Guedes, da Universidade de Chicago na época do há muito tempo desprestigiado economista Milton Friedman, disse ser um equívoco a redução do transporte e o fechamento parcial do comércio definidos por prazos determinados pelas autoridades da área médica do Brasil e de outros países para reduzir a velocidade de propagação da epidemia. Abílio Diniz, presidente dos conselhos de administração da Península Participações e da BRF, afirmou que deixar pessoas sem renda, emprego e isoladas pode ser pior que a doença. Glauco Humai, presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers, acompanhou a posição de Diniz.
O grupo radical de empresários bolsonaristas foi mais direto. Alexandre Guerra, acionista e conselheiro do Giraffas, disse que “quem está com medo da Covid-19 deveria temer o emprego” e foi afastado pelo pai e fundador da empresa, Carlos Guerra. Para Junior Durski, dono da rede de restaurantes Madero, “o Brasil não pode parar por conta de 5 mil ou 7 mil pessoas que vão morrer”. Luciano Hang, dono das lojas Havan, declarou que “o dano na economia vai ser muito maior do que na pandemia”. O empresário e apresentador Roberto Justus disse que o número de mortos ainda é pequeno diante da população e que as medidas determinadas pelas autoridades de saúde “são um tiro de canhão para matar um pássaro”.
As manifestações desses empresários brasileiros reforçam a enorme pressão de investidores estrangeiros para o Brasil dar prioridade à normalização do funcionamento da economia em detrimento das medidas necessárias ao combate à epidemia. A ação dos investidores estrangeiros foi denunciada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em entrevista coletiva na quarta-feira 25. Esses investidores perderam dinheiro, cabe acrescentar, com o fracasso da política econômica do governo em recolocar o País na trajetória de crescimento e a consequente queda quase ininterrupta da bolsa, acentuada pela expansão da pandemia.
Henrique Meirelles, ex-presidente do BankBoston e do Banco Central, seguiu a direção oposta àquela dos empresários bolsonaristas e afirmou ser necessário “preservar a vida, depois a economia”. O empresário José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico e vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, está convencido de que o Brasil deve continuar seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para enfrentar a Covid-19.
Bill Gates, dono da Microsoft e segundo empresário mais rico do mundo depois de Jeff Bezos, proprietário da Amazon, deveria inspirar os empresários brasileiros que adoram os Estados Unidos. Dirigindo-se ao empresariado, Gates disse que “nós precisamos do confinamento. Não podemos reabrir os nossos negócios e ignorar a pilha de cadáveres na esquina”.
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Os estímulos econômicos do governo beiram o ridículo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU