03 Março 2020
Houve um tempo em que a sociedade poderia ter detido a mudança climática e, de fato, esteve muito perto dessa conquista. Eram os anos 1980, quando o problema climático ainda não estava politizado nos Estados Unidos e um punhado de cientistas, funcionários e ativistas, conseguiu colocá-lo entre as maiores prioridades da agenda política. Só não sabia a petroleira Exxon, como já foi demonstrado.
“O governo dos Estados Unidos tinha conhecimento desde os anos 1950”, afirma em uma entrevista por telefone, de Nova Orleans, Nathaniel Rich, autor da obra Losing Earth. Seu livro, que a editora Capitan Swing acaba de publicar em espanhol [Perdiendo la tierra], relata como o mundo esteve prestes a alcançar uma solução consensual para a mudança climática até que a pressão da indústria de combustíveis fósseis freou subitamente todos os avanços, seguido por uma intensa campanha de propaganda para gerar divergências políticas em torno do clima. A história daqueles anos é, nas palavras de Rich, “uma tragédia”, mas, ao mesmo tempo, “é a história de um tremendo progresso que vivemos, apesar de uma série de reveses no caminho”.
A entrevista é de Marta Montojo, publicada por El Diario, 27-02-2020. A tradução é do Cepat.
O que deu errado quando se estava a tempo de parar a crise climática e se sabia?
Há um pequeno grupo de pessoas - ativistas, cientistas, políticos e burocratas de baixo escalão - que conseguiu levar uma preocupação científica, que só havia sido articulada em publicações científicas de curta distância e em relatórios governamentais, à beira do que parecia ser uma solução: um tratado global vinculante para reduzir as emissões de carbono.
Contudo, isso fracassa quando os Estados Unidos se retiram do tratado na cidade holandesa de Noordwijk. Era a primeira reunião diplomática de alto nível para negociar um tratado do IPCC, em 1989. Lá estivemos muito perto de um consenso global para reagir e os Estados Unidos se retiraram no último segundo.
Por que fracassa?
A razão pela qual isso acontece, naquele momento, é em grande parte devido a John Sununu, chefe de gabinete de George H.W. Bush, que era, depois do presidente, a pessoa mais poderosa do governo Bush. Sununu é, essencialmente, o primeiro negacionista climático a nível mundial. No livro especifico como chegou a esse ponto de vista e como conseguiu forçar os Estados Unidos a se retirarem de qualquer tipo de proclamação vinculante. Essa é a resposta política.
Mas, a partir daí, também são levantadas questões muito maiores, como por que os outros esforços não foram suficientes para um impulso global em direção a um tratado importante. E essa é uma pergunta mais difícil de responder, porque nos obriga a questionar a capacidade dos seres humanos em levar a sério as ameaças existenciais que não são de curto prazo e atuar com prudência quando enfrentamos esses riscos.
Qual é a razão, na sua avaliação, de que não tenham sido realizadas grandes coisas desde então?
Penso que está bastante claro por que não atuamos a partir de 1989 e pode se resumir nos esforços da indústria do petróleo e gás para frustrar a política climática de qualquer tipo e, no processo, politizar o clima.
Se a questão é por que não resolvemos o problema quando tivemos a oportunidade, quando não estava politizado, a resposta de Sununu é a específica, mas não capta realmente a natureza completa do assunto.
Não parece que muita gente esteja ciente de que isso aconteceu nos anos 1980. Considera que a opinião pública se esqueceu desse fracasso do passado?
Temos uma espécie de amnésia histórica, especialmente nos Estados Unidos, pois não se trata de uma época distante. Aconteceu ao longo de minha própria vida e ainda não tenho 40 anos. Mas as pessoas se esqueceram disso.
Penso que a realidade da época e a ideia de que o clima não era um tema politizado são difíceis para muitas pessoas assimilarem. Porque é um assunto tão politizado, ao menos nos Estados Unidos, que é difícil imaginar que alguma vez houve uma fração do partido republicano que não apenas não era negacionista, como também fez esforços de boa-fé e ajudou a impulsionar os avanços legislativos para tomar medidas drásticas contra a mudança climática.
É chamativo que alguns dos líderes do atual movimento climático não conheçam essa parte da história. Alexandria Ocasio-Cortez, por exemplo, que é uma das pessoas mais eloquentes e poderosas entre as que lideram o debate climático, disse em seus discursos que “o Governo sabia disso desde 1989”. E não entende que a história vem de muito mais tempo, que na realidade o Governo dos Estados Unidos tem conhecimento desde os anos 1950. Até mesmo alguém como ela caiu nesse argumento dos negacionistas, que é que a questão do clima é nova. Isso nos indica o grau de ignorância pública que ainda existe em relação a esse problema e a magnitude da campanha de propaganda da indústria.
Como você se deparou com essa história?
Começou com a minha própria frustração como leitor. Lendo sobre o assunto, senti que artigos sobre mudança climática faziam a mesma coisa repetidamente. Explicavam a ciência, a política, o papel da indústria de petróleo e gás... E, por último, basicamente chamavam à ação. Tive a impressão de que a literatura sobre o clima havia se tornado muito estática e previsível. Não tinham sido abordadas algumas dessas perguntas mais amplas sobre esse conhecimento que já temos, sobre como a maneira como vivemos nossas vidas e nosso futuro estão mudando e sobre como está alterando nosso sistema econômico e político.
Minha opinião geral sobre o problema é que não avançamos muito a partir de 1989, quando as linhas de batalha foram traçadas. Eu também não conhecia a história anterior a esse ponto. Levou-me a um ano e meio de pesquisa. Entrevistei mais de 100 pessoas e fui aos arquivos de todo o país. Levou tempo para reunir todas as peças.
Em um ponto do livro, menciona o buraco na camada de ozônio e como o medo gerado em torno dessa ameaça ajudou a impulsionar medidas para resolvê-lo. Considera que o medo poderia ser um bom elemento agora para acelerar a ação climática?
Esse debate acontece na comunidade de ativistas, mas é um debate de marketing e publicidade, centrado em como vender esse problema ao público. “Devemos fazer com que sintam medo ou devemos oferecer razões para que tenham esperança e contar histórias sobre o progresso?” No entanto, para mim, toda essa conversa é muito imatura: a ideia de que as pessoas só responderão diante de um determinado discurso de venda.
Não cabe a mim dizer aos ativistas o que devem fazer. Eu não sou ativista e, se consideram que causar medo nas pessoas funciona melhor (ou muito pelo contrário), tudo bem. Mas acredito que essa é uma história de adultos e eu gostaria de contá-la como tal.
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“Está bastante claro por que não agimos a partir de 1989 contra a mudança climática”. Entrevista com Nathaniel Rich - Instituto Humanitas Unisinos - IHU