17 Janeiro 2020
"Um 'olhar' confuso e distorcido, às vezes até violentamente desrespeitoso, que surpreende ser proposto por alguém que há cinco anos é o responsável mais elevado da Congregação que trata de culto e de sacramentos".
A opinião é de Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua, em artigo publicado por Come Se Non, 16-01-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
O livro saiu, exatamente como anunciado: consiste em uma "nota do editor" (N. Diat), uma introdução dos dois autores, de uma primeira parte escrita apenas por J. Ratzinger, de uma segunda escrita apenas por R. Sarah e uma Conclusão escrita novamente a duas mãos.
A Nota do Editor é irrelevante: serve apenas para demonstrar que o jornalista conhece pouco sobre o assunto do livro. Depois, há a introdução e a conclusão, que por estilo e conteúdos parecem escritas pela mão de Sarah, pois se parecem muito com a sua parte. Depois, há as duas partes principais: a de J. Ratzinger (21-54), intitulada O Sacerdócio Católico, e a de R. Sarah (55-128), intitulada Amor até o fim. Olhar eclesiológico e pastoral do celibato sacerdotal.
Depois de ler as duas partes, considero justo dedicar uma breve apresentação apenas à primeira parte. A segunda, de fato, é tão superficial, contraditória, desconjuntada e cheia de erros teológicos e históricos, que nem sequer pode ser considerada um discurso completo e coerente: nela é expresso um esboço de visão do celibato que não tem nenhum fundamento nem na história nem na realidade. Um "olhar" confuso e distorcido, às vezes até violentamente desrespeitoso, que surpreende ser proposto por alguém que há cinco anos é o responsável mais elevado da Congregação que trata de culto e de sacramentos.
Mas vamos ao texto de J. Ratzinger (eu não teria usado o nome de Bento XVI no livro, visto que como papa reinante ele usava seu nome de batismo para assinar suas obras não magisteriais, enquanto agora usa o nome papal para assinar reflexões teológicas estritamente pessoais).
Como escreveu Pe. Garrigues, a apresentação do sacerdócio proposta por J. Ratzinger imediatamente se revela muito questionável. É discutível, acima de tudo, no plano metodológico. Curiosamente, Ratzinger atribui a crise do sacerdócio a um problema metodológico, que acredita resolver através de uma série de passagens altamente problemáticas. Vou apresentá-las brevemente.
O primeiro passo parte de uma crítica à teologia, que teria interrompido a tradição de "interpretação cristológica do Antigo Testamento", assim interrompendo a relação entre teologia e culto (aqui, no entanto, não está claro por que apenas uma exegese de AT poderia conservar uma relação entre teologia e culto).
Portanto, uma correta teologia do sacerdócio exigiria para Ratzinger uma "estrutura exegética fundamental". De tal metodologia derivaria a única teologia correta, que Ratzinger expressa nas seguintes palavras: “O ato de culto passa agora por uma oferta da totalidade da própria vida no amor. O sacerdócio de Jesus Cristo nos introduz em uma vida que consiste em nos tornarmos ‘um’ com ele e em renunciar a tudo aquilo que pertence apenas a nós. Para os sacerdotes, este é o fundamento da necessidade de celibato, bem como da oração litúrgica, da meditação da Palavra de Deus e da renúncia aos bens materiais". (24)
Tornar-se "um" com ele e renunciar a tudo - que é uma descrição do discipulado cristão, isto é, do sacerdócio batismal - torna-se imediatamente quatro coisas determinadas, através de uma passagem conceitual realmente muito, demasiado rápida, que se desloca da "descrição do Igreja" para a "vida dos clérigos". Oração litúrgica, meditação na Palavra, renúncia a bens e celibato estão enfileirados, como consequências. É evidente que aqui, no plano da argumentação, coisas de tipos muito diferentes são misturadas. E isso nunca é um bom sinal. Se coloco o celibato com a escuta a Palavra, com a oração litúrgica, com a comunhão dos bens, estou citando indiretamente o livro de Atos, no famoso versículo 2,42. Mas naquele versículo se fala de tudo, mas não do celibato. De acordo com uma correta metodologia exegética, não se deveria misturar, desde o início, as cartas do discurso.
Independente disso, no primeiro parágrafo de seu texto, J. Ratzinger desenvolve precisamente o que ele mesmo chama: "A formação do sacerdócio neotestamentário na exegese cristológico-pneumatológica".
Nessa seção de seu texto, é apresentado o desenvolvimento do sacerdócio a partir da "comunidade de laicos" que está ao redor de Jesus. A crítica profética do culto é encontrada nos discursos de Jesus sobre o sábado e sobre o templo dos "topoi" que, no entanto, só podem ser interpretados por seu gesto fundamental, o da última ceia. Apenas na última ceia, se apresenta o novo "ato de culto", que é constituído pela interpretação da Cruz e da Ressurreição. Mas essa interpretação ocorre, segundo Ratzinger, unificando em uma única realidade os "ministérios" de bispo, presbítero e diácono e o "sacerdócio" do Sumo sacerdote, do Sacerdote e dos levitas.
Assim, cria-se um perfeito paralelismo entre NT e AT, e principalmente se propõe esta "exegese cristológica e pneumatológica do AT" como única via para entender o sacerdócio cristão. Nenhuma palavra é dita do fato de que tal sacerdócio cristológico, feito de comunhão com Deus e de renúncia a si mesmos, é o coração do batismo e da vida cristã comum, ou seja, é "sacerdócio batismal", é "sacerdócio comum". Mas Ratzinger, considerando que aquela proposta é "a verdade do texto" e não uma sua "leitura alegórica", não consegue sair de uma pré-compreensão sumo-sacerdotal, que corre o risco de excluir qualquer possível leitura do sacerdócio comum.
O único sacerdócio, na apresentação de Ratzinger, parece ser aquele hierárquico. Assim, obviamente, a única visão coerente pode ser aquela tridentina, certamente não aquela do Vaticano II. Em outras palavras, a "instituição de um novo culto" - que Ratzinger descreve com grande eficácia na p. 33, no entanto, é referida substancialmente aos "clérigos", não à Igreja. Parece-me que isso é um erro metodológico muito pesado, que compromete todo o discurso. E tal leitura alegórica, que se pretende tornar normativa para a "ontologia do sacerdócio" acaba, inevitavelmente, por encontrar em Lutero e no Concílio Vaticano II - unificados apologeticamente no mesmo círculo dos réprobos - os interlocutores inadimplentes, porque não entendem mais esta "exegese cristológico-pneumatológica", para a qual o "novo culto" não diz respeito, em primeiro lugar, à Igreja, mas aos padres.
Essa primeira parte, que é central para a argumentação, é seguida por uma série de "aplicações históricas" e "hermenêuticas bíblicas", destinadas a "demonstrar" essa tese. É preciso reconhecer que a tese, por si só é bastante frágil, não encontra muita força nas aplicações históricas, nas quais os dados não conseguem confirmá-la de maneira convincente.
Vou me deter apenas em um ponto. A avaliação a que se submete a tradição judaica da "abstinência sexual" antes da celebração do culto e da escolha do celibato como disciplina é certamente baseada em dados históricos, na transformação do culto cristão em culto cotidiano, mas a solução adotada na história, em sua contingência social, cultural e eclesial é assumida como "abstinência ontológica", sem qualquer avaliação da mudança da compreensão do casamento, da sexualidade e da identidade dos sujeitos. Pretender demonstrar hoje a evidência do celibato com um conceito de "pureza ritual" que a história profundamente transformou não parece uma forma convincente de metodologia teológica. Fazemos a história dizer o que queremos e tapamos a boca do presente apenas "por autoridade". Da mesma forma, a leitura do "sacerdócio uxorado", como acompanhado pela exigência da abstinência, absolutiza e generaliza de maneira universal um elemento que a história atesta, mas não de uma maneira incontroversa. O que foi não nos diz, imediatamente, o que deve ser. É precisamente aqui, como Romano Guardini ensina, a diferença da teologia sistemática.
Outros pontos problemáticos emergem das pequenas exegeses que Ratzinger propõe de textos-chave, para tentar confirmar sua metodologia. O texto do Salmo 16 é relido como "admissão à comunidade sacerdotal". Aqui, como é evidente, as palavras são usadas em uma acepção ultrapassada. É surpreendente que se possa falar, ainda hoje, de "comunidade sacerdotal" sem levar em conta que na Lumen Gentium tal termo indica "toda a comunidade eclesial". É óbvio que, se referida apenas aos "ordenados", a chamada "exegese cristológico-espiritual" reconstrói imediatamente, a Igreja pré-conciliar. Como se queria demonstrar.
Do mesmo modo, a interpretação da Segunda Oração Eucarística atribui ao "sacerdote" que preside as palavras que, não no Deuteronômio, mas no texto eucarístico, devem ser referidas a todos os batizados. Curiosamente, Ratzinger também encontra aqui uma oportunidade para acusar "os liturgistas" de ter estudado as palavras por ele citadas apenas para convidar a "permanecer em pé" e não "ajoelhados". Na realidade, é muito mais urgente estabelecer que o texto não fala "do padre", mas da "Igreja". E não há necessidade de um liturgista para dizer isso.
Uma última palavra deve ser dedicada à diferença entre o texto de Ratzinger e o texto de Sarah. O primeiro é um texto teológico, o segundo queria ser apenas um discurso espiritual. Como eu disse, o segundo texto é hors concours. Mas o primeiro, precisamente porque se move no plano do exercício da razão teológica, carrega maior responsabilidade. Em certo sentido, os exageros, preocupantes ou hilariantes, contidos no texto de Sarah são de alguma forma tornados possíveis e quase abençoados por uma teologia do sacerdócio demasiado frágil e demasiado unilateral. Talvez o teólogo precisasse de outro cardeal como coautor. Mas talvez o cardeal precisasse ser ajudado por uma teologia menos condescendente em relação às derivas clericais da identidade dos ministros ordenados. Em resumo, para expressar um ato de "obediência filial", creio que poderiam ter pensado em algo melhor.
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A frágil ontologia do celibato. Perplexidade na mente e escândalo no coração - Instituto Humanitas Unisinos - IHU