06 Janeiro 2020
“A Igreja institucional precisa mudar sua abordagem para a formação e o ministério, mas a teologia acadêmica também precisa mudar. A academia teológica precisa estar em contato com as pessoas que constituirão as próximas gerações de clérigos e ministros leigos católicos. Para ser claro: a teologia não deve ser feita apenas para aconselhar e apoiar os bispos e o magistério.”
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, em artigo publicado por Commonweal, 23-12-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As conversas sobre o futuro do ministério católico tendem a se focar nas novas fronteiras – pense-se nos padres casados e no diaconato feminino. Por outro lado, muito pouco está acontecendo no que se refere a reavaliar a formação sacerdotal.
Em sua reunião do outono, os bispos dos EUA adotaram a sexta edição do Programa de Formação Sacerdotal para dioceses e ordens religiosas dos EUA, que não fornece um novo modelo, mas representa apenas um passo na transição para um novo modelo e, portanto, não avança muito.
Enquanto isso, há um bom argumento de certos setores da Igreja de que os seminaristas devem receber uma formação sobre como trabalhar com os ministros leigos, com quem trabalharão quando forem ordenados. Não se trata apenas de uma questão de romper as barreiras entre a formação do clero e dos leigos. Trata-se também de uma questão de calibrar a relação entre a formação do seminário e aquilo que eu chamarei de “mundo contemporâneo do conhecimento”.
Depois do Concílio de Trento, quando foi estabelecido o modelo do seminário para a formação sacerdotal, essas duas coisas eram essencialmente a mesma coisa. A religião moldava a cultura geral, e supunha-se que os candidatos ao seminário vinham de famílias católicas cristãs. O seminário era o próximo passo no desenvolvimento não apenas do conhecimento religioso, mas também da alfabetização e do intelecto.
Hoje esse modelo está quase invertido. A vida no seminário tem mais a ver com formação pessoal, psicológica e espiritual, à parte do mundo contemporâneo do conhecimento, do que com a preparação de candidatos para os significativos desafios intelectuais da pregação e do testemunho do Evangelho em um tempo em que a Igreja enfrenta fortes ventos contrários.
O problema, em suma, é como fornecer aos seminaristas essa formação intelectual e onde. Nos Estados Unidos, isso inevitavelmente levanta a questão do papel das faculdades e universidades católicas. Em alguns países, os teólogos leigos, os seminaristas e os jovens padres em formação estudam juntos em universidades estatais, onde haja uma faculdade de teologia católica. A formação do seminário ocorre em um prédio separado da universidade, mas perto dela, e envolve comunidade, vida de oração e formação para o ministério pastoral. Eu experimentei isso há 20 anos, quando estava estudando na Alemanha e vivi por um ano, como estudante leigo, no seminário de Tübingen junto com seminaristas católicos.
Esse claramente não é o modelo nos EUA. As universidades públicas não têm departamentos de teologia católica, e as faculdades católicas se tornaram amplamente independentes da Igreja.
No início de 2019, na época em que um grupo de professores do Boston College publicou sua proposta para a reforma da formação do seminário, Thomas Reese escreveu no National Catholic Reporter que “os seminários estadunidenses geralmente estão nas cidades e conectados às universidades, mas permanece a mentalidade de manter os seminaristas separados. Suas aulas geralmente são separadas dos outros estudantes”. Agora, as faculdades e as universidades católicas podem optar por não se envolver na formação dos padres ou podem tentar fazer parte da solução – desempenhando algum papel, com um grau de liberdade e autonomia acadêmicas em relação à Igreja hierárquica (aqui vale lembrar que, há exatamente 40 anos, em dezembro de 1979, a Congregação para a Doutrina da Fé retirou a permissão de Hans Küng para lecionar. Ele é um dos teólogos que não foi reabilitado durante o pontificado de Francisco).
O debate sobre a reforma dos seminários, portanto, deve incluir questões sobre o futuro da academia, já que os desafios que eles enfrentam também são desafios para a Igreja institucional.
Primeiro: se a formação do seminário está muito separada da vida real dos católicos, então eu acho (e sei que estou generalizando aqui) que o mesmo pode ser dito às vezes sobre a teologia acadêmica. Sim, existem inúmeros exemplos de teólogos que claramente têm uma intencionalidade eclesial e fazem um trabalho maravilhoso pelo povo de Deus. No entanto, não é uma questão de intenções pessoais, mas sim da posição sistêmica da teologia acadêmica em um ecossistema intelectual católico ameaçado, em que o magistério e os teólogos na academia também precisam competir com o “ensino” encontrado em blogs e sites católicos e em várias outras publicações.
A Igreja institucional precisa mudar sua abordagem para a formação e o ministério, mas a teologia acadêmica também precisa mudar. A academia teológica precisa estar em contato com as pessoas que constituirão as próximas gerações de clérigos e ministros leigos católicos. Para ser claro: a teologia não deve ser feita apenas para aconselhar e apoiar os bispos e o magistério. Mas a separação total não é boa, a menos que as universidades católicas não desejem ter papel e voz alguns na formação daqueles que fornecerão uma educação na fé aos estudantes católicos que mantêm as nossas universidades católicas.
A questão para os departamentos de teologia nos campi católicos hoje é se eles se veem com uma vocação eclesial e querem reivindicar alguma responsabilidade na formação do clero do futuro (refiro-me aqui ao documento de 2011 da Comissão Teológica Internacional, “Theology Today”, muito mais do que à constituição apostólica Ex Corde Ecclesiae, de João Paulo II).
Segundo: o que está acontecendo com a teologia e a religião nas faculdades e universidades católicas está relacionado àquilo que a educação superior em geral está se tornando. As próprias universidades são agora uma espécie de seminário para a formação de candidatos ao sumo sacerdócio do capitalismo e para as ordens menores da economia de serviços. Como isso se reconcilia com a necessidade de as universidades católicas serem o lugar do teologizar construtivo e da transmissão da tradição teológica?
Não se trata de uma questão liberal ou conservadora, mas sim de uma questão de viabilidade da teologia acadêmica. A teologia sobrevive principalmente como parte do currículo principal dos cursos obrigatórios, e, mesmo assim, não é tão fácil “vendê-la” como algo de que o estudante precisa. Onde a teologia (e, de fato, as outras humanidades também) se encaixa em cursos cada vez mais construídos em torno da preparação profissional? Qual é a lógica curricular? Como pensar sobre isso em um tempo em que as crenças mundiais não são tanto o debate no campus, mas sim o conflito entre cosmovisões religiosas e espirituais e o “paradigma tecnocrático” que Francisco descreve na Laudato si’'?
Terceiro: o Ensino Superior católico nega amplamente o fato de que podemos estar em um processo não declarado de “desvinculação” [disestablishment] da teologia católica em relação ao Ensino Superior católico. Os acadêmicos católicos têm todo o direito de criticar a inadequação da formação do seminário na Igreja Católica hoje. Também devemos estar cientes de que nós, acadêmicos, estamos trabalhando em instituições que, em um ritmo constante, estão se livrando ou tentando se livrar dos requisitos da teologia – sem contar o significativo número de pequenas faculdades católicas que fecharam, estão fechando e vão fechar antes da metade do século. Isso já está impactando os seminaristas de hoje, que, ao chegarem, terão muito menos exposição do que seus antecessores à teologia em um ambiente acadêmico.
No encontro da Sociedade Teológica Católica dos EUA, em junho de 2019, uma sessão especial sobre “A teologia católica e a universidade contemporânea” revelou a lacuna entre o corpo docente da Teologia e os seus administradores. Por um lado, os tomadores de decisão das universidades católicas de hoje são escolhidos pela sua experiência em outras áreas além do campo teológico (isso é claramente um eufemismo). Por outro lado, os acadêmicos tendem a repetir que não são professores de Catecismo, mas sim professores de Teologia. Esse refrão funcionou em uma época em que havia um entendimento relativamente denso da tradição católica entre os estudantes. Esse entendimento, para dizer de modo brando, não pode mais ser presumido.
Deveríamos nos preocupar com uma formação do seminário que esteja isolada da cultura contemporânea. Deveríamos estar igualmente preocupados com o isolamento da teologia acadêmica que restringe sua vocação eclesial a contribuir para a formação dos ministros da Igreja. Essas questões estão inextrincavelmente relacionadas e, portanto, são cruciais para o futuro do clero católico, para o futuro da tradição intelectual católica e para o futuro da própria Igreja.
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Desconexões perigosas? Seminaristas, teólogos e a vida da Igreja. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU