18 Junho 2019
"Multiplicam-se, em todo o mundo, as alianças entre donos do dinheiro e lúmpen-políticos. Por que o poder econômico abandonou a direita “civilizada”? Como a esquerda “esqueceu-se” da crítica radical ao sistema? É possível retomá-la?", escreve Nick Dearden, diretor do Global Justice Now, em artigo publicado por Outras Palavras, 14-06-2019. A tradução é de Marianna Braghini.
“Viajei 24 horas, de Manila ao Rio, para estar aqui e ainda assim, politicamente, sinto que não deixei minha casa”. Walden Bello, principal guia do “movimento anti-globalização” e ex-deputado das Filipinas, refletiu sobre o ascenso dos “homens fortes” autoritários de direita, das Filipinas até o Brasil. Juntei-me à ele no Brasil para avaliar o que mudou nos últimos 20 anos desde que os protestos massivos em Seattle levaram a Organização Mundial do Comércio a paralisar e anunciaram o nascimento de um novo movimento internacional ao mundo. “Mas 20 anos atrás, Seattle era uma questão exclusivamente da esquerda” continuou Bello. “Nós precisamos entender como a extrema-direita conseguiu comer o nosso almoço”.
Como o capitalismo está passando por uma de suas piores crises na história, uma galeria de desonestos, financistas, empresários bilionários e os políticos mais establishment possível conseguiram capturar, suficientemente, o imaginário popular e tomar o poder de um dos maiores países do mundo? E onde está a esquerda internacional que, há 20 anos atrás, fermentou um dos movimentos mais internacionais e diversos que o mundo já viu, mas atualmente parece defensiva e insular frente à uma crise que previmos e alertamos a respeito?
Estávamos no Brasil para comparar experiências, para aprender uns com os outros, para trabalhar em como reconstruir um internacionalismo forte o suficiente para combater esta tendência “trumpista”. Como a citação inicial de Walden Bello esclarece, as similaridades enfrentadas por diversas sociedades ao redor do mundo é surpreendente. O capitalismo está enfrentando sua mais profunda crise desde a Segunda Guerra Mundial, uma crise que ameaça a própria existência deste modelo econômico. Mas, ao passo que a esquerda política está recuada em diversos lugares e fortemente focada em uma agenda defensiva e doméstica, a direita usou este momento para construir uma assustadora rede global, sustentada com muito dinheiro e capaz de se alimentar da insatisfação popular.
Em países incluindo Brasil, Índia, as Filipinas e Turquia, homens-fortes autoritários têm sido eleitos para o Executivo, alimentando movimentos de medo e ódio e, ainda, demonizando grupos marginalizados, retrocedendo os limitados ganhos sobre as mudanças climáticas, em equidade sexual e racial e até mesmo desafiando os espaços relativamente democráticos nos quais nos organizamos. O chefão é Donald Trump, normalizando e legitimando esta política, dando confiança às redes de extrema-direita, encorajando o financiamento internacional. E as narrativas estão se espalhando para muito além dos países onde estes homens-fortes governam, se infiltrando na política em todos os lugares.
Há 20 anos, o Brasil era uma das plataformas de lançamento daquilo que se tornou conhecido como o movimento anti-globalização. Foi aqui, sob um governo regional radical, que o primeiro Fórum Social Mundial aconteceu, uma tentativa de fazer frente à reunião das elites em Davos, na Suíça, conhecido como Fórum Econômico Mundial. O Fórum Social Mundial era um espaço para encontrar, aprender e formular estratégias com ativistas de todo o globo. Dois anos depois, Lula foi eleito presidente, parte da “Onda Rosa” [em inglês Pink Tide] que varreu a América Latina e colocou um espinho no capitalismo de livre mercado.
Atualmente, Lula esta na prisão e o Brasil é governado por Jair Bolsonaro, um membro de extrema-direita da elite, um apologista da ditadura militar que violou direitos humanos, que de alguma forma conseguiu cultivar uma imagem popular e ganhar uma maioria. Ele chegou ao poder denunciando terroristas ativistas da esquerda e movimentos social. Um racista, um misógino e um homofóbico, Bolsonaro faz Trump parecer moderado.
Certamente, quando você chega ao Brasil, você não vê stormtroopers [de Star Wars] ou suásticas. E muitos turistas sequer irão notar que algo mudou. Mas, para a esquerda e para os marginalizados, as coisas mudaram bastante. A polícia e os militares foram soltos da coleira. Durante nossos cinco dias no país, soldados deram 80 tiros em um carro com uma família dentro, sem avisos, assassinando um músico negro. Eles alegaram que foi um caso de confusão na identificação. Um ano atrás, Marielle Franco, uma vereadora negra e lésbica, que era porta voz dos pobres nas favelas e contra a violência policial, foi assassinada junto com seu motorista. Dois homens acabaram de ser presos por este crime, depois de muito clamor público, mas sabemos que os reais mandantes do crime são associados à um sombrio grupo criminoso, com conexões com a elite, incluindo o novo presidente. De forma mais geral, grupos da sociedade civil estão sendo cada vez mais assediados e qualquer pessoa que nutra o ódio na sociedade se sente empoderada para espalhar suas visões intolerantes online e nas ruas.
O Brasil não está sozinho. O atual presidente das Filipinas, mencionado por Walden Bello na abertura da conferência, é Rodrigo Duterte. Duterte é responsável pelo assassinato de 20 mil usuários de drogas, vítimas da perversa guerra às drogas que por sua vez tem sido um dos temais centrais de sua presidência. Duterte comparou a guerras às drogas com a exterminação de judeus por Hitler. Ele se orgulha disso. Ele encorajou esquadrões da morte a tomar parte na matança, que não só inclui usuários de drogas, mas também crianças de rua e pobres marginalizados em geral. E ele é um agressivo oponente de organizações de direitos humanos que fazem qualquer crítica a essas políticas.
Também temos a Índia, governada por Narendra Modi, um nacionalista hindu, cujo período no governo já viu uma alta massiva de crimes de ódio, assassinatos, linchamentos, espancamentos coletivos e gangues de estupro, especialmente contra muçulmanos e grupos de baixa casta e, ao melhor estilo Trump, combinado com uma quantidade sem precedentes de interferência política em — e às custas de — instituições democráticas, do parlamento às cortes e até na mídia.
É claro, são apenas três países. As ideias trumpistas estão se espalhando de forma mais ampla, incluindo na Europa onde fascistas são uma parte importante do governo italiano e na Hungria, que é essencialmente governada por um fascista. Até mesmo na Grã-Bretanha, durante meu tempo no Brasil, uma pesquisa de opinião sugeriu que 54% da população concordava com a declaração “A Grã-Bretanha necessita de um governo forte disposto à quebrar as regras”. Apenas 23% discordaram. No Uruguai, uma sociedade estável, progressiva, sem nenhum histórico recente de atividade de extrema-direita, o chefe das Forças Armadas, recentemente, deu um passo inconstitucional para criticar o Judiciário pelas investigações de abusos de direitos humanos. Após ser dispensado pelo presidente, ele se tornou uma estrela populista em ascensão, que os ativistas temem disputar a eleição presidencial neste ano.
Todas estas situações possuem importantes diferenças. Pela natureza dos “homens-fortes”, há uma dose pesada de excentricidade individual, às vezes beirando doenças mentais, nos líderes ascendentes. Mas há convergências suficientes para começar a esboçar lições desta situação que nos confronta.
Os líderes e movimentos trumpistas sempre tendem a demonizar certos grupos vulneráveis na sociedade: migrantes, classes inferiores (rotuladas como “criminosos” ou “drogados”), muçulmanos ou grupos de baixa casta, mulheres, transsexuais, homossexuais. Isso se provou ser um meio vital na construção da popularidade desfrutada por estes líderes. A base popular dos trumpistas é bem masculina e alimenta uma sensação de que os homens brancos (ou hindus, ou latinos) perderam espaço para grupos mais marginalizados, que eles não podem mais falar o que quiserem sem serem confrontados. Ainda que este confrontamento venha de grupos que tradicionalmente nunca tiveram voz, e finalmente podem se expressar de alguma forma, ele foi equacionado com sucesso para um projeto elitista liberal do “politicamente correto”. O fascismo sempre apela para aqueles que tem algum poder a perder – mesmo que pequeno. E, é claro, geralmente há alguém mais ferrado que você, e se alguém lhe diz para “tomar cuidado com eles, eles estão atrás de um pedaço do que você tem” – sejam migrantes, ou mulheres, ou muçulmanos ou quem quer que seja – pode ser bem efetivo.
Nesse sentido, figuras intrinsecamente ligadas ao establishment (Trump, o bilionário; Bolsonaro e Modi, os políticos da elite; Jacob Rees-Mogg e Nigel Farage, financistas da classe alta) tem conseguido se retratar como anti-establishment. Após derrotar os sindicatos e capitular os sociais democratas para as forças do livre mercado, estes políticos da elite se retrataram, com sucesso, como a voz da ordinária e esquecida maioria, canalizando uma raiva, muitas vezes legítima, a uma elite que passou os últimos 40 anos se enriquecendo às custas de todo os outros.
Também explica o aspecto mais assustador destes homens-fortes – sua popularidade. Nenhuma destas pessoas chegou ao poder com um golpe. Elas foram democraticamente eleitas. Elas possuem um apoio bem significativo da classe média e de porções da classe trabalhadora que, na verdade, irão perder economicamente por conta das políticas econômicas adotadas. O mortífero Duterte tem uma taxa de aprovação pairando em cerca de 80%. A Modi deve ganhar a próxima eleição indiana. Trump e Bolsonaro, mesmo que não tão populares no cenário atual, podem facilmente ganhar um segundo mandato.
É assim que eles saíram impunes de seus ataques sem precedentes às instituições da democracia liberal em todos os setores, o desmantelamento destes sistemas que, embora fosse imperfeitos, pelo menos nos permitiam espaços para nos organizar por nossos direitos e por mudança. Como fascistas tradicionais, trumpistas estão determinados a subverter qualquer forma de pluralismo ou de democracia que possa contrariar seu poder ou permitir que uma resistência se construa e triunfe. Eles estão tentando remodelar nossa política como um todo, em direção ao que represente seu poder e seus programas, e irão desfrutar de uma longevidade para além de seus mandatos.
O que são estes programas? Em seu núcleo, está deixar o capitalismo fora da (comprida) coleira. Muitos destes líderes são negacionistas das mudanças climáticas. Trump se retirou do principal acordo internacional climático e Bolsonaro deve fazer o mesmo, independentemente dos termos extremamente fracos deste tratado. Trump começou a abrir todos os mares estrangeiros à exploração de gás e petróleo, para expandir massivamente o potencial do fracking [fraturamento hidráulico] e abrir totalmente o mercado dos EUA aos canadenses. Bolsonaro prometeu remover proteções da Amazônia e abri-la, sem limites, para a mineração. Modi está a beira de despejar mais de um milhão de indígenas de terras que as corporações extrativas estão desesperadas para explorar. Os indígenas, em todo o mundo, são um grande alvo destes homens-fortes, pois mesmo que possam estar assentados nas piores terras do mundo — para onde são empurrados — o capitalismo está tão desesperado que agora precisa daqueles recursos também. E os indígenas estão “no caminho”.
A visão do capitalismo é muito mais autoritária e nacionalista do que vimos nos últimos quatro anos, mas os grandes negócios e a grande financeirização ainda estão no núcleo de seu modelo. Trump deu uma das maiores isenções tributárias às corporações norte-americanas em toda história. Ele está arrebentando a leve regulamentação financeira de Obama. Bolsonaro indicou um ministro da economia adepto de um livre mercado radical, que baseia suas políticas no primeiro — e mais brutal e autoritário — líder neoliberal, o General Pinochet do Chile, e declara que “estamos criando uma sociedade aberta popperiana”, do ideólogo do livre mercado Karl Popper. Duterte e Modi também estão envolvidos em uma radical desregulamentação de investimentos financeiros e em privatizações.
Então o programa, em seu núcleo, é sobre eliminar os limites que estão sendo colocados ao capital pelas mudanças climáticas e pela oposição pública. Mas a desculpa de que o Estado-nação não é importante para o capitalismo foi varrida. Parcialmente, porque o Estado será necessário para lidar com a crescente indignação que resultará destas políticas. Está claro que essas políticas, por exemplo, irão alimentar migração em todo o globo. Não é de se admirar que construir muros mais altos e impor regras mais duras para migração são parte deste programa. Uma abordagem, cada vez mais autoritária, daqueles que oferecem resistência também será necessária quando a situação explodir, o que explica o foco em solapar espaços para oposição e o desmantelamento das instituições democráticas liberais.
É claro, o problema com estes homens-fortes é que eles são difíceis de controlar, difíceis até de prever. Não há manual. Duterte diz que se importa com o meio ambiente e até mesmo se autointitula um socialista. Trump supostamente goza de relações mais produtivas com alguns sindicatos do que os Democratas conseguiram em muito tempo. Modi apoiou uma série de reformas econômicas ao se deparar com certa resistência. Mas isso é muito imprevisível e a habilidade de rasgar o livro de regras da política torna estes líderes tão necessários nesse tempo.
Um pouco disso também estará em contradição com os valores de líderes corporativos individuais. Jeff Bezos, dona da Amazon, não aprecia a retórica incendiária anti-imigração de Trump. Eu acredito nele. Estou certo que muitos diretores de indústria não gostavam de aspectos da retórica de Hitler ou Mussolini. Mas a questão não é que estes são os regimes em que capitalistas individuais gostariam idealmente de viver. É que há uma necessidade estrutural dessas políticas e o Vale do Silício precisa mais do que a maioria. Pois a revolução em tecnologia e comunicações que está acontecendo ameaça a automação, o que pode eliminar milhões de trabalhos ordinários, dizimar pequenos negócios, permitir a conclusão da aquisição corporativa do setor agricultor e aumentar massivamente a vigilância a que estamos submetidos todos os dias.
Há soluções democráticas para isso – socialização generalizada destas tecnologias. Mas isso significa que Jeff Bezos e Mark Zuckerberg perdem o controle de seus impérios. Eles não estarão muito interessados nesta solução. E a alternativa é que as coisas irão de fato se complicar. Se eles pensam que estão sob escrutínio agora, eles ainda não viram nada. Eles irão descobrir que precisam do capitalismo autoritário mais do que qualquer um, gostem disso ou não.
Nos anos 1930, grandes industriais e financistas descobriram o fascismo era mais palatável do que o comunismo. Atualmente, eles o acham mais palatável até do que formas moderadas de social-democracia – prova disso é horror gerado por Lula no Brasil e que, agora, é despertado por Corbyn na Grã-Bretanha. Essa é a extensão da crise que a elite atual observa.
Trump é a peça-chave do plano B do capitalismo. Sua eleição legitimou as novas formas políticas de homens-fortes. Ainda que outros tenham o precedido, ele torna estas políticas seguras por meio da normalização e do desmantelamento de instituições internacionais, que anteriormente poderiam ter tornado a vida difícil para estes homens-fortes. Trump também altera o discurso – centristas como Blair e Hillary Clinton clamaram por um reforço nas políticas anti-migração para “responder” aos trumpistas. Derrotá-lo ao se torná-lo. As redes de think tanks e dark money [interferência corporativa monetária na política] estão encorajadas. Elas irão espalhar o ódio ao direito ao redor de todo o mundo. Elas irão utilizar novas tecnologias para manipular o eleitorado em formas que não poderíamos ter imaginado dez anos atrás.
Como nós respondemos? Primeiro, não ceder um centímetro. Nós não devemos sacrificar os mais impactados e maiores opositores dos homens-fortes. Na verdade, precisamos empoderá-los. A camada da sociedade norte-americana com menor probabilidade de ter votado em Trump é formada pelos 20% de baixo, medida segundo níveis de riqueza na sociedade norte-americana. Aqueles realmente marginalizados não gostam de nada disso, e com boas razões. Ajudá-los a se organizar e tomar posições de liderança em nosso movimento é essencial. E confrontar de forma visível Trump e sua laia nas ruas – por exemplo quando vier para a Grã-Bretanha em 4 de junho ou mais a frente no ano na reunião de cúpula da OTAN – é uma parte vital deste confrontamento. É simplesmente mentira dizer que Trump merece uma visita oficial porque ele é o presidente dos EUA. Esta é uma honra incomum que simplesmente legitima seu programa e seu discurso de ódio.
Isso não significa que devemos depreciar aqueles na classe trabalhadora que não são ultra racistas, mas que foram atraídos pela retórica estilo Trump, pois o sistema econômico falhou claramente com eles. Sem suavizar nossa defesa de migrantes, nossa oposição aos anti-aborto e por aí vai, nós temos que admitir que estas mensagens sozinhas não irão alcançar a todos. Elas só irão funcionar como parte de uma plataforma radical de reestruturação econômica – colocar o poder nas mãos de pessoas comuns por meio da socialização das coisas que precisamos – moradia, saúde, educação, energia, comunicações. Precisamos mostrar claramente que nós estamos ao lado daqueles que nada tem, não da elite. Muitos já estão envolvidos em disputas locais para tomar de volta o controle da moradia e energia e para se opor a desenvolvimentos que visam o lucro e não as pessoas. É por meio destas lutas concretas que podemos ganhar a argumentação sobre migração.
Nossos lamentos do Brexit são replicados em muitos outros países ao redor do mundo, enquanto a esquerda luta para responder a direita autoritária. Nas Filipinas, alguns comunistas até chegaram à administração de Duterte; na Tailândia, alguns esquerdistas apoiaram o golpe militar; nos EUA há uma sensação de que alguns mais tradicionais da extrema-esquerda eram muito suaves frente aos perigos de Trump. Isso criou muitas divisões e quebrou a confiança no pior momento. Nós devemos encontrar um caminho para além disso. É certo que uma pequena minoria (por exemplo, qualquer um que defendeu o Partido Brexit nas eleições europeias) é inadmissível. Exceto por eles, nós devemos tentar encontrar um terreno em comum, provavelmente baseado mais em valores do que em políticas específicas.
Reinventar o internacionalismo é chave para o nosso projeto também. Há 20 anos eu fui parte do movimento “anti-globalização”, o maior movimento internacional que o mundo já viu, que também era de base e conseguiu algumas vitórias incríveis. Atualmente, enquanto a extrema-direita desenvolveu assustadoramente impressionantes redes internacionais, a esquerda nunca foi tão insular. Vamos aprender com a história. Ao passo que a Primeira Guerra Mundial se aproximava, a Internacional socialista se partiu em diferentes grupos nacionais e atrasou suas próprias máquinas de guerra nacionais. Os horrores desencadeados foram sem precedentes. É claro que não devemos dispensar a importância vital das lutas domésticas. Mas devemos encontrar meios de internacionalizar nossas lutas, pois nunca precisamos tanto de solidariedade internacional. Não é um luxo. O poder do Estado nação irá nos levar somente até um ponto. Deparados com as mudanças climáticas, poder corporativo transnacional e uma extrema direita bem articulada, não podemos ganhar a Grã-Bretanha sozinhos. Na verdade, os experimentos com democracia local – de Porto Alegre à Barcelona e até Preston – podem ser a maneira perfeita de fazer pressão e dar poder às pessoas sem cair nos Estados nação imperialistas como resposta. Uma forma do que podemos chamar de internacionalismo local.
Não será fácil. As mudanças climáticas e mesmo a enorme escala de degradação ambiental significa que devemos repensar nossa visão linear de história e “progresso”. Nós não sabemos como será o amanhã, mas terá que ser bem diferente e temos que aceitar isso. Mesmo o nosso “inimigo” não é tão claro quanto no passado; a razão para a qual parte da direita foi capaz de “comer nosso almoço” e parecer mais radical que a esquerda.
Precisamos transmitir esperança e isso pode ser um desafio a esse ponto da história. Mas tentemos manter a mente aberta. Novamente, para um nível em que a nova direita fez isso melhor que a esquerda, abandonar a ideologia neoliberal quando ela falhou em servir seus valores (de fato, os únicos neoliberais remanescentes são aqueles no centro, que para começar, jamais deveriam ter absorvido esse dogma).
Nós podemos encontrar esperança no colapso do dogma “o mercado sabe melhor”, com o progresso agora sendo feito no entendimento público das mudanças climáticas, na indignação sentida por tantos no poder das gigantes de tecnologia, na inabilidade das lideranças mundiais em completar grandes acordos comerciais como o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento. Nós precisamos ter confiança em nossa causa, nossas ideias, nosso programa e não sermos tirados do trilho por estes homens-fortes. Nós não podemos resolver todos os problemas dos últimos 200 anos. A tentativa iria nos sobrecarregar e nos paralisar. Mas nós podemos e devemos começar algo. Como eu aprendi no Brasil, o que estamos sentindo também está sendo sentido por todos ativistas como nós ao redor de todo o mundo. Vamos aprender, compartilhar, tentar extrair energia uns dos outros.
O trumpismo é ainda um crescente fenômeno global. Ele pode ser interrompido, mas somente com um programa radical que, por sua vez, é local e global. Não será fácil. Mas certamente é possível. Se não nós, então quem, se não agora, e quando?
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Como derrotar a “direita Trump-Bolsonaro” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU