31 Janeiro 2018
Se Donald Trump se entediar com o voo de volta do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, ele poderá folhear as páginas do livro que um delegado lhe deu logo após a sua chegada: “God and Donald Trump” (Deus e Donald Trump).
A reportagem é de Amy Sullivan, autora de “The Party Faithful” e uma das apresentadoras do podcast Impolite Company, publicada por Politico, 27-01-2018. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O volume, escrito por Stephen Strang – destacado líder pentecostal e editor da revista Charisma –, é de fácil leitura: em parte, uma hagiografia espiritual, em parte um boletim da Fox News e em parte uma profecia. Em última análise, o livro fala muito menos de Trump e muito mais dos pentecostais carismáticos que foram um dos seus primeiros apoiadores religiosos e os quais, hoje, veem a sua eleição como a realização da vontade de Deus.
O gênero hagiografia espiritual floresceu durante a presidência de George W. Bush, político que foi o tema de quatro livros sobre religião e um documentário (“George W. Bush: Faith in the White House”) já no período de seu primeiro governo. Em Bush, os autores tinham algo com que poderiam lidar: ele possuía uma experiência de “nascer de novo” bem documentada, fora um frequentador regular de sua igreja no Texas e falava sobre Deus e Jesus de um modo que soava natural.
Mesmo assim, escritores como David Aikman muitas vezes recorreram à intuição para falar da religiosidade de Bush e apresentavam como evidências do seu profundo compromisso espiritual o gosto pela alimentação saudável, os exercícios físicos (a Bíblia não manda os fiéis tratarem o corpo como um tempo de Deus?) e o comportamento da sua equipe na Casa Branca.
Mas se Aikman e outros tiveram de lançar mão da imaginação para escrever um livro sobre Bush e a religião, o que eles tinham em mente era praticamente um São Francisco de Assis comparado com o atual ocupante do Salão Oval.
Strang, que se sentou brevemente com Trump durante a campanha presidencial, mas não o entrevistou para o livro, passa inteligentemente pouco tempo tentando divinizar as opiniões e os compromissos religiosos pessoais do presidente, embora dedique um capítulo para sustentar que os filhos de Trump são um “reflexo de seus valores nucleares”, enquanto os seus três casamentos e múltiplos casos conjugais são um reflexo de menor importância. Em vez disso, Strang tenta explicar o fervor evangélico por Trump e abre uma janela para dentro do mundo dos carismáticos, subconjunto de cristãos evangélicos que acreditam que Deus ainda fala às pessoas através de profecias e ainda se envolve ativamente no arranjo dos assuntos humanos.
Desde o começo da candidatura presidencial de Trump, os seus maiores apoiadores religiosos – na verdade, por certo tempo os seus únicos apoiadores religiosos – foram os cristãos carismáticos como a pastora Paula White e o pastor Darrell Scott. Eles gostaram de Trump, e Trump gostou deles, por causa da adoção do evangelho da prosperidade.
Por vezes também chamada de a teologia “da saúde e da riqueza”, esta crença defende que Deus recompensa a fé com saúde o sucesso financeiro. Nesse sentido, um bilionário como Donald Trump, independentemente se sua fortuna veio de família, de golpes ou de um poder superior, só pode ser um homem extremamente fiel.
Outros conservadores religiosos, diz Strang, apoiaram Trump em 2016 por motivos conhecidos por aqueles que assistem a Fox News: o medo do globalismo, o Estado profundo, George Soros (ex-colaborador nazista), fraude eleitoral em larga escala. Eles gostaram de Trump porque o candidato dizia que gostava deles, disse que estas pessoas estavam sendo perseguidas e prometeu defendê-las. Disse que traria de volta o “Feliz Natal”. Disse-lhes que eram figuras importantes.
Mas houve outros motivos – mais religiosos – também. Strang traz uma série de carismáticos que tiveram visões – ou que hoje alegam terem tido visões – de que Trump ganharia um dia a Casa Branca. Um católico chamado Thomas Zimmer, que passou grande parte de sua vida na Itália, chegou a afirmar que tinha recebido uma profecia na década de 1980, segundo a qual Trump “conduziria a América novamente à religião”. O livro é repleto de testemunhos de líderes cristãos que ficaram surpresos ao se verem apoiando Trump em 2016, os quais afirmam que ele era o último da lista de candidatos até ganhar as prévias do partido.
Realmente, enquanto alguns cristãos conservadores falam da derrota de Hillary Clinton para Trump como obra de Deus, parece que a intercessão divina real esteve fazendo uma limpeza dentro do Partido Republicano em nome do candidato vencedor. A pressuposição para cada uma das figuras religiosas que Strang cita – desde Franklin Graham a Robert Jeffress, passando por Kenneth Copeland – é que Deus somente desejaria um presidente republicano e, portanto, se Trump vencesse as prévias do partido, logo ele deveria ser a escolha de Deus. E quanto mais improvável for a eleição, maior seria a prova da intenção divina.
“Milhões de americanos”, declarou Jeffress num evento em 2017 organizado pela Primeira Igreja Batista de Dallas, em Washington, DC, “acreditam que a eleição de Donald Trump representou Deus nos dando uma outra chance – talvez a nossa última chance para verdadeiramente fazer a América grande de novo”.
Assim que ficou claro para a comunidade de carismáticos conservadores que Trump era o candidato de Deus, eles se mobilizaram para apoiar a campanha. É aqui que o livro de Strang tem a sua maior utilidade, revelando a devoção e a certeza de um grupo religioso que passou a maior parte do tempo sem ser notado ao longo de toda a corrida presidencial. Cindy Jacobs, um dos fundadores da Reformation Prayer Network, organizou 10 mil carismáticos para uma “caminhada orante” a sete estados importantes para Trump, pedindo que Deus tocasse os corações dos eleitores aí e que abençoasse os seus trabalhos.
Uma outra rede chamada As One conduziu caminhadas orantes de 40 dias – 40 dias é um período de tempo significativo na Bíblia – e lançou as suas iniciativas como parte de uma batalha espiritual contra as forças do mal vistas na esquerda secular e na candidatura de Hillary Clinton. Lou Engle, destacada figura dentro do movimento de reavivamento na Califórnia, propôs que os seus apoiadores se envolvessem naquilo que chamou de o “Jejum de Ester”, o que contou com três dias sem alimentos ou água, a fim de suplicar a Deus por misericórdia e vitória.
A certa altura do livro, fica evidente a ginástica teológica recente de Tony Perkins e Jerry Falwell Jr., entre outros, para explicar o apoio cristão conservador em curso a um presidente que (supostamente) pagou uma estrela pornográfica semanas antes do dia da eleição de forma que ela ficasse em silêncio sobre o caso que teriam tido. Em momento algum se verão os apoiadores evangélicos e carismáticos mais leais dizer um basta. Pois fazer isto seria admitir que estiveram em erro, que Deus não estava por trás da eleição de Trump e que o Espírito Santo teria se comportado de uma maneira estranha. Seria admitir que, afinal de contas, tudo isso não passou de um sentimento tão temporal e banal quanto o ódio deles pela rival democrata do então candidato.
Strang esteve em Nova York na festa da vitória de Trump, em 8 de novembro de 2016, e, ao descrever a euforia daquele dia, dá mostras suficientes para validar esta conclusão. “Era como se Deus tivesse respondido às nossas orações e como se o impossível tivesse acontecido”, escreve. “Tínhamos um novo presidente, alguém que acreditamos ter sido Deus quem o fez surgir num tempo como este que vivemos”.
“E, quiçá o melhor disso tudo”, continuou o autor, “cada um de nós agradecemos a Deus à nossa própria maneira pelo fato de que Hillary Clinton não iria ser o próximo comandante em chefe”.
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Milhões de americanos acreditam que Deus foi quem elegeu Donald Trump. Um livro surpreendentemente fascinante explica o porquê - Instituto Humanitas Unisinos - IHU