09 Agosto 2017
Os conselheiros evangélicos de Donald Trump escreveram diretamente ao Papa. Eles pedem uma audiência em Santa Marta a fim de esclarecer o conteúdo do artigo de Civiltà Cattolica do mês passado sobre os fundamentalismos americanos e tentar restabelecer com Francesco possíveis campos de trabalho conjunto entre protestantes e católicos. Uma iniciativa que parece ir além da defesa de "seu" presidente. Lembra mais a forma como, em determinados círculos, foi lido o ensaio de Antonio Spadaro e Marcelo Figueroa: um inesperado golpe (ou sua atualização) contra o diálogo ecumênico entre católicos e evangélicos. Justamente aquela galáxia de igrejas que o Papa Francisco olha com atenção especial, com a qual mantém relações de amizade e com a qual manteve encontros em várias ocasiões.
O comentário é de Andrea Mainardi, publicado por Formiche, 08-08-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
A carta divulgada ontem pelo Time foi levada em 3 de agosto para a Arquidiocese de Washington e a outros intermediários para ser entregue a Bergoglio. Em nome de vários evangelicals, é assinada por Johnnie Moore, conselheiro religioso de Trump e membro da National Association of Evangelicals que representa cerca de quarenta denominações evangélicas e 45 mil igrejas dos Estados Unidos. "Ao invés de nos sentirmos ofendidos, optamos por tentar fazer as pazes. Estamos dispostos a pegar um avião amanhã para tentar criar um espaço de diálogo em vez de conflito", explica Moore. Na carta tecem-se elogios ao empenho de Bergoglio "para os pobres, os esforços para construir pontes e difundir a doutrina da misericórdia". No entanto, ele escreve, "num momento em que os cristãos são perseguidos como talvez nunca antes na história, estamos assistindo a uma operação que divide católicos e evangélicos". Para isso, ele pede um encontro, "para encontrar formas para que possamos cooperar em questões de grande preocupação para todos".
Em seu artigo, Spadaro e Figueroa tratavam de forma dura "um surpreendente ecumenismo entre fundamentalistas evangélicos e católicos integralistas, que compartilham o mesmo desejo de influência religiosa direta sobre a dimensão política". Um "ecumenismo do ódio" e do conflito, xenófobo e islamofóbico. Moore declara-se surpreso. Ele quase duvida de que o Papa compartilhe a opinião de alguns de seus colaboradores mais próximos. Em vez disso, explica ao Washington Post, imagina que no Vaticano exista "uma falha de compreensão e comunicação", e espera que o empenho do Papa para construir pontes se estenda até mesmo para aqueles que "na Igreja Católica e, em geral, entre os cristãos, não compartilham esta visão". No Twitter, Moore definiu o artigo de "incendiário". Então, parafraseando São Paulo: "Mas tu, por que julgas teu irmão? Por que desprezas teu irmão?".
“Why do you pass judgment on your brother? Or you, why do you despise your brother?"
— Johnnie Moore ن (@JohnnieM) 7 de agosto de 2017
Romans 14:10
O ex-vice-presidente da Liberty University, Moore, agora atua como porta-voz de alguns evangélicos que dialogam informalmente com Trump e representam um grupo religioso muito ativo entre os escritórios da West Wing desde janeiro. Entre eles, a telepregadora da Florida, Paula White. Com seu impecável cabelo loiro platinado, da Igreja Pentecostal de Orlando e das telas de TV, a pastora profere sermões e invoca orações de intercessão a quem quer que as peça. Incluindo o presidente. É considerada a verdadeira guia espiritual de Trump, que a conhecia desde 2002, e sua mentora nas passagens do evangelho da prosperidade. Em suma: é o exemplo perfeito da descrição de Spadaro de quem anuncia que "Deus quer que os crentes sejam fisicamente saudáveis, materialmente ricos e pessoalmente felizes". Enquanto, ao contrário, utilizam valores pro-life ou anti casamento homossexual como instrumentos de mobilização política.
Do inner circle religioso também faz parte o ex-astro do basquete Ralph Drollinger, líder dos Capitol Ministries, grupo evangelical que oferece estudos bíblicos aos líderes políticos. Inclusive dentro da Casa Branca. Ele já havia tentado na Califórnia, mas o republicano e católico Arnold Schwarzenegger o colocou para fora dos escritórios da governadoria. Ele definiu o catolicismo como "a religião mais falsa do mundo". Em compensação compara Trump a Sansão.
Claramente satisfeito com o debate suscitado, não passa um dia sem que o padre Spadaro repasse trechos de seu artigo, retuitando os links aos comentários e análises que desde 13 julho, data de publicação do ensaio, somam-se às dezenas. Após as reações políticas pelo ataque às escolhas do governo Trump, a disputa está se movendo para um terreno ecumênico que poderia criar algum desconforto para Francisco. Claro, um dos autores do texto de Civiltà Cattolica, Figueroa, é por sua vez evangélico, pastor presbiteriano e amigo de longa data de Bergoglio que, pessoalmente, o indicou como diretor da edição argentina do L'Osservatore Romano. Há tempo Bergoglio mantém contatos com grupos evangélicos. Como Arcebispo de Buenos Aires e como Papa. Amigo de Francisco é Giovanni Traettino, pastor pentecostal de Caserta, que o Papa quis encontrara pessoalmente em uma visita particular em 2014. Traettino é considerado um pioneiro do diálogo entre os carismáticos protestantes e os carismáticos católicos. Duas correntes do fenômeno pentecostal que está experimentando um crescimento fenomenal: já atinge a casa dos milhões. Francisco olha para ambos com extremo cuidado. Nunca falta a um encontro da ‘Renovação do Espírito’, o grupo carismático católico mais difundido na Itália. Repetidamente recebe representantes evangélicos, incluindo os telepregadores norte-americanos defensores do evangelho da prosperidade. De acordo com o relatado de Brian C. Stiller, da World Evangelical Alliance, depois de um almoço em Santa Marta, Francisco teria dito a eles não estar interessado em "converte-los ao catolicismo" e que "se em muitos pontos da doutrina não concordamos, basta-nos apenas mostrar o amor de Jesus".
A atenção de Francisco com o mundo evangélico e pentecostal, em especial, está, portanto, em contradição com a análise da Civiltà Cattolica? Realmente não. Pelo contrário, o ensaio parece mais uma despedida de uma fase da Igreja, a de João Paulo II e Bento XVI, quando, como observava há dois anos Massimo Introvigne, o encontro entre católicos e evangélicos ocorria no campo da defesa da liberdade religiosa, da vida e da família. A marca dessa forma de encontro inicia em 1994, com a declaração conjunta Evangélicos e católicos juntos. Foi assinada por líderes de primeira magnitude. Para os católicos, entre outros, os cardeais Francis George, John O'Connor e Francis Stafford. No texto, resposta preventiva à análise de Spadaro e Figueroa sobre o perigo de uma tentação teocrática de sujeitar o estado à Bíblia, afirmava-se "com força a separação entre Igreja e Estado", insistindo, no entanto, no princípio de que a fé dos cidadãos não deve ser excluída da vida pública e política.
Os principais pontos de interesse no momento passam dos temas da defesa da vida e da família tradicional (que poderiam ser pontos em comum entre Trump e Bergoglio), para a imigração e o cuidado com o meio ambiente. E, neste âmbito, as diferenças entre a Casa Branca e o Vaticano são evidentes. Como a desconfiança em relação àqueles grupos que "consideram os Estados Unidos um país abençoado por Deus."
Assim, enquanto o protestante Al Gore, ex-vice-presidente nos tempos de Bill Clinton, declara na CNN que também poderia se converter ao catolicismo por causa do testemunho do Papa Francisco, principalmente no âmbito da preocupação ambiental, o vice-presidente dos bispos norte-americanos, tuitando, solta o verbo. O arcebispo de Los Angeles, José H. Gomez, de origem mexicana, é oriundo da Opus Dei e é um conservador. Alinhado no que diz respeito à imigração com o Papa reinante, em uma sequência nada casual de tuitadas, em 2 de agosto último, parece replicar, sem citá-los, aos dois conselheiros de Francisco."É claro que a nossa identidade nacional deve ser moldada pelos valores do Evangelho", concede na abertura de sua manifestação. Depois, vai subindo de tom: "A promessa da América, o que ainda distingue este país de todos os outros, é o nosso compromisso para promover a dignidade humana e liberdade."
The promise of America — what still distinguishes this country from all the rest — is our commitment to promoting human dignity and freedom.
— Abp. José H. Gomez (@ArchbishopGomez) 2 de agosto de 2017
Friends, there is no question that our institutions & national self-identity were meant to be shaped by the vision and values of the Gospel.
— Abp. José H. Gomez (@ArchbishopGomez) 2 de agosto de 2017
Os perigos, ataca, estão identificados "nas elites que querem eliminar a influência do cristianismo da nossa sociedade". Estes são tempos duros, analisa, e as nossas crenças estão "rotuladas como sendo de ódio e de intolerância pelo crime de acreditar no que Jesus ensinou".
Are we going to shape our times? Or will we allow our times to shape us?
— Abp. José H. Gomez (@ArchbishopGomez) 2 de agosto de 2017
These are hard times. But the saints remind us that all times in the Church are dangerous times.
— Abp. José H. Gomez (@ArchbishopGomez) 2 de agosto de 2017
Our beliefs are now labeled as hatred or intolerance. Our Church institutions face lawsuits — for the “crime” of believing what Jesus taught
— Abp. José H. Gomez (@ArchbishopGomez) 2 de agosto de 2017
We are facing an aggressive, organized agenda by elite groups who want to eliminate the influence of Christianity from our society.
— Abp. José H. Gomez (@ArchbishopGomez) 2 de agosto de 2017
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O que escrevem os conselheiros religiosos de Trump ao Papa Francisco (em Civiltà Cattolica e outros) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU