24 Agosto 2018
Às vésperas da visita do Papa à Irlanda e depois do devastador relatório sobre mais de trezentos sacerdotes pederastas nos Estados Unidos, são pedidas ao Papa Francisco ações concretas na cruzada contra os abusos na Igreja.
A informação é publicada por Religión Digital, 23-08-2018. A tradução é de Graziela Wolfart.
O Papa "deixou muito claro que uma das prioridades de seu pontificado é a luta contra os abusos por parte do clero", assegura à EFE o padre Hans Zollner, um dos membros mais ativos da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, criada por Francisco.
Zollner valoriza o grande trabalho do Papa nesta luta, mas indica que ainda há muito trabalho a fazer, sobretudo para que sejam seguidas as diretivas de Francisco.
"É preciso reforçar todo o trabalho de prevenção, as conferências episcopais e as dioceses têm que se esforçar neste âmbito. Precisamos responsabilizar os bispos para que não encubram os abusos", explica Zollner.
Segundo o sacerdote, há tempo já existe a obrigação de denunciar estes casos, assim como a partir da Congregação do clero se indica que no programa de formação dos novos sacerdotes deva ser incluída a proteção dos menores.
Também se indica que "seria atualmente importante uma revisão do Direito Canônico, já que até agora ele é muito vago no que se refere à definição deste tipo de crimes e suas correspondentes penas, fato pelo qual se deixa, em muitas ocasiões, a critério do Tribunal".
Zollner assegura que "a Igreja está se movimentando, mas é como um grande navio: para se virar, necessita muito esforço. No entanto, uma vez feito, irá até o porto certo".
O presidente da Comissão de Proteção de menores, cardeal e arcebispo de Boston, Sean Patrick O'Malley, também desejou "procedimentos mais claros para os casos que envolvem os bispos", assim como "tomar medidas rápidas e decisivas a respeito destes assuntos de extrema importância".
"Devemos proceder rapidamente e com um propósito. Não há tempo a perder", afirmou, em uma recente carta, depois da publicação do relatório dos abusos na Pensilvânia (EUA).
Para o jornalista Andrea Tornielli, autor de livros com o papa Francisco e coordenador da página Vatican Insider do jornal La Stampa, o problema é "a mentalidade".
"Há anos, a Igreja tem normas precisas e quase de emergência, que permitem atuar rapidamente, evitando que o suposto culpado entre em contato com as possíveis vítimas, como a perda do estado clerical por via administrativa, sem um processo. O problema é a mentalidade", explica à EFE.
É preciso recordar que nos últimos meses, Francisco obrigou o arcebispo de Adelaide, Philip Wilson, a renunciar, condenado em maio por não informar à polícia dos repetidos abusos cometidos por um sacerdote.
E tão pouco tremeu a mão na hora de expulsar do colégio cardinalício o arcebispo emérito de Washington, Theodore McCarrick, e limitar sua ação até que se esclareça em um tribunal canônico as acusações de abuso sexual contra ele.
Mas o jornalista acrescenta que "se não mudar a mentalidade do clericalismo, se não entenderem que não se deve se ocultar ou encobrir, as normas ou leis não bastam".
No que se refere à responsabilidade dos bispos, Tornielli assegura que neste sentido "é evidente que aqui é preciso dar passos mais concretos".
Por isso, opina que, como fez no Chile, ainda que os casos sejam de muitos anos atrás, o pontíficie "terá que fazer alguma coisa" também nos Estados Unidos.
Antes que o papa chegue nos próximos dias 25 e 26 na Irlanda, um país onde membros da Igreja cometeram e encobriram abusos a menores durante décadas, o arcebispo de Dublin, Diarmuid Martin, também destacou que "não é suficiente dizer sinto muito" e disse que "as estruturas que permitiram ou facilitaram o abuso devem ser destruídas e destruídas para sempre".
O papa toma nota e, segundo a página especializada em informação do Vaticano Il Sismógrafo, depois de sua viagem à Irlanda irá preparar um documento para os bispos de todo o mundo com indicações normativas.
Enquanto isso, a irlandesa Marie Collins, vítima de abusos por parte de um padre e que abandonou a Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores, explicou à EFE que quer que Francisco anuncie "real tolerância zero" contra estes crimes.
À espera da visita do papa à Irlanda, onde as feridas dos abusos por parte do clero naquele país ainda não se fecharam e depois do devastador relatório publicado sobre os padres pederastas nas dioceses da Pensilvânia (EUA), Collins voltou a se mostrar crítica com a resposta da Igreja e do papa.
Com relação à carta aos católicos que o pontífice escreveu esta semana sobre os abusos, Collins afirma que foi positivo que Francisco se referisse aos abusos como "crimes".
"Fiquei feliz por ele se referir ao abuso como 'crime' e não utilizar os eufemismos que eram usados no passado. Abusar sexualmente de uma criança é um crime!", destacou Collins, de Dublin, onde se encontra para participar de um seminário no âmbito do Encontro Mundial das Famílias, onde estará o Papa.
Acrescentou que "na carta (o papa) se referiu em várias ocasiões ao 'encobrimento' destes crimes e esse é um passo à frente já que isso não foi feito no passado. Sabemos que tem acontecido um encobrimento sistêmico dos abusos por parte da Igreja e agora o papa admite isso".
Em 2014, Francisco a escolheu como vítima e ativista para integrar a Comissão de Proteção de Menores, mas Collins abandonou o cargo em março de 2017, diante "da frustração pela falta de cooperação dos outros departamentos da Cúria romana".
No entanto, Collins se sentiu decepcionada pelo conteúdo da carta do papa quando "se continua falando em responsabilizar os autores e a quem os protegem, mas não diz como o fará".
"Ainda não se estabeleceu uma política para deter isto e passaram décadas desde as primeiras revelações destes horrores", denunciou.
Collins salienta que o papa tem que passar da palavra aos fatos quando afirma: "Gostaria de ver o Papa anunciar 'real tolerância zero'; com isso quero dizer que qualquer religioso que abuse de uma criança deve ser expulso imediatamente da Igreja".
"E que qualquer líder da Igreja que proteja um abusador seja expulso de seu posto, perca seus títulos e privilégios e, no pior dos casos, também seja expulso da Igreja", acrescenta.
Para Collins, é óbvio que o papa, como já fez em várias ocasiões, "precisa se desculpar por todo o dano causado às crianças e aos demais, em nome daqueles que estão na Igreja e de quem os encobriu".
"Mas deve anunciar que ações irá tomar", assegurou, porque "pedir perdão não é o suficiente", acrescentou.
"Ele tem que assumir a responsabilidade de como o próprio Vaticano protege os abusadores, por exemplo, se aconselha aos bispos que não devem informar à Polícia, já que isso vai de encontro ao Direito Canônico, mas, além disso, tem que dizer o que vai fazer para evitar que volte a acontecer", destaca, em alusão ao segredo de confissão.
Sobre as medidas que Francisco tomou no Chile depois do caso do bispo Juan Barros, acusado de encobrir um sacerdote pederasta, com a destituição de vários bispos, Collins realça que o papa não pode se limitar a casos concretos.
Por isso assinala que "necessita instituir medidas de proteção e disciplina para todos os bispos e líderes religiosos em todos os países do mundo. Não só nos Estados onde houve investigações".
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Papa toma nota das críticas e já prepara medidas definitivas para enterrar a crise de abusos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU