Por: João Vitor Santos | 23 Agosto 2017
Os povos indígenas e quilombolas comemoraram a decisão do Supremo Tribunal Federal - STF, que, na semana passada, rejeitou as duas ações do governo de Mato Grosso que exigiam indenizações da União por ela ter supostamente demarcado o Parque Indígena do Xingu e áreas dos índios Pareci e Nambikwara sobre áreas devolutas estaduais. Essa decisão também é comemorada porque freia a tese do chamado Marco Temporal, defendida por alguns ministros e juízes de instâncias inferiores. Segundo a tese, só pode ser considerada Terra Indígena a área ocupada pelos índios em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. O marco não leva em conta expulsões sofridas pelas comunidades indígenas e dificulta as demarcações. “Fazia muito tempo que os povos indígenas não tinham do Judiciário, ou não ouviam da boca dos ministros, ‘palavras doces’”, brinca o advogado e indígena Luiz Henrique Eloy.
Eloy conversou com a IHU On-Line por telefone e comentou a decisão, tida por muitos como histórica. Aliás, histórica, mas não definitiva. “Não é uma derrota do Marco Temporal, mas uma vitória importante diante da mobilização que os povos indígenas fizeram em torno do próprio STF”, avalia. “O Judiciário deu uma sinalização muito clara aos ruralistas de que ali não vai, pelo menos nesse contexto, ter como a tese do Marco criar raiz. Acredito que, a partir dessa decisão, os ruralistas vão se rearticular e procurar novos caminhos”, completa.
Ao longo da entrevista, o advogado revela que esse é o período mais sombrio da relação dos poderes constitucionais. Diante de um Executivo que, há anos, coloca em primeiro plano o desenvolvimentismo em detrimento da preservação de modos de vida originais, e de um Legislativo entregue a representantes do agronegócio, Eloy diz que também é preciso não se iludir com essa decisão do STF. “Embora tenha dado essa sinalização, ainda há muito a ser feito. Nosso Judiciário é muito conservador e, na maioria das vezes, contrário aos povos indígenas”, pontua. E dispara: “até o próprio Ministério Público Federal, que é um órgão que tem por missão defender os povos indígenas, tem diferentes atuações e relacionamentos com os povos em diferentes campos do país, a depender da pessoa que está ali à frente”. Para ele, isso tudo é fruto de uma “sociedade extremamente racista”. “Podemos observar, a partir de comentários nas redes sociais e nas notícias, como as pessoas, sem nunca terem pisado numa aldeia, nunca terem conhecido a cultura indígena, se colocam contra esses direitos culturais”, lamenta.
Luiz Henrique Eloy | Foto: arquivo pessoal
Luiz Henrique Eloy é advogado indígena, pertencente ao Povo Terena. Atualmente é assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - Apib.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como avalia o resultado da sessão do Supremo Tribunal Federal - STF, em que, por oito votos a zero, ministros rejeitam ação do governo de Mato Grosso que negava ocupação de terras indígenas e pedia indenizações?
Luiz Henrique Eloy – A avaliação, num contexto geral e por conta da articulação dos povos indígenas, é positiva. Quando foi marcada essa sessão extraordinária, foram incluídas na pauta de julgamentos três ações: duas referentes ao estado de Mato Grosso e uma referente ao estado do Rio Grande do Sul, envolvendo os Kaingang. Havia, da nossa parte, uma expectativa maior quanto à ação do Rio Grande do Sul, porque ali, de fato, iria se enfrentar uma discussão aprofundada sobre a tese do Marco Temporal. Diante disso, lançamos, há cerca de 20 dias, uma campanha chamada “Nossa história não começa em 1988”, e começamos, em todo Brasil, mobilizações contra o Marco Temporal, evolvendo entidades indigenistas, o Movimento Quilombola, fazendo esse debate inclusive nas faculdades de Direito em diversos lugares do país. Também visitamos o gabinete de todos os ministros, levando nossa preocupação quanto ao Marco Temporal.
Essa ação do Rio Grande do Sul acabou sendo retirada de pauta e, de fato, o STF não enfrentou com profundidade essa tese do Marco Temporal. Mas acabou julgando duas ações referentes ao estado de Mato Grosso. Esse julgamento, de forma concreta, foi uma decisão favorável aos índios da terra indígena do Parque do Xingu. Com relação à repercussão nacional, nós podemos tirar algumas questões importantes.
Os ministros trouxeram em seus votos elementos que, de certa forma, sinalizam para a não aplicação do Marco Temporal e enfraquecem, pelo menos neste momento, essa tese. Cada ministro trouxe um aspecto importante. O próprio ministro relator, Marco Aurélio Mello, o primeiro a votar, resgatou outros marcos legais, porque as pessoas falam apenas da Constituição de 88. Ele acabou trazendo e reafirmando o que nós chamamos de teoria do indigenato, que é o reconhecimento desse direito originário. Citou cartas régias do período colonial, trouxe um alvará régio de 1608, dados positivos das Constituições de 1891, de 1934 e disse que em toda essa evolução legislativa a intuição sempre foi proteger esses territórios tranquilamente ocupados pelos povos indígenas.
O ministro Alexandre de Moraes, que a gente nem esperava que iria votar daquela forma, também afirmou que os argumentos do estado de Mato Grosso não deveriam ser procedentes porque terras indígenas não podem ser consideradas terras devolutas. Quis dizer que essa terra, em que se discute se é ou não dos índios, na verdade sempre foi dos índios, já que sempre estiveram ali. Havia o argumento de que ali não tinha ninguém e que por isso a terra poderia ser considerada terra devoluta. Mas a tese acabou sendo afastada por ele.
O ministro Edson Fachin trouxe algo que defendemos muito nos processos: a diferenciação entre posse indígena e a posse regulada pelo Direito Civil. Ou seja, essa posse que o índio tem, e é protegida pela Constituição Federal, não pode ser vista como a mesma posse regulada pelo Direito Civil, que é a posse que o particular tem com sua propriedade. Assim, o relacionamento com a terra é posto de uma forma totalmente diferente, olhado por outro viés.
E há muitas outras questões importantes. O ministro Luís Roberto Barroso, por exemplo, falou muito claramente que as condicionantes da Reserva Raposa Serra do Sol não são vinculantes. Isso foi uma coisa que também nos contemplou em relação à Advocacia Geral da União - AGU, que foi quem fez a sustentação oral em defesa do processo de demarcação. A fala da AGU pode ser dividida em dois momentos: o primeiro, em que faz uma defesa extremamente boa, do ponto de vista técnico, defendendo a legalidade dos processos demarcatórios, que asseguram as terras como direito originário dos índios. Entretanto, num segundo momento, fecha a sustentação informando aos ministros da corte que tomou a iniciativa de baixar um parecer vinculante. Assim, a AGU se curvou diante da jurisprudência daquela corte. Mas, depois, o ministro vem e fala que não, que na verdade não foi isso que o Supremo decidiu. Decidiu que as condicionantes se aplicam apenas no caso da Reserva Raposa Serra do Sol. Isso para nós foi importantíssimo.
Outra questão que ficou muito clara para nós foi o voto do ministro Ricardo Lewandowski, em que ele dá um recado claro aos ruralistas e aos próprios integrantes da CPI da Funai/Incra, afirmando que Antropologia é ciência, e não apenas literatura. Ele afirma também que o conteúdo do laudo antropológico é mérito administrativo. Isso, no Direito, tem uma repercussão muito forte, porque em todo ato administrativo, quando passível de controle judicial, o Judiciário pode analisar a forma, a procedência, o objeto, mas jamais pode entrar no mérito administrativo. Mérito administrativo compete única e exclusivamente ao Executivo. Nesse sentido, dá um recado muito claro de que o Poder Judiciário não pode entrar nessa questão, até porque não tem capacidade técnica, como operador do Direito, para discutir méritos com critérios antropológicos, porque é uma outra ciência. Isso é muito importante para nós.
Do ponto de vista geral, foi uma decisão positiva, com muitas lideranças comemorando, embora não seja uma decisão definitiva. Não é uma derrota do Marco Temporal, mas uma vitória importante diante da mobilização que os povos indígenas fizeram em torno do próprio STF. O Judiciário deu uma sinalização muito clara aos ruralistas de que ali não vai, pelo menos nesse contexto, ter como a tese do Marco criar raiz. Acredito que, a partir dessa decisão, os ruralistas vão se rearticular e procurar novos caminhos. Isso porque eles tentaram defender o Marco Temporal pela via Legislativa, mas como a PEC 215 não passou e outras coisas não passaram, então miraram o Judiciário. Só que agora o Judiciário deu essa decisão, que é bem importante para nós.
IHU On-Line – De que modo essa decisão pode servir de base para outras decisões em relação à demarcação de terras indígenas?
Luiz Henrique Eloy – Nós, enquanto defensores dos povos originais, vamos explorar muito as falas dos ministros. Acho, inclusive, que essa decisão vai repercutir em outros processos que a gente acompanha na primeira instância. Sabemos que principalmente em Mato Grosso do Sul, que é o estado onde atuo como advogado, temos vários processos tramitando em que os juízes já estão aplicando o Marco Temporal. Essa sinalização que o STF deu, que enfraquece esse argumento, com certeza vai nos permitir fazer uso de forma que reverbere e repercuta também nas outras instâncias do Judiciário.
IHU On-Line – A decisão do STF pode impactar no processo movido por fazendeiros contra o território indígena de Raposa Serra do Sol, em Roraima?
Luíz Henrique Eloy – O caso de Raposa é algo já resolvido, transitado em julgado. Não vejo, pelo menos na via judicial, de que forma essa decisão de ontem possa impactar. É um processo em que o STF já decidiu, inclusive todos os recursos que foram interpostos já foram julgados. Assim, não vejo algum impacto direto. Já temos a homologação, os índios já tomaram posse, está tudo resolvido.
IHU On-Line – E toda essa questão da Reserva Raposa Serra do Sol pode ter contribuído para essa última decisão do STF?
Luiz Henrique Eloy – De alguma forma, sim, pois quando o STF analisou o caso de Raposa Serra do Sol, não só os índios dessa reserva se mobilizaram, mas todo o Brasil se mobilizou porque tinha esse entendimento de que seria um caso paradigmático – e foi. E esse episódio também trouxe para o debate mais uma vez o direito dos povos indígenas. Isso tem um impacto também nas decisões do Poder Judiciário.
IHU On-Line – Quais são hoje as principais questões jurídicas envolvidas nos processos de demarcação de terras indígenas?
Luiz Henrique Eloy – A partir desse momento, nós estamos exigindo a revogação imediata desse parecer da AGU, porque ele continua vigente. Já estamos, inclusive, solicitando audiência com a advogada-geral da União [Grace Maria Fernandes Mendonça]. Vamos fazer também uma representação. O que nós defendemos é: o STF deixou claro que essas condições da Reserva Raposa Serra do Sol não são vinculantes [não pode ser aplicado a outros casos]. Por que a AGU quer fazer uma má interpretação da decisão do STF, tornando isso vinculante a todas as terras indígenas? A partir desse momento, nós vamos focar na revogação ou na suspensão desse parecer da AGU. É um parecer inconstitucional e fere o direito de várias comunidades indígenas do país.
IHU On-Line – E a partir de agora, acredita em avanços no processo de demarcação de terras?
Luiz Henrique Eloy – Na verdade, nessa conjuntura atual, não vemos nenhum tipo de avanço nas demarcações, a não ser através da própria mobilização das comunidades indígenas. Consideramos esse episódio do Marco Temporal uma vitória, mas foi uma vitória nesse ponto específico. Fazia muito tempo que os povos indígenas não tinham do Judiciário, ou não ouviam da boca dos ministros, “palavras doces”. Por isso é que os índios estão comemorando, depois de tantas violações. Mas não é o fim, temos que continuar pautando os processos de demarcação. Isso não significa que imediatamente os processos vão andar, porque nós sabemos que existe uma decisão política de governo, não só de Michel Temer, mas do Poder Executivo como um todo, de não demarcar. É um governo extremamente comprometido com os ruralistas.
IHU On-Line – Por que é tão difícil fazer, não só o governo, mas as pessoas e a opinião pública compreenderem a importância da demarcação de terras indígenas?
Luiz Henrique Eloy – Primeiro, por conta da própria sociedade brasileira que não sabe reconhecer a riqueza desses povos que ainda estão aqui presentes. Segundo, porque nós ainda temos uma sociedade extremamente racista. Essa própria tese do Marco Temporal vindo do Poder Judiciário é a concretização de uma posição racista dos juízes, que adotam essas teses para negar direitos. E isso está impresso na sociedade como um todo. Podemos observar, a partir de comentários nas redes sociais e nas notícias, como as pessoas, sem nunca terem pisado numa aldeia, nunca terem conhecido a cultura indígena, se colocam contra esses direitos culturais. E são pessoas, na maioria das vezes, que não são fazendeiros, não têm amigos ou relações com fazendeiros, não têm um hectare de terra, mas são contra e alimentam essa falácia de que os índios são coisas do passado.
Reconhecer esses direitos requer também abrir mão de certos privilégios. É isso que precisa na sociedade, não só em relação aos índios, mas também aos quilombolas e todas as outras minorias que diariamente estão sendo discriminadas e tendo negados os seus direitos. Isso tudo é parte de um conjunto que está estruturado em toda a sociedade brasileira e que é possível se ver de forma mais concreta a partir dos ruralistas, mas não só eles.
IHU On-Line – O dia da decisão do STF também pode ser considerado um marco de resistência, por toda a mobilização que foi feita pelos povos indígenas? Que aprendizado fica desse episódio?
Luiz Henrique Eloy – Os índios e suas lideranças têm dado verdadeiro exemplo de participação política e democrática, na medida em que, todas as vezes que veem seus direitos ameaçados, eles se mobilizam. Esse episódio recente congregou várias lideranças de diversas pontas do Brasil que deixaram suas aldeias e vieram para o STF dar o seu recado. Em diversas partes do Brasil também ocorreram protestos nas escolas, fechamentos de estradas e outras formas de mobilização. Os índios têm demonstrado para a sociedade brasileira que estão atentos com as suas demandas e lutam pelos seus direitos. Nisso os índios têm muito a ensinar para os brancos, pois quando esses brancos veem seus direitos sendo rifados pelo Congresso Nacional não fazem nada, não se mobilizam, não se organizam.
IHU On-Line – Quais são as áreas mais conflagradas em termos de dificuldades para demarcação de terras no Brasil hoje?
Luiz Henrique Eloy – São justamente as áreas de conflitos, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina e uma parte do Nordeste, especialmente no sul da Bahia. São nesses focos do Brasil que existe ainda um conflito muito grande por terra e uma resistência também por parte do Estado em reconhecer os territórios.
IHU On-Line – Como avalia as ações do atual governo e dos governos Dilma e Lula no que diz respeito à demarcação de terras e atenção a povos originais?
Luiz Henrique Eloy – O governo de Michel Temer acabou de completar um ano e, sem dúvida, foi um período de muitos retrocessos, atingindo não só povos indígenas, mas vários setores da sociedade. Os índios já vinham denunciando esse retrocesso já no governo Dilma, mas essa questão chegou ao extremo a partir do momento em que Michel Temer entra no poder e adota uma série de ações que afetam diretamente a vida das comunidades indígenas. O próprio enfraquecimento da Fundação Nacional do Índio - Funai, que não vem de hoje, é um desses fatores de enfraquecimento. Vínhamos percebendo esse enfraquecimento nos últimos dez anos, são questões políticas, orçamentárias, corte de pessoas, mas no governo Michel Temer isso se concretiza de forma mais robusta. A partir do momento que se tem a nomeação de um general como presidente da Funai, simbolicamente traz um retrocesso histórico, porque o período de maior violação das comunidades indígenas foi justamente aquele em que o governo estava submetido aos militares.
Vemos ainda como as comunidades indígenas perderam totalmente a autonomia de participação nos debates sobre o tema das demarcações, tendo em todo o Brasil cargos vinculados a essa área totalmente entregues a partidos políticos aliados de Michel Temer. Como o governo faz isso e passa por cima das comunidades indígenas? E há, ainda, a própria paralisação do Conselho Nacional de Política Indigenista - CNPI, que sempre funcionou, mas com a entrada de Temer houve paralisação total.
E tudo isso sem falar na violência no campo. Parece que, com a escalada dos representantes do agronegócio no poder, no Ministério da Justiça, na Funai e na própria Polícia Federal, temos uma animosidade dos conflitos no campo, pois há uma série de ataques não só aos índios, mas também aos quilombolas e ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST. Vemos nesses ataques um sinal de que nada vai acontecer e uma espécie de sinal verde nas ações contra esses povos tradicionais.
IHU On-Line – E como pensar em resistências?
Luiz Henrique Eloy – Os povos indígenas têm sido resistentes há muitos anos já. E há uma deliberação do próprio movimento indígena: continuar fazendo com que suas organizações e instituições mantenham o constante monitoramento e também com incidência internacional. Temos feito denúncias em organismos internacionais tendo em vista que o cenário interno está muito complicado.
IHU On-Line – No Legislativo, é evidente o peso da bancada ruralista. No Executivo, a tese desenvolvimentista vem há vários governos sendo defendida em detrimento dos povos originais. A partir da decisão do STF, é possível afirmar que os povos encontram finalmente um espaço para interlocução a partir do Judiciário?
Luiz Henrique Eloy – Acredito que não, o Judiciário não é o caminho. Embora tenha dado essa sinalização, ainda há muito a ser feito. Nosso Judiciário é muito conservador e, na maioria das vezes, contrário aos povos indígenas. O que deve ser mantido é a constante incidência no próprio poder Executivo, já que é ele que tem a função e a missão de proteger e fazer respeitar essas comunidades.
Esse controle judicial é importante, deve ser feito, mas entendemos que o Judiciário não é o caminho. Pelo contrário, o Judiciário sofre de uma incompreensão com relação a esses direitos, muito embora agora essa tenha sido uma decisão importante. Mas, mesmo com essa decisão tão importante, não acreditamos que o Executivo e o próprio Legislativo irão, a partir desse momento, de alguma forma contemplar os povos indígenas. A situação é outra e acredito que eles irão se rearticular para descobrir novas formas de atacar os direitos dos povos indígenas. Assim como o movimento indígena irá se rearticular para fazer essa nova forma de enfrentamento e um enfrentamento qualificado. Pode estar certo.
IHU On-Line – Bem, então podemos concluir que nem Judiciário, nem Legislativo e Executivo compreendem os povos indígenas. Existe alguém ou alguma entidade capaz de compreender o modo de vida dos índios?
Luiz Henrique Eloy – É muito difícil falar em instituições, porque as instituições têm por trás delas seus agentes. Até o próprio Ministério Público Federal, que é um órgão que tem por missão defender os povos indígenas, tem diferentes atuações e relacionamentos com os povos em diferentes campos do país, a depender da pessoa que está ali à frente do Ministério Público. Não deveria ser assim, todos os agentes públicos deveriam estar aptos para se relacionar com essa diversidade cultural que o Brasil tem.
IHU On-Line – A PEC 215, proposta que retira do Executivo a exclusividade de demarcar terras indígenas e leva essa atribuição para o Congresso, ainda é hoje a principal luta dos povos indígenas do Brasil?
Luiz Henrique Eloy – Sim, é uma das principais pautas do movimento indígena e só não foi aprovada porque o movimento agiu através de uma constante mobilização. Não foi aprovada não porque os fazendeiros não quiseram, mas porque eles não conseguiram. Até por isso avaliamos que houve essa mudança de olhar, pois quando não conseguiram fazer avançar essas questões pela via legislativa, focaram no Judiciário. Mas, a partir desse recado que o Supremo deu, os ruralistas podem eleger outras formas de agir e a PEC 215 é um desses caminhos. A partir de agora, podem retomar com maior força essa discussão no Congresso.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Luiz Henrique Eloy – Acho importante dar também enfoque ao trabalho dos antropólogos. Essa CPI da Funai visava justamente atacar isso: o trabalho antropológico que fundamenta os direitos das populações indígenas e quilombolas. E o STF, também nessa decisão sobre o Marco Temporal, jogou luzes sobre essa questão, destacando que não é possível tentar criminalizar ou de algum modo deslegitimar esse trabalho como forma de negar direitos a essas comunidades tradicionais.
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Racismo contamina os poderes constitucionais e invisibiliza o índio. Entrevista especial com Luiz Henrique Eloy - Instituto Humanitas Unisinos - IHU