25 Janeiro 2017
Várias organizações divulgaram ontem (23) uma nota de repúdio à Portaria n.º 80/2017, do Ministro da Justiça, que, segundo elas, passa a permitir interferências políticas em detrimento dos estudos e trabalhos técnicos que, historicamente, balizam a demarcação de terras indígenas sob orientação da Fundação Nacional do Índio (Funai). A portaria cria o Grupo Técnico Especializado (GTE), “com o objetivo de auxiliar o ministro da Justiça” nos procedimentos relativos às demarcações.
A reportagem é de Eduardo Maretti, publicada por Rede Brasil Atual – RBA, 24-01-2017.
“A preocupação é de que esse grupo de trabalho seja uma instância política para reavaliar estudos técnicos. Esse é o grande temor: politizar ao invés de primar pela técnica. O Estado está aí para cumprir a Constituição Federal, demarcando as terras, e não para criar óbices", diz Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA).
Segundo as organizações e os próprios indígenas, a publicação da Portaria 80/2017, com a criação do chamado Grupo de Trabalho, tem claros interesses por trás de si. “Ela atende às pressões dos ruralistas e é uma resposta do governo Temer às demandas dos ruralistas na contramão dos direitos indígenas consagrados na Constituição”, diz Cléber Buzatto, secretário Executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Sonia Guajajara, da nação indígena Guajajara no estado do Maranhão, faz observação semelhante. “A portaria faz parte do acordo do governo com a bancada ruralista em detrimento dos direitos dos povos indígenas, sobretudo os direitos territoriais”, afirma Sonia, que também faz parte da coordenação executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). "Mais do que uma ameaça, essa portaria é uma realidade no sentido de inviabilizar qualquer processo de demarcação."
Sonia diz que não há no momento um calendário de mobilizações contra a nova regra. "Nosso povo está sempre preparado, a gente se organiza, define e chama no momento em que algo vai acontecer."
Segundo Juliana Batista, o grupo de trabalho criado pelo governo Michel Temer não deveria ter o papel de realizar diligências, que são historicamente feitas pela Funai, órgão competente para isso. “A formação de um grupo de trabalho possivelmente vai reanalisar os trabalhos e avaliações técnicas.”
"A portaria pode interferir diretamente na tramitação de ao menos 600 procedimentos de demarcação", diz Buzatto.
Considerando os dados mais recentes, que indicam cerca de 1.100 terras indígenas no país, isso significa que mais da metade delas pode ser afetada pela portaria. Entre 360 a 400 áreas estão regularizadas. A princípio, a portaria não ameaça essas terras já registradas.
O processo de demarcação de terras indígenas começa na Funai, que promove estudos técnicos, relatório de identificação e delimitação das terras. Sendo aprovado pelo presidente da Funai, o relatório é publicado, e se abre a fase de discussão para qualquer interessado contestar. Feitas as contestações, a Funai reponde. Não havendo nenhum empecilho, o processo passa pelo Ministério da Justiça, pela presidência e finalmente é registrado na Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e no cartório, quando a demarcação está concluída. “Esse é o processo, e o Estado está aí para fazer cumprir a Constituição”, reafirma a advogada.
O artigo 231 da Constituição é expresso ao dizer que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
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Para atender ruralistas, governo Temer politiza a demarcação de terras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU