Por: Cesar Sanson | 07 Julho 2016
Após a forte mobilização de indígenas, indigenistas e diversas entidades e organizações, o governo interino de Michel Temer recuou da nomeação do general Sebastião Roberto Peternelli Júnior, da reserva do Exército, para a presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai). Peternelli havia sido indicado ao cargo pelo Partido Social Cristão (PSC), o que gerou grande reação contrária por parte dos indígenas.
A reportagem é publicada por Conselho Indigenista Missionário - Cimi, 06-07-2016.
Na manhã desta quarta-feira (6), cerca de 90 lideranças dos povos Pataxó, Tupinambá de Olivença, Tupinambá de Belmonte e Tumbalalá fizeram uma caminhada até a frente do Palácio do Planalto, em Brasília, onde manifestaram-se contra a possível nomeação de um general defensor do golpe militar de 1964 para a presidência da Funai.
“Nós já passamos por um período no Brasil que foi a Ditadura Militar, onde vários povos indígenas foram exterminados e massacrados. A nomeação de um general para a Funai é um retrocesso para aquilo que a gente já passou”, afirmou o cacique Aruã Pataxó, presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (Finpat), sobre a possível nomeação da Peternelli.
Os indígenas também se manifestaram pela demarcação de seus territórios tradicionais e pelo fortalecimento da Funai, enfraquecida pelo corte de recursos determinados por Temer e pelo Ministério da Justiça.
Pela tarde, após horas de manifestação em frente ao Palácio do Planalto, os ministros da Justiça, da Casa Civil e o Secretário do governo interino comprometeram-se com lideranças dos povos Pataxó, Tupinambá e Tumbalalá a não nomear o general para a Funai.
Corte de cargos
Os ministros também comprometeram-se a cancelar o corte de cargos da Funai, que ocorreria em função da Medida Provisória (MP) nº 8.785/16.
A MP 8.785 determina que os ministérios cortem cargos chamados de “Direção e Assessoramento Superiores (DAS)”. O Ministério da Justiça, ao qual a Funai é vinculada, é o ministério em que mais cortes são exigidos – seriam, no total, 214 cargos cortados. Destes, cerca de um terço seriam retirados apenas da Funai, praticamente inviabilizando sua já prejudicada atuação em diversas regiões.
Esta MP foi publicada no dia 10 de junho de 2016, mesmo dia em que o ministro da Justiça do governo interino, Alexandre de Moraes, publicou uma portaria na qual determina o contingenciamento de recursos do MJ por 90 dias. Durante este período, todo gasto da Funai precisa passar pelo crivo direto do ministro, o que impede o funcionamento regular do órgão.
Integracionismo e defesa do golpe de 1964
Desde que a informação da indicação do general Peternelli para o cargo tornou-se pública, circularam postagens do general em redes sociais, nas quais ele homenageia o golpe militar de 1964. Questionado pelo jornal Folha de São Paulo, ele afirmou que só falaria publicamente sobre sua posição em relação ao golpe de 64 após sua eventual nomeação para o cargo.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em nota divulgada na última quinta (30/06), repudiou a indicação e afirmou que sua nomeação fortaleceria a “perspectiva do Estado policial que está sendo instalado no país, com a criminalização dos movimentos sociais”.
Diversas entidades e organizações indígenas e indigenistas também manifestaram-se contra a nomeação do general Peternelli para a Funai. Na tarde de terça (5), servidores e servidoras da Funai, indígenas e pesquisadores também manifestaram-se em frente ao Palácio do Planalto contra a nomeação de Peternelli.
Em nota divulgada nesta segunda (4), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) considerou que a nomeação do general representaria “o retorno do alinhamento do Estado brasileiro ao militarismo integracionista na relação com os povos originários, a exemplo do que ocorreu durante a ditadura militar, quando mais de oito mil índios foram mortos, conforme demonstrado pela Comissão Nacional da Verdade”.
Inicialmente, o ministro da Justiça Alexandre de Moraes negou que Peternelli houvesse sido convidado para o cargo de presidente da Funai. Após a confirmação do convite e a forte pressão dos povos indígenas e apoiadores, o governo interino desistiu da nomeação. “Não há nenhum veto pessoal do nome indicado ao PSC, mas estamos em busca de um outro perfil”, afirmou Moraes à imprensa na tarde desta quarta (6).
Articulação ruralista
A indicação de Peternelli para a presidência da Funai pelo PSC – ocupada interinamente desde maio pelo vice-presidente Artur Nobre Mendes, após a exoneração de João Pedro Gonçalves – faz parte da articulação feita por parlamentares da bancada ruralista durante a negociação para a admissão do processo de impeachment de Dilma Rousseff.
Antes do afastamento de Dilma Rousseff, ruralistas entregaram ao vice-presidente Michel Temer uma pauta contendo suas reivindicações políticas, como contrapartida ao apoio no processo de impeachment. Esta pauta inclui, entre outras coisas, o pedido de revisão das escassas demarcações de terras indígenas feitas pelo governo de Dilma Rousseff e a aprovação da PEC 215.
Para denunciar estas ações que buscam retirar direitos dos povos originários, cerca de 150 lideranças indígenas entregaram, ontem, documentos a diversas embaixadas, pedindo que os países estrangeiros condicionem a importação de commodities do agronegócio brasileiro à mudança de postura dos ruralistas e de suas entidades representativas em relação à questão indígena (saiba mais).
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Após pressão dos indígenas, governo interino descarta nomeação de general para presidência da Funai - Instituto Humanitas Unisinos - IHU