06 Novembro 2015
O Parque Indígena do Xingu (PIX) tem uma área menor do que a Bélgica, um dos menores países europeus. Nesse território habitam povos de 16 etnias, que falam 14 línguas diferentes, distribuídos em mais de 80 aldeias. Pensar no Xingu como algo homogêneo é um erro. O PIX é multiétnico e enfrenta os desafios naturais para a construção de acordos de gestão do território, desafios que são enfrentados até hoje em outras regiões do mundo mais homogêneas e consolidadas.
A reportagem é de Rafael Govari, publicada por ISA e reproduzida por Sementes do Xingu, 28-10-2015.
Nesse mundo, chamado Xingu, mas definido como território indígena, jovens que foram identificados com potencial de liderança iniciaram há três anos uma formação em gestão territorial a pedido das lideranças mais antigas, que viam a necessidade de capacitação para a construção de um grande plano de gestão para o PIX. Nessa formação os jovens aperfeiçoaram o conhecimento sobre o funcionamento do mundo não indígena e também do mundo indígena. “Os gestores participaram de uma formação complementar para melhorar sua atuação no dialogo intercultural e tradução junto a seus povos. Foram indicados por suas comunidades por já desenvolverem atividades voltadas a gestão política e pesquisa, seja na área de saúde, educação, patrimônio cultural ou manejo de suas áreas. Dentre os 35 gestores há presidentes de associações, caciques jovens, pessoas que estão atuando na área de saúde e educação, pessoas que já são formadoras de opinião e tem o reconhecimento de suas lideranças tradicionais”, disse Cristina Velásquez, do ISA (Instituto Socioambiental), coordenadora do Curso de Gestão Territorial e Serviços Socioambientais oferecido entre 2012 e 2014.
Simultaneamente ao processo formativo dos jovens em gestão territorial, foram conduzidos os trabalhos de elaboração do Plano de Gestão Territorial e Ambiental do Xingu com participação das principais lideranças de todas as etnias do PIX, iniciativa que teve início na mesma época em que se discutia a aprovação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), política aprovada pelo Governo Federal em 2012 que estimula os territórios indígenas a elaborarem planos de gestão para garantir sua proteção e sustentabilidade de longo prazo. “O Parque Indígena do Xingu tem uma diferença, porque ele é um território multiétnico, são 16 povos. Então é desafio construir um plano de gestão, que normalmente é feito para um povo”, complementa Cristina, acrescentando que assim como a sua construção foi complexa, da mesma forma será a sua implementação.
Os Planos de Gestão podem ser comparados aos Planos de Manejo das Unidades de Conservação e aos Planos Diretores municipais. São instrumentos de ordenamento e planejamento territorial, definindo ações prioritárias, orientando a atuação de órgãos públicos e da sociedade civil e criando acordos internos para a boa convivência entre os povos. “A PNGATI e sua principal ferramenta, o plano de gestão de terras indígenas, vem num momento em que as formas antigas de organização social dos povos indígenas não são mais suficientes para garantir o bom viver”, explica Ivã Bocchini, indigenista do ISA. “Ao mesmo tempo, os conhecimentos ditos ‘científicos’ do ocidente (bem como as suas prioridades políticas) não se mostram capazes de proteger e gerir adequadamente esses territórios”, complementa. Através do diálogo intercultural, na relação entre os diferentes saberes, que se encontra a originalidade dos planos de gestão de terras indígenas, como o Plano de Gestão do Xingu, que foi elaborado com a participação das lideranças de 16 povos diferentes em parceria com ISA, ATIX, IPEAX e FUNAI.
Além do grande plano, serão elaborados planos específicos para os diferentes povos e regiões e os gestores territoriais formados irão dar o apoio a elaboração dos planos étnicos de cada um dos 16 povos, aprimorando as suas regras de uso e ocupação do território e a sua forma de gerir o território em que aquela etnia habita.
Outra preocupação é viabilizar economicamente o Plano de Gestão, para que ele possa justamente ser implementado nas comunidades. Assim, outro tema tratado durante o Encontro foi o detalhamento do projeto FAM/BNDES, que prevê, entre outras coisas, viabilizar ações do Plano por meio do Apoio a Iniciativas Comunitárias (AIC), uma reserva de recursos voltada para pequenos projetos em três linhas: segurança alimentar, cultura e alternativas econômicas. As comunidades e associações poderão acessar diretamente o AIC definindo suas próprias prioridades no processo de implementação do Plano de Gestão.
Pesquisas
Durante o Encontro em Canarana foram apresentados os trabalhos realizados pelos gestores durante a formação de três anos. 25 alunos realizaram pesquisas envolvendo a cultura do seu povo em quatro linhas: manejo de recursos naturais, uso e ocupação do solo, origem dos territórios (aspectos da cosmovisão de cada povo) e também organização sociopolítica e cultura.
O gestor, professor e presidente da Associação Étnica Yarikaiu, Karin Juruna, pesquisou sobre os aspectos da organização sociopolítica do povo Yudja, fazendo uma comparação do antes e do depois do contato com o homem branco. Karin conta o que descobriu: “O cacique, naquele momento, assumia quem tinha mais conhecimento, mais poder, ou o filho do último cacique. Hoje é um pouco diferente, assume quem domina a língua portuguesa. Ele é o escolhido para ser cacique”. E o que você acha disso Karin? “Pra mim é até bom, porque eles conhecem o mundo de fora e conhecem o mundo de dentro, do povo”, respondeu. Ele também conta no livro que agora as aldeias têm escolas, associações, organizações que não havia antes, o que facilitou o conhecimento do mundo externo.
O indígena Yahu Mehinako pesquisou sobre a Origem do Pequi, uma tradicional festa do seu povo. “A gente está perdendo muitas culturas. Escolhi o pequi porque ela é uma festa ampla, grande, que a gente está perdendo os cantos, a história. Toda vez que tem o pequi a gente comemora, em novembro. E a minha preocupação é que a gente não tinha alguém que tem vontade de aprender os cantos, pensei em colocar no papel pra ver se alguém se interessa em aprender para que a gente continue praticando”.
Visão do financiador
Gabriele Ataíde e Maíra Abreu são do Fundo Vale, entidade que financiou a realização do curso dos gestores entre 2012 e 2014 e o Encontro realizado em outubro. Gabriele contou que existe muita dificuldade nas terras indígenas de construir uma política, fazer um plano de diretriz ou um plano de metas devido às diferenças de cada uma delas. “Em relação ao Xingu eu fiquei bem satisfeita, porque apesar de cada um ter sua linha de pensamento, no final eles sabem defender bem o que eles querem, são bem politizados, com poder de oratória muito bom. Não são passivos”. Maíra complementou que esse trabalho vai ao encontro da missão do Fundo Vale: “O Fundo Vale, na sua missão, quer o desenvolvimento territorial e proteção do Bioma Amazônico. Então, está intimamente ligado com a missão do Fundo Vale esse tipo de projeto. E a ideia é capacitar o território para que ele mesmo dê conta de sustentar seus planos de gestão e aqui a gente vê o quanto eles estão empoderados do que eles querem, apesar da complexidade de serem 16 povos”.
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Indígenas do Xingu se preparam para iniciar a implementação do Plano de Gestão Territorial e Ambiental do Xingu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU