Em conquista histórica, afrodescendentes e consulta prévia indígena são incluídos pela primeira vez na conferência do clima da ONU

Foto: Fotos Públicas

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24 Novembro 2025

Reconhecimento ocorreu no texto sobre transição energética justa, mas também em outros textos centrais da COP30, ao lado da defesa dos direitos territoriais indígenas.

A reportagem é de Jullie Pereira, publicada por InfoAmazonia, 22-11-2025.

Pela primeira vez, populações afrodescendentes e o direito à consulta prévia, livre e informada a povos indígenas são reconhecidos em um texto aprovado pelas Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COPs). Eles foram incluídos no documento do Programa de Transição Energética Justa, aprovado nesta sábado (22), último dia da COP30.

“É a primeira vez que aparece num texto de decisão final da Convenção Quadro das Mudanças do Clima. A questão da consulta livre prévia e informada já estava sendo reiterada no âmbito judicial, nacional e internacional, e no de outras agências, mas no âmbito das COPs é inédita. Isso reconhece a soberania dos povos indígenas”, diz o Ciro Brito, analista de Políticas Climáticas no Instituto Socioambiental (ISA).

O texto de transição energética cita a consulta prévia livre e informada para indígenas e, especialmente, menciona os povos isolados, afirmando que é direito “dos Povos Indígenas e de obter seu consentimento livre, prévio e informado”.

Além disso, determina que a transição justa deve respeitar e promover “os direitos coletivos e individuais dos Povos Indígenas, reconhecidos internacionalmente, incluindo o direito à autodeterminação, e reconheçam os direitos e proteções dos Povos Indígenas em isolamento voluntário e em contato inicial, em conformidade com os instrumentos e princípios internacionais relevantes de direitos humanos”.

O documento da COP30 considera, ainda, “uma participação ampla e significativa envolvendo todas as partes interessadas relevantes” e, entre outros, cita “povos indígenas” e “pessoas de ascendência africana”. Os afrodescendentes também são reconhecidos, de forma inédita, em outros textos centrais da conferência: tanto no “Mutirão”, quanto na decisão dos indicadores da Meta Global de Adaptação (GGA) e no Plano de Ação de Gênero de Belém.

Tatiana Oliveira, líder de estratégia internacional do WWF-Brasil, diz que a COP30 foi um momento histórico, como um divisor de águas. Ela demonstra a emoção que a sociedade civil sentiu ao comemorar o reconhecimento das populações mais afetadas pelas mudanças climáticas no texto da conferência.

“Acho impossível não se emocionar com tudo o que aconteceu nas últimas duas semanas, independentemente do resultado formal das negociações. Muitas vitórias das que realmente importam, como a inclusão de afrodescendentes no texto e a menção aos direitos territoriais dos povos indígenas e ao CLPI [consulta prévia, livre e informada], são passos históricos que ajudam a garantir direitos”, diz.

Nos eventos climáticos da ONU, as populações afrodescendentes já haviam sido incluídas nas discussões preliminares de junho, durante a Conferência de Bonn sobre Mudanças Climáticas, mas agora seguem contempladas, finalmente, no documento final da COP30. Eles já haviam sido incluídos também nos textos finais da COP da Biodiversidade, em Cali, na Colômbia, em novembro de 2024.

Questionamentos e pedidos

Na plenária, após a aprovação dos textos sob aplausos, alguns países se manifestaram sobre o resultado da COP30. O Canadá mencionou que os conceitos de povos indígenas e comunidades locais devem respeitar a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, documento com diretrizes para a dignidade dos povos indígenas.

Brito explica que não foi uma oposição, mas um pedido do país para que fosse registrado na relatoria. De acordo com ele, o conceito de comunidades locais ainda está em construção nas discussões da Conferência do Clima. No Brasil, populações extrativistas e ribeirinhas são consideradas comunidades locais, por exemplo. Essa necessidade de definição do conceito é um motivo de questionamento dos países que ainda exploram combustíveis fósseis nessas localidades, o que é o caso do Canadá.

“Não tem uma legislação que define o que são as comunidades locais e isso dá margem para várias compreensões. Daqui para frente, vamos ver mais discussões sobre o que é comunidades locais e talvez a gente tenha um cenário onde isso fique melhor definido também nas próximas COPs”, diz.

Perdemos a chance

Por outro lado, no texto final sobre transição energética justa, foi retirada a menção aos impactos da mineração para a economia de baixo carbono que os países precisam implementar. Povos indígenas e populações afrodescendentes estavam especialmente preocupados com esse ponto, porque seus territórios são constantemente ameaçados por concentrarem muitos dos minerais considerados estratégicos. Sem referência aos danos da exploração mineral, a avaliação é de que essas comunidades ficam ainda mais vulneráveis.

“Se a gente tivesse mantido a mineração, seria um gol de placa. Porque hoje, no Brasil, por exemplo, boa parte dos minerais chamados críticos estão sob os territórios indígenas. É fundamental pensar uma transição energética justa onde seja endereçada a questão da mineração. Não tem como fazer uma transição justa sem saber o que fazer em relação a isso”, diz Ciro Brito, do ISA.

Na primeira versão dos rascunhos de Belém, publicada em 14 de novembro, o texto incluía o risco associado à exploração de minerais críticos. Isso porque a tendência é que os países que ainda são dependentes de combustíveis fósseis transitem sua economia para a mineração, o que pode prejudicar os povos e territórios tradicionais.

Na versão de 18 de novembro, a mineração ainda foi considerada como um problema, e trazia “os riscos sociais e ambientais associados à ampliação das cadeias de suprimentos para tecnologias de energia limpa, incluindo os riscos decorrentes da extração e do processamento insustentáveis de minerais críticos”.

Mas, na nova versão desta sexta-feira, o parágrafo mudou mais uma vez e retirou o trecho sobre os impactos da mineração: “a importância de fortalecer a cooperação internacional para mobilizar financiamento, tecnologia e apoio ao desenvolvimento de capacidades, a fim de facilitar a implementação de transições justas determinadas nacionalmente de maneira socialmente inclusiva e equitativa”. Por fim, a mineração ficou fora mesmo na decisão deste sábado.

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