21 Novembro 2025
A COP30 sobre o clima será realizada de 10 a 21 de novembro em Belém, na Amazônia brasileira. A preservação desse bioma e os direitos de suas populações indígenas são questões cruciais na conferência, segundo a jornalista brasileira Eliane Brum.
A entrevista é de Patrick Piro, publicada por Basta!, 4-11-2025. A tradução é do Cepat.
O Brasil está em destaque: o maior país da América Latina sediará a conferência internacional sobre mudanças climáticas (COP30) de 10 a 21 de novembro em Belém, a porta de entrada marítima para a floresta amazônica. O país também é marcado por desigualdades gritantes, discriminações persistentes e violência policial generalizada, como tragicamente ilustrado pela sangrenta operação policial em uma favela do Rio de Janeiro, durante a qual pelo menos 130 pessoas foram mortas.
A operação foi encomendada pelo governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, um conservador, fundamentalista evangélico e apoiador do ex-presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, ele próprio condenado a 27 anos de prisão pela tentativa de golpe que visava impedir a posse do recém-eleito presidente Lula (centro-esquerda) em 2023.
Nesse contexto, escolhemos entrevistar uma das jornalistas e escritoras mais premiadas do Brasil, Eliane Brum. Ela está profundamente envolvida na luta contra a extrema-direita, pela justiça climática e pela defesa da Amazônia, além de contribuir para a formação de uma nova geração de jovens jornalistas brasileiros de comunidades indígenas, cujas vozes e preocupações são amplamente ignoradas pela grande mídia. Seu último livro é Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo (Companhias das Letras, 2021).
Eis a entrevista.
Em setembro, o ex-presidente brasileiro (2019-2022) Jair Bolsonaro foi condenado a 27 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado. Sete de seus ex-colaboradores receberam penas de até 17 anos em outubro. Mal as sentenças foram proferidas, membros de seu partido tentaram aprovar uma lei que lhes concederia quase imunidade — projeto de lei que acabou sendo rejeitado pelo Senado, que o considerou “inconstitucional” e “ilegal”. E estão preparando outro projeto de lei com o objetivo de conceder anistia ao seu campeão, o ex-presidente. Trata-se de um ataque intolerável à democracia, segundo as centenas de milhares de pessoas que foram às ruas em 21 de setembro para denunciá-lo. Como você analisa a situação atual no Brasil?
Este é um momento muito importante, e não sei até que ponto as pessoas estão conscientes disso. Vivemos em uma democracia imperfeita e frágil: basta ver que o Exército nunca foi punido no Brasil! Os golpes militares têm marcado nossa história — nossa república brasileira nasceu de um deles, em 1889. O mais recente, em 1964, durou 21 anos. Mesmo antes de terminar, o Parlamento concedeu anistia aos assassinos, aos torturadores e aos sequestradores do Estado! Isso minou fundamentalmente a redemocratização do país.
Nosso modo de vida no Brasil está impregnado dessa tradição de impunidade. Isso significa – e aconteceu repetidamente – que uma pessoa torturada pode se deparar com seu torturador em um elevador, em uma reunião de condomínio ou em uma festa infantil. E nada é feito.
O próprio Bolsonaro é um resultado direto dessa impunidade. Capitão do Exército, ele se tornou uma figura pública no dia em que planejou plantar bombas em quartéis para obter um salário melhor. E depois? Foi absolvido pelo tribunal militar e começou uma carreira política! Ele conseguiu passar por todos esses anos de redemocratização proferindo absurdos. Com total impunidade.
Isso claramente abriu caminho para a eleição, em 2018, desse homem que lamentou que a ditadura não tivesse causado mais mortes; que preferiria que seu filho morresse em um acidente de carro a que fosse gay; que disse a uma deputada que não ousaria estuprá-la porque era “feia demais”; que justificou o nascimento de sua única filha como resultado de uma fraqueza; que se recusou a conceder um centímetro a mais de terra a comunidades indígenas ou quilombolas; que se vangloria de idolatrar o mais notório torturador da ditadura militar, Carlos Alberto Brilhante Ustra, que chegou a torturar crianças. E também Dilma Rousseff. E em 2016, durante a votação do impeachment da então presidente, o deputado Bolsonaro homenageou seu torturador. E... nada aconteceu com ele.
Por isso, o que acabamos de vivenciar é tão significativo. Pela primeira vez, o reinado da impunidade foi quebrado. O fato de generais, almirantes, outros oficiais de alta patente e um ex-presidente terem sido julgados e condenados por um tribunal civil é um grande passo adiante na história do Brasil. E o que acho mais importante é a condenação dos generais, ainda mais do que a de Bolsonaro, um produto da impunidade concedida aos militares. Nasci sob a ditadura e sinto que esperei por este momento a vida toda. E o fato de as ruas estarem se enchendo de protestos contra a anistia já demonstra que o país também rompeu com a impunidade.
E não é só isso, porque Bolsonaro pode ser condenado por outros crimes, especialmente contra os povos indígenas, cujas florestas foram devastadas e que, como o resto da população, foram duramente atingidos pela Covid, que matou mais de 700 mil pessoas no Brasil devido às políticas sanitárias criminosas do ex-presidente.
Um primeiro passo, mas a reação dos conservadores e da extrema-direita foi imediata…
Essas convicções mudam o Brasil, mas a luta não será menos árdua. Há uma chance real de a extrema-direita voltar ao poder nas eleições de 2026. Basta olhar o perfil dos deputados federais que estenderam a mão a eles… Esta câmara é a mais predatória da história brasileira! Destruiu o marco de proteção ambiental e apoia firmemente grandes empresas dos setores de combustíveis fósseis, mineração, armamentos, carne bovina e soja, que estão destruindo os ecossistemas.
Essa predação industrial que está inexoravelmente devorando a Amazônia, você a associa à ditadura militar…
Sim, porque a destruição da floresta, que se aproxima de um ponto de não retorno, começou sob a última ditadura militar, como um projeto de Estado acompanhado de uma ideologia: uma floresta sem gente para gente sem terra, um deserto verde para conquistar, etc. Esses slogans ressoavam na minha infância. Em Altamira, no Pará, onde moro desde 2017, começa a Rodovia Transamazônica. Foi aqui que Médici, o mais sanguinário dos dirigentes da ditadura, lançou oficialmente a colonização deste vasto mundo verde. Essa ideologia ainda permeia o imaginário da maioria dos brasileiros: a floresta, como um lugar inabitado a ser dominado.
Com a redemocratização, após 1985, muitas coisas mudaram no Brasil. Mas nem tudo. Em particular, a democracia parou nos portões dos bairros periféricos e das favelas. Mesmo hoje, como sob a ditadura, agentes do Estado invadem esses locais impunemente, arrombam as portas e matam pessoas, inclusive crianças.
O que também não mudou estruturalmente, apesar da evolução da retórica e de algumas mudanças reais, é o projeto do Estado para a Amazônia. Mesmo sob os governos de Lula e Dilma Rousseff, os mais à esquerda da história do país, foram eles que revitalizaram os grandes projetos de usinas hidrelétricas na Amazônia. E é em nome desse mesmo projeto que Lula agora defende novas explorações de petróleo na Amazônia.
Você descreve a Amazônia como um “centro do mundo”. O que você quer dizer com essa afirmação?
Para enfrentar o colapso do clima e da biodiversidade, argumentamos que devemos concentrar radicalmente nosso apoio nas periferias, e não apenas por razões retóricas. Assim, os centros do mundo são a Amazônia, os oceanos, todos os biomas e enclaves da natureza que ainda resistem, e não os centros hegemônicos do mundo onde se decide a destruição da natureza – Washington, Pequim, Londres, Paris, Frankfurt e até mesmo São Paulo.
O centro do mundo é onde a vida acontece, não onde se encontram os mercados. Isso significa que devemos colocar outros valores no centro, os das pessoas que não se separaram da natureza. É por isso que fui viver e lutar, usando as ferramentas da minha profissão de jornalista, de um dos corações do mundo para trabalhar na mudança dos centros de poder.
Se estamos caminhando a passos largos para o colapso, é por causa de uma linguagem chamada capitalismo, construída pelo colonialismo, pelo patriarcado, pelo racismo, pelo pensamento binário e pelo especismo. Nossa única chance é mudar para a linguagem daqueles que se entendem como natureza, como é o caso dos povos indígenas da Amazônia.
Isso significa, entre outras coisas, que devemos nos abrir para outras formas de nos compreender. Para a maioria dos povos indígenas, os “humanos” não se limitam a “nós”; compreendem também os outros seres vivos – animais, plantas, fungos –, que tornam a vida possível. Portanto, para que a floresta e os outros biomas continuem a existir, precisamos empreender essa mudança radical de foco do mundo. Isso não é apenas discurso; é a nossa realidade diária.
A conferência climática COP30 será realizada em novembro em Belém, na Amazônia. Este é um momento importante para você?
É essencial que esta COP seja realizada na Amazônia, para deixar claro que este ecossistema só sobreviverá se o desmatamento parar e o consumo de combustíveis fósseis for drasticamente reduzido. Em Belém, a sociedade civil terá a oportunidade de se manifestar, algo que lhe foi negado nas últimas três COPs, seja no Egito, em Dubai ou no Azerbaijão.
Os povos indígenas se referem aos perigosos vórtices que se formam nas correntes dos rios amazônicos como “banzeiro”. Òkòtó é uma concha que gira infinitamente na língua iorubá, falada por escravos da África Ocidental deportados para o Brasil. Tudo isso constitui uma narrativa poderosa e impactante que relata o sofrimento de uma floresta e seus habitantes sob a pressão de inúmeros predadores.
No entanto, a Amazônia não pode ser apenas um palco. Os povos da floresta devem poder ser protagonistas nesta COP. Esperamos uma participação sem precedentes deles. Um programa governamental capacitou 30 jovens negociadores indígenas, que farão parte da delegação oficial do Brasil.
Vocês estão oferecendo uma cobertura “interna” desta COP com a plataforma jornalística Sumaúma. O que isso significa?
Significa que estamos nos aprofundando nas questões da COP do ponto de vista da floresta. Também estamos cobrindo debates sobre povos indígenas, ciência indígena e as realidades da vida na periferia de Belém. Mas também de outras áreas urbanas, cujos centros de atividade também precisam ser deslocados. Por exemplo, no Rio de Janeiro, os centros não são Ipanema ou Copacabana, mas as vastas favelas da Maré, Complexo do Alemão e assim por diante – lugares onde a maioria da população vive e luta, usando as tecnologias de resistência que criam. O desafio será conectar os centros urbanos com os centros biomas.
O filósofo indígena brasileiro Ailton Krenak fala da necessidade de os não indígenas se “reflorestarem”. Vocês adotariam esse conceito?
A metáfora de Ailton Krenak significa que a sociedade precisa ser reeducada para recriar a conexão perdida com um modo de vida que nos reconecte e respeite todo o mundo vivo. “Reflorestar-se” significa reconectar-se com a nossa compreensão de nós mesmos como parte da natureza. Isso está longe de ser trivial. Precisamos passar por uma transformação profunda para termos alguma chance de evitar a extinção. Esse “reflorestamento” significa criar um novo DNA para a grande maioria. É totalmente coerente com o aprendizado dessa outra linguagem e com essa reorientação de prioridades que tanto desejamos.
Também aprecio muito a reflexão de Ailton sobre o fato de que os povos indígenas nunca pertenceram ao clube exclusivo da humanidade, conforme definido por aqueles que detêm o poder. Porque apenas uma fração minoritária da “humanidade” é responsável pelas mudanças climáticas. Composta por bilionários, acionistas de grandes corporações, parlamentos e governos a seu serviço e aliados às elites extrativistas locais, essa minoria representa apenas alguns milhares de pessoas, em uma população humana de oito bilhões. Devemos ser muito claros neste ponto e rejeitar o uso do termo genérico “humanidade” neste contexto.
Há poucos anos, a narrativa predominante projetava a inevitável extinção dos povos indígenas e o futuro de suas culturas como relíquias de museu. As coisas parecem ter mudado consideravelmente, já que sua filosofia de vida se tornou fonte de inspiração para muitas pessoas ao redor do mundo.
Você sabia que dez milhões de pessoas viviam na Amazônia antes da chegada dos invasores europeus? Naquilo que os arqueólogos chamam de cidades-jardim, uma concepção completamente diferente daquela que guia todas as cidades modernas. As cidades-jardim eram integradas à natureza e não ameaçavam a reprodução da vida. Se alguém é a própria “natureza”, destruir-se-á conscientemente? Essa profunda compreensão é difícil de assimilar para pessoas separadas da natureza.
Em seu livro Banzeiro Òkòtó, que narra sua experiência de vida na Amazônia, você dedica atenção especial à sua própria transformação. O que aconteceu com você?
Bem... estou me reflorestando. Antes de morar em Altamira, viajei pela Amazônia por cerca de vinte anos. Eu morava em São Paulo na época, no concreto de um apartamento. Eu não conseguia ver o céu, caminhava sobre rios subterrâneos, interagia com humanos apenas no sentido convencional. Como podemos nos entender como natureza se não convivemos com outros seres? Só compreendi essa ideia de floresta vivendo aqui, com meu corpo. Minha perspectiva se ampliou, assim como minha audição e minha visão. Sou diferente.
Aqui, tudo o que a linguagem do capitalismo inocula é insignificante. Deixamos para trás o binarismo: homem-mulher, mente-corpo, natureza-cultura, etc. O bioma da floresta é inteiramente relacional, o que destrói essa forma de pensar. Uma relação entre cada um de nós, uma relação de devoção, interdependência, transmutação, troca, contágio — e é constante.
Ao meu redor, há todos os tipos de formigas e aranhas, cupins, borboletas, pássaros, tatus, cutias, que morderam meus cachorros ontem, e cobras. Minha casa não é minha; eu a compartilho com essas espécies. Elas têm todo o direito de estar aqui; sou eu quem se mudou para o espaço deles.
Tenho visto minha compreensão de quem eu sou, minha maneira de reconhecer os outros e até mesmo meu estilo de escrita mudarem. Banzeiro Òkòtó é um exemplo. Estou abandonando o mundo binário das pequenas caixas organizadas. Eu vivo em um mundo não binário, a floresta, onde nada é “isto” ou “aquilo”, mas “isto e aquilo, constantemente”. De certa forma, meu livro é transgênero. É simultaneamente um ensaio, uma narrativa, uma reportagem e uma autobiografia. E meu corpo está profundamente envolvido nessa escrita. Ele flui através dela.
Em Sumaúma, onde capacitamos jovens indígenas em jornalismo, vemos isso com muita clareza. Transmitimos a eles uma prática baseada na ética e em grande rigor. Em troca, esses “jornalistas da floresta” nos ensinam sua maneira de noticiar os fatos, como os povos indígenas fazem há mais de 10.000 anos na Amazônia. Sua escrita não os exclui da narrativa. Seus corpos estão entrelaçados com ela.
Quando esses jovens escrevem sobre um rio contaminado, eles também são esse rio. Por nossa parte, como não indígenas, tentamos entender como interrogar outros “humanos” – cogumelos, onças, castanheiras… Tudo isso é a antítese das convenções da escrita acadêmica, que é escrita com uma distância que, como sabemos, é uma ilusão.
Em Sumaúma, em aliança com os povos da floresta, nos vemos na linha de frente, correspondentes de uma guerra travada contra a natureza há mais de 500 anos no Brasil. E não lutamos para vencer, mas para viver.
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