Trump, Rei de Israel. Artigo de Raniero La Valle

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21 Novembro 2025

"A pretensão de indulto de Netanyahu chega de Trump nas asas de uma verdadeira apologia do genocídio. E essa é a 'mudança no mundo' que é anunciada: reside na passagem do 'nunca mais' que a humanidade inteira havia proclamado após o extermínio de judeus, dos ciganos e dos outros marginalizados perpetrado pelo nazismo, para a reintegração, normalização e homologação do genocídio, agora assimilado à guerra e ao massacre, não mais como 'dano colateral' do próprio povo 'inimigo'".

O artigo é de Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, publicado em Prima Loro, 17-11-2025. A tradução é de Luisa Rabolini

Eis o artigo. 

Abaixo, transcrevemos a carta na qual Trump, em 12 de novembro, pediu a Herzog que concedesse um indulto a Netanyahu, que está sendo processado pelos tribunais israelenses, pois ela explica mais do que muitos discursos sobre o estado atual do mundo:

“Prezado Sr. Presidente Isaac Herzog, é uma honra para mim escrever-lhe neste momento histórico, pois juntos acabamos de garantir uma paz que foi buscada por pelo menos 3.000 anos. Agradeço-lhe, e a todos os israelenses, mais uma vez, por sua gentil e calorosa hospitalidade, e abordo um tema central do meu discurso ao Knesset. Enquanto o Grande Estado de Israel e o incrível povo judeu superam os tempos terrivelmente difíceis dos últimos três anos, convido-o a conceder indulto a Benjamin Netanyahu, que foi um primeiro-ministro formidável e decisivo em tempos de guerra e que agora está conduzindo Israel a um período de paz, o que inclui meu contínuo trabalho com os principais líderes do Oriente Médio para adicionar muitos outros países aos Acordos de Abraão, que estão mudando o mundo.

O primeiro-ministro Netanyahu se manteve firme em defesa de Israel diante de fortes adversários e probabilidades desfavoráveis, e sua atenção não pode ser desviada desnecessariamente.

Embora eu respeite absolutamente a independência do judiciário israelense e suas exigências, acredito que este “caso” contra Bibi, que lutou ao meu lado por muito tempo, inclusive contra um inimigo muito difícil de Israel, o Irã, é uma perseguição política e injustificada.

Isaac, estabelecemos uma ótima relação, pela qual sou muito grato e honrado, e concordamos, desde que assumi o cargo em janeiro, que o foco deve se concentrar finalmente em trazer os reféns para casa e finalizar o acordo de paz.

Agora que alcançamos esses sucessos sem precedentes e estamos mantendo o Hamas sob controle, é hora de permitir que Bibi una Israel, concedendo-lhe um indulto e encerrando a guerra legal de uma vez por todas.

Agradeço sua atenção a este assunto.

Cordiais saudações,

Donald J. Trump, Presidente dos Estados Unidos da América”.

Essa carta confirma, como escrevemos em um artigo para a Rocca, posteriormente não publicado, que o plano de paz de 20 pontos para Gaza, lançado por Trump em conjunto com Netanyahu, tinha revelado uma realidade repleta de implicações: ou seja, que o verdadeiro governo do Estado de Israel está nos Estados Unidos.

Até então, acreditava-se que a influência dos Estados Unidos sobre Israel era significativa, mas não determinante, a influência de um poderoso aliado: por exemplo, as recomendações prudenciais de Biden haviam sido ignoradas por Netanyahu após os eventos de 7 de outubro. Agora, porém, trata-se de uma verdadeira substituição: Trump rei de Israel. Havia se visto isso quando os Estados Unidos, assumindo o lugar de Israel, bombardearam as instalações nucleares iranianas com bombardeiros B-2; havia-se visto isso quando Trump decidiu assumir o "trabalho" que Netanyahu não conseguia concluir em Gaza, exigindo a rendição imediata do Hamas sem sequer se dar ao trabalho de lhe perguntar, para assumir depois diretamente o controle de Gaza ou, alternativamente, concluir rapidamente o genocídio e alcançar a solução final para a questão palestina no sentido desejado por Israel; e estamos vendo isso agora com a pretensão de um "indulto para Benjamin Netanyahu". Mas por qual crime? Pelo crime banal, infelizmente comum na política, de corrupção e lucro privado — ou seja, como Trump diz fora das câmeras, champanhe e relógios?

Essas são besteiras, essa é, escreve Trump, "uma perseguição política injustificada" contra alguém que "foi um primeiro-ministro formidável e decisivo em tempos de guerra e agora está conduzindo Israel a um período de paz", junto comigo, "para adicionar muitos outros países aos Acordos de Abraão que estão mudando o mundo". Bem, o indulto que se sobrepõe aos procedimentos judiciais (e que Herzog, por decência, não podia deixar de opor a Trump) é a expressão máxima da "soberania" dos chefes de Estado que, ao secularizar um conceito teológico, como diz Carl Schmitt, garantem que eles não devam satisfações a ninguém e exerçam uma onipotência, sobre a vida e a morte dos súditos, equivalente àquela atribuída à graça de Deus. Ao reivindicar esse poder, Trump se apresenta como o verdadeiro soberano de Israel, capaz de restaurar uma paz que, segundo ele, falta há 3.000 anos e é evidentemente aquela do Reino bíblico de Davi. Mas, a esse ponto, não está mais em jogo apenas a paz para Israel, os Emirados Árabes Unidos e o Oriente Médio: está em jogo a tarefa, em conjunto com Netanyahu, de "mudar o mundo", de finalmente lhe dar um governo feliz. Isso, na cultura e na tradição de Israel, na qual Trump se insere como o verdadeiro líder há muito esperado, significa o cumprimento das promessas messiânicas, da "Geulah", ou redenção do mundo, que até agora os rabinos haviam afirmado ser obra não mundana, mas divina, às custas de tornar a vida judaica uma "vida vivida no adiamento". É o sionismo da direita religiosa que implementou essa "imposição" messiânica no Estado de Israel; essa é a eleição oficialmente recebida e sancionada na Lei fundamental de Israel de 2018, que reserva Jerusalém e toda a Palestina exclusivamente para Israel e exclui uma cidadania política e estatal ("a autodeterminação") para qualquer outro povo que não seja o povo hebraico. Esse é o sionismo político que se fortaleceu com o terrorismo do Irgun de Begin e do Haganá, e que Netanyahu abraçou e celebrou apresentando-se perante a Assembleia Geral da ONU em 27 de setembro do ano passado, atribuindo a si mesmo a mesma tarefa de Moisés ao entrar na Terra Prometida: deixar às futuras gerações a bênção ou a maldição. Algo que o primeiro-ministro israelense fez apresentando dois mapas à atônita Assembleia da ONU: um mostrando os países abençoados e o outro mostrando os povos amaldiçoados, muçulmanos ou árabes, do Irã à Síria e ao Iraque, atribuindo assim um improvável mandato de extermínio ao próprio Deus; e é esse o Netanyahu que "se manteve firme em defesa de Israel" ao lançar as Idf (o exército israelense) no "trabalho" da eliminação dos palestinos em Gaza, chamando-a de "Operação Carruagens de Gideão", em referência ao lendário "juiz" e líder de Israel que subjugou os midianitas, não com carros de guerra (subentende-se "tanques"), mas com trombetas e tochas, acabando por cair na idolatria.

Assim, Trump se coloca no fim da linha messiânica, não do messianismo sacerdotal, profético ou apocalíptico, mas sim do messianismo real e davídico, que inaugura "um tempo de paz", propiciado por uma guerra travada pelo "grande Estado de Israel" de maneira "formidável e decisiva", uma guerra que é um genocídio e também é o verdadeiro crime de Netanyahu, pelo qual ele está sendo investigado pelo Tribunal Penal Internacional.

A pretensão de indulto de Netanyahu chega de Trump nas asas de uma verdadeira apologia do genocídio. E essa é a "mudança no mundo" que é anunciada: reside na passagem do "nunca mais" que a humanidade inteira havia proclamado após o extermínio de judeus, dos ciganos e dos outros marginalizados perpetrado pelo nazismo, para a reintegração, normalização e homologação do genocídio, agora assimilado à guerra e ao massacre, não mais como "dano colateral" do próprio povo "inimigo".

Chegados nesse ponto, será que a política pode se distrair e falar de outra coisa?

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