05 Mai 2025
A imagem do papa-rei de Mar a Lago, Trump com mitra e batina de pontífice, se soma à iconografia autoproduzida de selfies presidenciais, as imagens virais que o retratam como imperador romano, apóstolo de Cristo, fisiculturista ou super-herói, uma galeria na qual o grotesco se sobrepõe à constatação da pseudo-religião que impregna o culto a Trump. A imagem havia sido precedida em alguns dias por uma resposta improvisada sobre as preferências para o conclave.
A reportagem é de Luca Celada, publicada por Il Manifesto, 04-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Trump havia se autodenominado, mas acrescentou: “Devo dizer que temos um ótimo cardeal de Nova York”, referindo-se ao arcebispo tradicionalista Timothy Dolan.
A publicação da imagem coincidiu, além disso, com mais uma cerimônia de oração, imposição de mãos, hinos religiosos e pelo menos um homem literalmente prostrado diante do benevolente soberano. Os rituais habituais do imaginário fundamentalista especialmente evangélico que é componente fundamental do café da manhã Maga. “Deus instalou este governo”, disse Trump, decretando que a separação constitucional entre a igreja e o estado havia sido derrubada, e aproveitando a oportunidade para anunciar uma nova Comissão para a Liberdade Religiosa (além da comissão anterior contra a ‘perseguição dos cristãos’). Entre os designados defensores da fé está o próprio cardeal Dolan apoiado por Trump para o trono de Pedro.
E na galáxia fundamentalista, os católicos tradicionalistas estadunidenses ocupam um lugar-chave desde que Charles Coughlin, na década de 1930, um padre conservador e antissemita, inventou o que viria a se tornar um canal privilegiado de comunicação da direita com as queixas anti-Roosevelt transmitidas pelo rádio.
A conferência dos bispos estadunidenses, da qual Dolan é membro, expressa hoje algumas das posições mais reacionárias dentro da igreja e formou um polo principal de oposição às reformas e à doutrina da igreja dos pobres de Francisco. Alguns dos prelados conservadores chegaram ao ponto de pedir a exclusão do católico Biden da Eucaristia, e para muitos deles o papa autêntico nunca deixou de ser Bento XVI. Também em sintonia com os bispos estadunidenses estava Carlo Maria Viganò, ex-núncio apostólico nos Estados Unidos, um dos apoiadores católicos mais explícitos de Trump, cuja oposição incansável acabou lhe rendendo a excomunhão promulgada pelo Papa Francisco, a quem Viganò chegou a chamar de “falso profeta” e “servo de Satanás”. Menos explícito, mas igualmente ferrenho inimigo do reformismo, é Raymond Leo Burke, cardeal de St. Louis, ex-prefeito da Assinatura Apostólica e defensor da Missa Tridentina, a quem Francisco removeu de seus cargos na Cúria.
“Seu objetivo foi desacreditar Francisco e sua agenda progressista, e garantir que o próximo papa seja alguém alinhado com a concepção deles”, declarou Gareth Gore, autor de Opus: The Cult of Dark Money, Human Trafficking, and Right-Wing Conspiracy inside the Catholic Church, um livro sobre a corrente arquiconservadora na igreja dos EUA. “Aquele projeto está agora se tornando operacional”. O livro de Gore, publicado em outubro do ano passado, documenta, entre outras coisas, a operação com a qual a direita católica assumiu o controle da Suprema Corte estadunidense, o mais alto órgão constitucional no qual agora têm assento 6 juízes católicos dos 9 (a única sem vínculos é a progressista Sonia Sotomayor).
Trata-se de uma centralização singular em um país onde os católicos representam 18% da população, e o efeito tangível de uma operação meticulosamente gerida pela Federalist Society, uma associação de jurisprudência conservadora liderada por Leonard Leo. Um dos principais defensores da associação foi o juiz da Suprema Corte Antonin Scalia, que compartilhava com Leo uma afinidade pela Opus Dei.
O advento de Trump marcou posteriormente uma sinergia crescente entre o regime da Casa Branca e os círculos mais reacionários do catolicismo. O fascínio dos ambientes mais reacionários do Vaticano envolveu figuras como Steve Bannon que, como diretor do Breitbart News, confiou um escritório de correspondência do Vaticano ao padre Thomas Williams, ligado à Congregatio Legionariorum Christi de Marcial Maciel Degollado. Bannon chegou a tentar, na sequência, estabelecer sua famosa “escola para gladiadores” nacional-populista no mosteiro cartuxo de Collepardo, no Lácio.
A direita católica agora tem em JD Vance seu homem na Casa Branca, que interpreta com zelo de convertido doutrinas como a ordo amoris, que o colocaram em colisão direta com o Papa. E o olhar dos tradicionalistas agora se volta para o conclave.
Gareth Gore, entrevistado por Nina Burleigh, afirmou que a direita católica estadunidense foi se preparando longamente para esse momento. De acordo com a jornalista, isso incluiu “uma campanha de materiais comprometedores na qual ex-agentes da CIA e do FBI estiveram ocupados procurando tais materiais sobre os papáveis progressistas”.