"O catolicismo não-conciliar é intimamente imperialista - sustentando graças a milhões de dólares bolsões de resistência ao pontificado de Francisco, a fim de torná-los vassalos de um projeto que transforma o universalismo católico da Igreja em uma megasseita global (cuja sede está nos Estados Unidos). Isso enquanto eles servirem e forem convenientes, para serem deixados à própria sorte caso se tornem um incômodo para o novo americanismo católico que se entregou às mãos de Trump", escreve Marcello Neri, teólogo e padre italiano, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 22-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O texto foi publicado originalmente no IHU no dia 22-07-2024.
A renúncia de Biden à candidatura democrata para a próxima eleição presidencial encerra simbolicamente a temporada do catolicismo estadunidense inspirado e movido pelo Vaticano II. A escolha do presidente em exercício torna evidente uma condição que existe há tempo no país. Se o primeiro presidente católico da história estadunidense teve que se legitimar perante a nação - perante as suas elites e a estrutura democrática das instituições do país, Biden teve que se justificar de alguma forma perante sua própria Igreja - sem nunca ter recebido um real endosso dos bispos estadunidenses. O silêncio quase completo por parte da classe episcopal diante dos eventos de 6 de janeiro de 2021 deixou explícito não apenas qual era sua orientação política, mas também o fato de que, para apoiá-la e afirmá-la, o estavam prontos a encerrar a longa temporada democrática da experiência estadunidense.
Aquele foi o dia em que ficou claro para o mundo que a temporada conciliar estadunidense tinha irrevogavelmente se encerrado: não apenas em termos de representação dentro da Igreja, mas também em termos de sua representação pública. Biden representou o último momento de um catolicismo social não individualista e partidário, imbuído de tons e modos suaves em seu explicitar-se dentro dos assuntos do país, capaz de sustentar e apoiar a complexidade do tecido social estadunidense sem se enrijecer em posições identitárias que, em última análise, acabam deixando um segmento da população solitário no enfrentamento da vida humana e social.
A Igreja Católica dos EUA tem agora no candidato republicano à vice-presidência, J.D. Vance, a representação política que há muito procurava - iniciando assim uma nova temporada de americanismo de uma Igreja que, ao contrário do que aconteceu na virada dos séculos XIX e XX, não é vista com desconfiança por Roma, mas assume o ônus e a responsabilidade de se propor como a força motriz por trás da desconfiança católica em relação ao Vaticano (em particular ao Papa Francisco).
Ao se ler, mesmo que superficialmente, o texto da Heritage Foundation Mandato para a Liderança. A Promessa Conservadora - Projeto 2025, percebe-se rapidamente não apenas a tomada de distância da Igreja estadunidense em relação ao atual pontífice, mas também sua dispensa da doutrina social da Igreja Católica como um todo. Esse fato revela um uso discricionário do próprio conceito teológico de tradição, que é erguido como bastião da verdade católica em termos seletivos e funcionais para fins que muitas vezes têm pouco a ver com a proclamação do Evangelho.
A escolha de Biden expôs um catolicismo que, em sua maioria (especialmente entre as gerações mais jovens) e em grande parte do corpo episcopal, escolheu o caminho de um isolacionismo provincial - nisso, espelho de uma América que pensa que só pode ser grande se cuidar exclusivamente de si mesma.
Em sua trama, esse catolicismo não-conciliar é intimamente imperialista - sustentando graças a milhões de dólares bolsões de resistência ao pontificado de Francisco, a fim de torná-los vassalos de um projeto que transforma o universalismo católico da Igreja em uma megasseita global (cuja sede está nos Estados Unidos). Isso enquanto eles servirem e forem convenientes, para serem deixados à própria sorte caso se tornem um incômodo para o novo americanismo católico que se entregou às mãos de Trump.
A saída de Biden da cena política nos entrega, simbolicamente, à entrada em campo do americanismo católico, populista e exclusivo (em muitas de suas expressões). Um catolicismo em que não há lugar para a alegria do Evangelho, mas apenas para a raiva do ressentimento - habilmente manipulada por aquela parte da sociedade estadunidense que vê em Trump o messias que tornará a América grande de novo.
Uma raiva que exige ser paga a caro preço por todos aqueles que supostamente são os responsáveis por sua causa - combinando, em uma mistura explosiva, o evangelho da prosperidade com aquele da vingança.