26 Setembro 2024
O presidente de extrema-direita alertou o mundo sobre o “trajeto trágico” adotado pelas Nações Unidas e rejeitou “as políticas coletivistas da Agenda 2030” e do Pacto Futuro.
A reportagem é de Mercedes López São Miguel, publicada em El Diario, 25-09-2024.
O presidente argentino, Javier Milei, estreou na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) alertando sobre o “trajeto trágico” que esta instituição tem adotado. Acusou a organização de ser “socialista” e rejeitou “as políticas coletivistas da Agenda 2030”.
Tal como já tinha sublinhado no Fórum de Davos, o presidente de extrema-direita garantiu que irá combater os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pela ONU em 2015 e aos quais a Argentina sempre reconheceu e aderiu. Até agora. Trata-se de esforços multilaterais para cumprir os objetivos de erradicação da pobreza, cuidado do ambiente e respeito pelos direitos humanos que todos os países se comprometeram a cumprir antes de 2030.
“A Agenda 2030 nada mais é do que um programa governamental supranacional de natureza socialista, que visa resolver os problemas da modernidade com soluções que ameaçam a soberania do Estado-nação e violam o direito à vida, à liberdade e à propriedade dos povos”, afirmou Milei em um discurso áspero com conotações messiânicas.
No caso da América Latina, a proposta da ONU inclui temas como a eliminação da pobreza, a redução da desigualdade, o crescimento econômico inclusivo com trabalho digno e as alterações climáticas, entre outros.
O presidente de extrema-direita disse que o seu objetivo é “dizer ao mundo” o que acontecerá se as Nações Unidas continuarem a promover políticas coletivistas. “Transformou-se num Leviatã com vários tentáculos que procura decidir não só o que cada Estado-nação deve fazer, mas também como todos os cidadãos do mundo devem viver”.
Milei, que se definia como um “economista liberal libertário”, em nenhum momento mencionou ao mundo a dívida externa que a Argentina contraiu com o Fundo Monetário Internacional (44 bilhões de dólares) durante o governo do conservador Mauricio Macri - do ministro da Economia, Luis Caputo, que hoje desempenha a mesma tarefa. Também não se referiu aos números da economia, que pioraram drasticamente desde que assumiu o cargo em dezembro passado.
Mercedes D'Alessandro, economista, aponta ao elDiario.es os efeitos que o país poderá ter com esta mudança de posição. “Milei em Davos já deixou clara a sua posição: o feminismo e o ambientalismo são obstáculos ao desenvolvimento e ao mercado livre. Portanto, isto pode ter consequências negativas para a Argentina. Por exemplo, se o Banco Interamericano de Desenvolvimento pretende financiar políticas contra a fome, para que um milhão de crianças não durma sem jantar (número divulgado pela Unicef numa campanha), pode não ter incentivo para alocar esses fundos, já que o Estado argentino não cumprirá os objetivos do pacto nem dos acordos internacionais. Então, pode impactar os investimentos”.
Em busca de investimentos, Milei, acompanhado de seu ministro Caputo, se reuniu novamente com o magnata da tecnologia Elon Musk, desta vez em Nova York. D'Alessandro acrescenta: “Musk já disse que vai investir, claro, com certeza o fará em relação ao lítio e no âmbito do RIGI: sem ter que contratar funcionários, sem pagar uma série de impostos, em situação privilegiada. De qualquer forma, ainda não vimos nenhum investimento. De fato, o Produto Interno Bruto caiu 3,4% no primeiro semestre, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Censos, devido à recessão e à queda do consumo”.
O ultrapresidente não mencionou as alterações climáticas, uma das grandes ameaças planetárias, no seu discurso. Tal como fez o seu aliado ideológico Jair Bolsonaro quando governou o Brasil, Milei chama o risco climático “mais uma mentira do socialismo” e opõe-se a qualquer acordo que mitigue este flagelo. A assinatura do Decreto de Necessidade e Urgência anulou a Lei 26.815 de Manejo e Controle de Incêndios, e desta forma o Estado nacional ignora catástrofes, como os incêndios que atualmente combate a província de Córdoba.
Nessa linha, Milei anunciou que a Argentina também vai se dissociar do Pacto Futuro, que prevê 56 ações para enfrentar desafios como as mudanças climáticas, a manutenção da paz, o direito internacional, a arquitetura financeira global e as ameaças potenciais da inteligência artificial (IA). Uma das ações propõe alcançar “a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e jovens como uma contribuição decisiva para o avanço de todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”. O Pacto Futuro foi assinado pela grande maioria dos países que compõem a ONU e rejeitado por um pequeno grupo de nações como a Rússia, o Irão, a Nicarágua e a Coreia do Norte.
A Argentina fica mais isolada. Desde que assumiu o cargo, há nove meses, o presidente teve divergências diplomáticas com Espanha, Brasil, México, Colômbia e Chile. Nesta assembleia da ONU, antes de Milei falar, o seu homólogo colombiano Gustavo Petro fez um comentário eloquente. “São eles que dizem o que se pensa, o que se diz, o que deve ser proibido e silenciado. E no seu poder de censura gritam ‘viva a porra da liberdade’, mas é apenas a liberdade do 1% mais rico da população mundial”.
Nessa linha, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, também nas Nações Unidas, parecia fazer alusão a líderes de extrema-direita como Milei. “Num mundo globalizado não deveríamos recorrer a falsos patriotas, mas também não deveríamos recorrer à esperança oferecida pelos ultraliberais que agravam as dificuldades da região”.
A Argentina muda sua posição perante o mundo e abandona a neutralidade nos conflitos internacionais. Foi o que Milei antecipou: “A partir de hoje, saibam que a Argentina vai abandonar a posição de neutralidade histórica que nos caracterizou e estará na vanguarda da luta em defesa da liberdade”. É conhecido o seu alinhamento com Israel, que destacou como “o único país do Oriente Médio que defende a democracia liberal”.
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Milei declara guerra à Agenda 2030 e isola Argentina na ONU - Instituto Humanitas Unisinos - IHU