12 Junho 2024
"E Francisco? Para o historiador Lesti, Bergoglio 'não é apenas o primeiro papa não europeu depois de 1.282 anos. Ele também é o primeiro papa não euro-mediterrâneo em absoluto, bem como o primeiro vindo do Sul do mundo'. Tendo dito isso, durante o seu pontificado, Francisco alternou duas estratégias sobre o mito das raízes cristãs", escreve Fabrizio D'Esposito, professor italiano, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 10-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Que fim levaram as fatídicas raízes cristãs da Europa nesta longa campanha eleitoral?
Claro que há quem, como algumas associações antiabortista, tenha recomendado votar apenas em candidatos das direitas em nome dos valores não negociáveis. Mas nem mesmo uma sombra das raízes. No final foi o costumeiro General Vannacci a proclamar querer uma Europa cristã.
Parva res, em todo caso, e não apenas porque o vannaccismo ganhou mais destaque com os inquietantes apelos fascistas à Décima Mas. Mas sobretudo porque noutros tempos – por exemplo, na mobilização incentivada por João Paulo II há vinte anos – as raízes cristãs foram uma bandeira de conservadores e clericais de direita para alimentar o choque de civilizações com o Islã após o 11 de Setembro. Um mito em desuso, então? E por que mito? Quem usa esse termo é o historiador Sante Lesti em um ensaio intitulado precisamente Il mito delle radici cristiane dell’Europa (O mito das raízes cristãs da Europa, em tradução livre, Einaudi, 305 páginas, 26 euros).
O estudioso explica: “Muitas vezes há uma fronteira sutil – ou melhor, sutilíssima – entre o verdadeiro e o falso. E o caso das ‘raízes cristãs da Europa’, que podem ser tanto uma representação objetiva, até científica, da realidade, quanto uma representação ideológica da própria realidade, isto é, um mito". E quem inventou o mito, filho mais da ideologia do que da realidade, foi a Contrarrevolução francesa e europeia da última década do século XVIII que apresentou o cristianismo “como o elemento fundamental” do passado do Velho Continente. Hoje esse mito resiste mais na Europa Oriental do que na Europa Ocidental: “O mais ferrenho defensor do mito foi, na última década, o ministro presidente da Hungria, Viktor Orbán. Após seu retorno ao governo em 2010, Orbán empreendeu um caminho coerente (…) de transformação do país em uma 'democracia cristã iliberal' e explicitamente eurocética". Por uma razão muito específica: “As raízes cristãs da Europa tornaram-se o leitmotiv da sua campanha contra a redistribuição dos requerentes de asilo na União Europeia e, em geral, da entrada de migrantes na União e na Hungria".
De João Paulo II e também de Bento XVI a Orbán, portanto. E Francisco? Para o historiador Lesti, Bergoglio “não é apenas o primeiro papa não europeu depois de 1.282 anos. Ele também é o primeiro papa não euro-mediterrâneo em absoluto, bem como o primeiro vindo do Sul do mundo". Tendo dito isso, durante o seu pontificado, Francisco alternou duas estratégias sobre o mito das raízes cristãs. De um lado tentou atualizá-lo. Do outro, deixou-o de lado "para não legitimar o seu uso como identitário e antimigratório das direitas europeias".
Neste momento a estratégia de deixar de lado parece prevalecer. Aqui está o que Francisco escreve na carta sobre a Europa dirigida ao primeiro-ministro do Vaticano, Parolin, em 22 de outubro de 2020: “Sonho com uma Europa saudavelmente secular, em que Deus e César são distintos, mas não contrapostos. Uma terra aberta à transcendência (…). Os tempos do confessionalismo acabaram, mas – espera-se – também aqueles de um certo secularismo que fecha as portas aos outros e sobretudo a Deus”. Resumindo: um discurso sem raízes.
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Urnas UE. As raízes cristãs desapareceram dos comícios: já são mais caras a Orbán do que a Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU