24 Abril 2024
A guerra na Ucrânia e a tensão no Oriente Médio impulsionam o investimento em defesa em todos os continentes. Na Europa, o aumento ocorre devido à ameaça russa.
A reportagem é de Diego Stacey, publicada por El País, 24-04-2024.
O eco das guerras na Ucrânia e em Gaza, somado às tensões entre os Estados Unidos e países como China e Irã, incentiva um mundo cada vez mais volátil a se armar em um ritmo urgente. O gasto militar global aumentou 6,8% em 2023, o maior aumento em 15 anos, de acordo com dados publicados na segunda-feira pelo Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (Sipri). O avanço é significativo na Europa e está de acordo com o seu compromisso de investir cada vez mais para contrabalançar a ameaça russa e a dependência de Washington, embora o aumento global se explique principalmente pelo aumento em todas as regiões do mundo.
"O gasto militar mundial atingiu o nível mais alto da história e não mostra sinais imediatos de desaceleração", afirma Diego Lopes da Silva, pesquisador sênior do Sipri e coautor do estudo, que rastreia esses dados desde 1988. Após uma década de aumento contínuo, um novo máximo foi alcançado, atingindo US$ 2,4 trilhões (€ 2,2 trilhões), uma cifra comparável ao Produto Interno Bruto (PIB) da Rússia. O especialista explica que a guerra em grande escala lançada por Vladimir Putin na Ucrânia "mudou a percepção de que os conflitos convencionais [entre atores estatais] não eram algo do passado" e isso levou os governos a se concentrarem na defesa.
Diante do cenário de uma guerra que já dura dois anos, a Europa decidiu aumentar seus esforços de investimento militar. Os dados do Sipri mostram que o continente aumentou os gastos em 16% em apenas um ano (10% excluindo Ucrânia e Rússia), ficando atrás apenas da África (22%) e muito à frente do Oriente Médio (9%) ou América (2,2%). O aumento está em linha com o objetivo da maioria dos países europeus de dedicar mais dinheiro à defesa, conforme proposto pela UE. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, enfatizou na semana passada a necessidade de "gastar mais e gastar melhor" diante das "intenções dos [regimes] autoritários", referindo-se a Irã, Rússia ou Coreia do Norte.
O aumento nos gastos na Europa ocorre também em um contexto vulnerável para a Ucrânia. Apesar do fracasso da contraofensiva no verão passado, o exército russo conseguiu avançar em várias posições desde o inverno. A situação difícil das forças ucranianas ocorre apesar do grande investimento do país, que pela primeira vez está entre os 10 maiores gastadores, superando potências como França, Japão ou Israel. Além disso, o governo de Volodymyr Zelensky dedicou 37% do PIB da Ucrânia aos gastos militares, mais do que qualquer outro país do mundo (a Rússia dedicou 5,9%).
Para Da Silva, "o espaço fiscal para que a Ucrânia aumente seus gastos é muito estreito e ela precisa da ajuda de seus parceiros ocidentais". No entanto, continuam surgindo vozes que questionam a capacidade do exército ucraniano de vencer a guerra, uma delas na disputa pela Casa Branca: Donald Trump. Além disso, o candidato republicano também questionou os fundamentos de defesa da OTAN e disse que, sob seu mandato, os EUA não defenderão os países membros da Aliança que não atingirem a meta de gastos de 2% do PIB. Apesar de tudo isso, Kiev marcou um grande gol no sábado, com a aprovação pela Câmara dos Representantes dos EUA de uma ajuda de US$ 60,84 bilhões (cerca de € 57 bilhões).
A já significativa instabilidade provocada pela invasão russa e pelo ataque do Hamas em Israel em outubro, que desencadeou a guerra em Gaza, levou as tensões militares ao máximo. Os gastos no Oriente Médio em 2023 aumentaram mais do que em qualquer outro ano da última década, segundo o Sipri. Em Israel, o investimento militar aumentou 24%, especialmente nos últimos três meses do ano. Enquanto a média mensal antes do conflito era de € 1,6 bilhão, em dezembro esse valor subiu para € 4,4 bilhões. "Para 2024, esperamos que os gastos de Israel continuem aumentando, à medida que a guerra em Gaza continua, assim como as tensões regionais", disse Da Silva.
Outro ator importante na região é o Irã, que aumentou os gastos para a Guarda Revolucionária, o corpo armado responsável por apoiar e treinar grupos aliados, como o Hezbollah no Líbano, o Hamas em Gaza ou os houthis no Iêmen. Além disso, Teerã aumentou o financiamento para a indústria que desenvolve drones, que se tornaram um dos seus maiores ativos militares.
Os EUA, com uma influência significativa no Oriente Médio, têm se preparado há anos para um conflito em que possam ser arrastados para agir. Sob a presidência de Joe Biden, Washington permaneceu como o país com os maiores gastos militares do mundo. Em 2023, investiu € 859 bilhões, capturando 37% da parcela global, três vezes mais do que a China (12%), de acordo com dados do instituto sueco. Sua prioridade foi a categoria de "pesquisa, desenvolvimento, teste e avaliação", o que mostra que está se afastando cada vez mais das operações contra insurgentes e das guerras assimétricas para se concentrar no desenvolvimento de novos sistemas de defesa e ataque. Enquanto isso, a China —em segundo lugar no ranking— aumentou o investimento pelo 29º ano consecutivo. No entanto, o ritmo desacelerou nos últimos anos devido à desaceleração da economia.
O terceiro país que mais investe no mundo é a Rússia, que dedicou 5,9% do PIB aos gastos militares, o nível mais alto desde a dissolução da União Soviética. No entanto, o Sipri observa que, devido à opacidade de Moscou em relação ao financiamento militar, esse número pode ser muito maior. O aumento dos gastos (24%) foi possível devido à robustez da economia russa, que conseguiu lidar com as sanções ocidentais ao petróleo e ao gás e que é sustentada por seu vasto fundo soberano. O FMI revisou na semana passada sua perspectiva de crescimento para a Rússia para 3,2% em 2024, acima dos EUA (2,7%) ou da zona do euro (0,8%).
Em 2023, 11 países da OTAN atingiram a meta de gastos de 2% do PIB em defesa, quatro a mais do que no ano anterior. Os 31 Estados que faziam parte da Aliança Atlântica no ano passado — excluindo a Suécia, que aderiu em março — representaram 55% dos gastos militares globais e um investimento que ultrapassa um trilhão de euros.
Apenas três países reduziram o financiamento: Grécia, Itália e Romênia.
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O gasto militar mundial atinge um novo máximo com o aumento mais acentuado em 15 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU