20 Abril 2024
“Aquele de sábado foi um ataque iraniano, no qual o Hezbollah participou simbolicamente, lançando foguetes regulares de acordo com regras de combate bem estabelecidas. Certamente Israel pode argumentar que o Hezbollah é um proxy iraniano e que o ataque teve origem em parte no Líbano". Mohanad Hage Ali é vice-diretor de pesquisa do Centro Malcolm H. Kerr Carnegie para o Oriente Médio em Beirute. Seu trabalho se concentra nas mudanças e evoluções dos grupos islâmicos após as revoltas árabes. Em 2017, ele escreveu um livro sobre o Hezbollah, intitulado Nationalism, Transnationalism, and Political Islam: Hizbullah's Institutional Identity [Nacionalismo, Transnacionalismo e Islã Político: A Identidade Institucional do Hizbullah].
A entrevista é de Francesca Mannocchi, publicada por La Stampa, 18-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os olhos do mundo estão voltados para o próximo passo de Israel. Qual a probabilidade do Líbano pagar o preço dessa escalada?
É uma das opções na mesa de Benjamin Netanyahu para responder ao ataque iraniano. Há forças dentro de Israel que pressionam para que as prioridades continuem sendo a operação em Gaza e o front norte, ou seja, o sul do Líbano e alcançar os objetivos nessas duas frentes, em vez de expandir o conflito para um confronto direto com o Irã. Nessa perspectiva, o ataque iraniano poderia servir como o pretexto que Israel procurava para intensificar as tensões com o Hezbollah. Israel vem ameaçando há meses lançar uma grande operação no Líbano se o Hezbollah não se retirar da fronteira sul para permitir que dezenas de milhares de pessoas deslocadas regressem para casa em segurança. Vamos ler do lado do Líbano.
O Hezbollah mostrou moderação nas suas respostas, enfatizando publicamente que não quer um conflito total, tentou evitar vítimas civis israelenses, escolheu os alvos meticulosamente tentando confinar a área operacional. Isso até agora. Se todos decidirem tirar as luvas, haverá um preço a pagar, para todos, em termos de vítimas civis, de consenso interno (sobretudo em relação ao Hezbollah) e internacional para Israel.
Há dois dias, quatro soldados israelenses ficaram feridos no Líbano, um deles gravemente, depois de ser atingidos por bombas plantadas pelo Hezbollah. O Hezbollah declarou em um comunicado que seus combatentes plantaram artefatos explosivos na área de Tel Ismail, perto da fronteira com o Líbano. Fala-se que quando uma patrulha da Brigada Golani israelense entrou no Líbano e chegou à área onde as bombas foram plantadas, o Hezbollah as explodiu, causando mortes e feridos. É uma das poucas violações conhecidas da soberania libanesa pelas tropas israelenses desde o início da guerra em Gaza em outubro. Qual é a sua leitura?
Acho que Israel está testando o Hezbollah. Se olharmos para o conflito de 2006, Israel conduziu uma operação no campo, sofreu pesadas perdas, cerca de 180 soldados morreram no ataque. Penso que estejam tentando testar a defesa do Hezbollah e suas capacidades na área antes de lançar qualquer operação desse tipo. E o Hezbollah está dizendo: estamos preparados, poderíamos tirar as luvas.
Quais os riscos para o Hezbollah em termos de consenso interno?
Veja, Israel não está escondendo as suas intenções, está dizendo: peguem uma foto de Gaza, vejam os danos e imaginem Beirute. Estão claramente tentando assustar os libaneses, mas também acho que estão falando sério. O Líbano está muito polarizado, há uma grande parcela da população que se opõe ao envolvimento do Hezbollah nesse conflito, considerado inútil e desconectado de sua vida cotidiana e mais conectado às aspirações transnacionais do Hezbollah numa causa que está a alguns milhares de quilômetros de distância deles. Para uma grande parcela da população libanesa as prioridades são o desenvolvimento e a solução das diversas crises, mas certamente não apoiam a participação num conflito em solidariedade com a Faixa de Gaza. O Líbano já está pagando um preço na frente sul, aldeias atingidas, milhares de pessoas evacuadas. Se o conflito se expandir, acredito que a oposição ao Hezbollah irá crescer, e acredito que inevitavelmente irá aumentar o envolvimento ocidental para se opor ao Hezbollah. Em segundo lugar, há as consequências internas, a relação do grupo com seus apoiadores. Com esse nível de danos, o Hezbollah precisa responder a expectativas: deve ajudar a reconstruir as cidades destruídas ao longo da fronteira sul do Líbano.
Certamente com dinheiro iraniano. Uma ampliação do conflito significaria maior destruição para as infraestruturas, para a capacidade do país de reerguer-se de uma série de crises financeiras, econômicas e políticas que o país enfrenta desde 2019 e se o Hezbollah fosse responsabilizado pelo envolvimento do país na guerra, terá que responder ao seu eleitorado.
O papel da Europa no Líbano tem muitas implicações: penso nas relações econômicas, nos fluxos migratórios. O Líbano acolhe dois milhões de refugiados, mais recentemente o vice-presidente da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, disse que a União Europeia poderia chegar a um acordo com o Líbano para conter a chegada de migrantes, especialmente dirigidos ao Chipre.
O governo cipriota pediu mais cooperação do governo libanês para limitar o fluxo de migrantes para a Europa. O Líbano elaborou uma série de pedidos, incluindo a ajuda econômica de parte da União Europeia. Esse país acolhe pelo menos um milhão e meio de refugiados sírios, centenas de milhares de refugiados palestinos que caíram abaixo da linha da pobreza. Ir para um confronto total com Israel teria um grave impacto sobre o fluxo migratório já em curso, e a Europa sofreria certamente o impacto direto no Mediterrâneo Oriental. Portanto, eu acho que a abordagem europeia será diferente no Líbano, em comparação com o que está acontecendo nos territórios ocupados, porque qualquer conflito terá um efeito que poderia envolver imediatamente de uma forma direta os países europeus, com a chegada dos fluxos migratórios.
Uma semana depois do ataque de 7 de outubro e do início da guerra em Gaza, você escreveu: “O Hezbollah levou pelo menos duas décadas para construir uma capacidade de dissuasão e agora, talvez seja prisioneiro dela." O que mudou, se é que algo mudou, desde então?
Penso que o Hezbollah ainda seja prisioneiro da sua capacidade de dissuasão. Em outubro escrevi que o Hezbollah tinha demonstrado compreender o equilíbrio de poder no conflito com Israel, após de quatro décadas de experiência e o custo da guerra de 2006. O Hezbollah ainda quer evitar um conflito total no Líbano por causa de Gaza, dadas as implicações para a sua posição política num país em crise. Prefere uma escalada gradual. No entanto, o Hezbollah sabe que não pode controlar o resultado das suas ações, porque se lembra de 1993, 1996 e 2006. Penso que hoje o grupo esteja preso numa armadilha em grande parte criada por ele mesmo, com riscos elevados que podem trazer consequências potencialmente devastadoras. As alianças do partido, concebidas para funcionar como camadas adicionais de dissuasão, expuseram-no a níveis de escalada militar que tem procurado evitar desde 2006, e hoje é um bom momento para Israel para a escalada e um mau momento para o Hezbollah para reativar a dissuasão. Veja bem, essa é uma guerra longa e normalmente, independentemente do poder de um estado, uma guerra longa significa fadiga, desgaste e penso que quanto mais durar, menos será a margem de manobra. Penso que o Hezbollah deveria reativar a dissuasão mais cedo ou mais tarde, quando Israel terá dificuldades para suportar o esforço da guerra, quando Netanyahu tiver problemas internos e arriscar o colapso do seu governo, quando o apoio ocidental à guerra de Israel se tornar mais frágil e estiver sob pressão.
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“O Líbano será o novo front e corre o risco de pagar o preço mais alto”. Entrevista com Mohanad Hage Ali - Instituto Humanitas Unisinos - IHU