07 Fevereiro 2024
"A constituição de Agustín Laje como referência é reconhecida como parte integral do projeto político mileísta e tem modulações nos países latino-americanos. É um projeto intelectual que é entendido como parte de um dispositivo cultural descentralizado composto por intelectuais, textos, livros, editores, editoras, livrarias e livreiros, ativistas, militantes, partidos e fundações, jornalistas, divulgadores e meios de comunicação, mediadores e leitores, simpatizantes e adeptos", escreve Ezequiel Saferstein, sociólogo, mestre em Sociologia da Cultura pelo Idaes/Unsam e doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires, em artigo publicado por Nueva Sociedad, janeiro de 2024.
O jovem influenciador e escritor Agustín Laje tornou-se uma figura central para a direita latino-americana. Um bom polemista, ele fornece argumentos já elaborados para a batalha cultural antiprogressista e é regularmente convidado para diversos fóruns na região. O próprio Javier Milei, de quem é um aliado próximo, repetiu vários de seus argumentos em sua corrida para a Presidência argentina.
Em novembro de 2023, quando Javier Milei triunfou no segundo turno das eleições presidenciais argentinas, Agustín Laje postou uma foto ao lado do "primeiro presidente liberal libertário do mundo", tirada em 2022, e a acompanhou com o seguinte texto: "Triunfo histórico de Javier Milei e Victoria Villarruel: as ideias de liberdade venceram a máfia política, o aparato estatal, a campanha mais cara da história, os assessores de Lula [Da Silva], os empobrecedores do Foro de São Paulo, os jornalistas subornados, os artistas favorecidos, os empresários amigos do poder, os sindicalistas dinásticos, os ex-terroristas disfarçados de democratas, os lobistas de gênero, as pretensões neocoloniais da Agenda 2030, os doutrinadores e lavadores de cérebro de escolas e universidades, os padres de favela mais apaixonados por Marx do que por Cristo, em suma, todo o sistema que vive para empobrecer o povo e enriquecer uma casta privilegiada".
A partir desse momento, as redes sociais de Laje, o jovem que nos últimos anos se tornou um dos principais expoentes da chamada "nova direita" latino-americana, se transformaram em uma plataforma de celebração e apoio ao novo governo de Milei. Na verdade, no dia da posse do novo presidente, Laje, que testemunhou a cerimônia de um camarote do Congresso ao lado de seu "mentor", o escritor de extrema-direita Nicolás Márquez, postou fotografias com alguns dos presentes ao evento. Entre eles, destacavam-se Santiago Abascal, líder do partido espanhol Vox, o ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro, o primeiro-ministro da Hungria Víktor Orbán e o atual porta-voz presidencial, Manuel Adorni.
Com Milei já como presidente, as redes sociais de Laje tornaram-se uma plataforma de apoio às políticas do governo libertário. Após a participação de Milei no Fórum Econômico Mundial de Davos, onde afirmou que o Ocidente está sob a "ameaça do socialismo", Laje argumentou, entre outras coisas, que o discurso do presidente argentino era uma cátedra contra "as vacas sagradas da agenda globalista" e defendeu seus ataques ao feminismo, à "ideologia de gênero", ao "abortismo", ao ambientalismo e à tributação dos empresários bem-sucedidos - a quem ele vê como heróis não reconhecidos.
Com suas ideias revisionistas sobre a década de 1970, sua luta contra a chamada "ideologia de gênero", sua estratégia de "batalha cultural" contra o progressismo e o "globalismo", e sua vontade de articular uma "direita sem complexos", Laje, aos 35 anos, se tornou o intelectual estrela das novas direitas latino-americanas e é constantemente convidado para diversos fóruns ultraconservadores na região. Ele conseguiu construir um perfil empreendedor capaz de articular modos clássicos de intervenção da direita local e da cultura letrada em geral, com narrativas e estratégias de ativismo digital, sem que essas vias sejam contraditórias entre si.
Em seu ativismo na esfera pública digital, ele angariou milhões de seguidores de todo o mundo que não apenas o seguem em suas aparições públicas, mas também, graças aos seus conteúdos e estilo polêmico, passaram a se reconhecer como parte de uma comunidade de ativistas e militantes contra o "politicamente correto", o progressismo, o feminismo e todas as formas do que consideram parte do "marxismo cultural".
Com 2,2 milhões de inscritos em seu canal no YouTube e quase um milhão de seguidores no Instagram, Laje atua como um influenciador ou youtuber da direita latino-americana. Mas ele não quis se limitar a esse papel. Com uma licenciatura em Ciências Políticas pela Universidade Católica de Córdoba e um mestrado em Filosofia Política pela Universidade de Navarra, Laje buscou intervir seguindo as lógicas do mundo intelectual. Assim, a publicação de cartas públicas, a escrita de prefácios de livros clássicos e, mais tarde, a publicação de livros políticos próprios - primeiro em editoras de direita e depois em grandes grupos editoriais - o tornaram uma figura rara dentro de um polo ideológico que carecia de figuras jovens e agora está repleto delas. E, nesse contexto, as aparições públicas em lançamentos e conferências cada vez mais massivas, patrocinadas por organizações e think tanks, tornaram-se cada vez mais comuns.
Quais são as razões que possibilitaram que esse "cruzado da nova direita" se tornasse um fenômeno massivo? Até que ponto suas ideias antiprogressistas, anti-esquerdistas e antifeministas se inserem no chamado fusionismo de direita, que reúne setores liberal-conservadores com grupos nacionalistas reacionários? Como a batalha cultural de Laje se conecta com o mundo do livro e como esse espaço contribuiu para a amplificação das posições políticas de Javier Milei? De que forma Laje conseguiu transformar o que até recentemente eram posições marginais em parte do mainstream da conversa pública latino-americana? As respostas não são simples. Mas sua própria história pode lançar luz sobre o fenômeno.
Nascido em 1989 no seio de uma família de classe média da província de Córdoba, Laje interessou-se desde cedo por questões políticas. O mais velho de quatro irmãos, filho de um trabalhador do Poder Judiciário e de uma funcionária municipal que costumava acompanhá-lo à missa - como documentado pelo jornalista Juan Elman -, Laje cursou seus estudos secundários no Instituto Italia, uma escola privada laica voltada para os setores médios. Foi lá que, pela primeira vez, começou a adotar posições sobre assuntos espinhosos da história nacional. O tema que primeiro o convocou foi a ditadura militar argentina e o conflito da década de 1970, o mesmo que, poucos anos mais tarde, o catapultaria para o domínio público. Após concluir seus estudos secundários, começou a estudar Engenharia de Sistemas, mas as coisas mudaram quando, em 2011, obteve uma bolsa para estudar estratégias de contraterrorismo no Centro William Perry da Universidade Nacional de Defesa em Washington, DC. Ao retornar à Argentina, abandonou a carreira de Engenharia para estudar Ciências Políticas na Universidade Católica de Córdoba. Finalmente, e já com uma carreira em ascensão, mudou-se em 2019 para Navarra para fazer um mestrado em Filosofia na Universidade do Opus Dei, onde atualmente está cursando seu doutorado, sob a orientação da filósofa Montserrat Herrero.
Laje nunca hesitou em expressar suas ideias e contar sua história. No documentário autobiográfico "Querida Resistencia", ele atribui à sua avó materna a importância de cultivar um "espírito crítico". Como parte de uma narrativa que lhe permite elaborar seu "despertar", ele conta que sua avó insinuou que o que ele havia aprendido sobre a ditadura militar de 1976 era apenas "uma parte" da verdade. Entre os livros que estavam na biblioteca dela estava, precisamente, o de Nicolás Márquez: "La otra parte de la verdad. La respuesta a los que han ocultado y deformado la verdad histórica sobre la década del 70 y el terrorismo" (edição do autor, 2004). Este foi seu primeiro contato com Márquez, com quem, depois de lê-lo, procurá-lo e conectar-se com ele, estabeleceria uma relação de amizade e trabalho que seria fundamental para ingressar no círculo cultural da direita "dura".
O livro de Márquez, um dos pioneiros em relativizar o "relato oficial" sobre o que aconteceu durante a década de 1970 na Argentina, faz parte de uma série de produções e iniciativas dedicadas a promover a "memória completa" em contraste com a memória "hemiplégica" de um lado perdedor em termos de guerra, mas vitorioso em termos políticos e culturais. Laje seguiu o mesmo caminho: depois de realizar trabalhos escolares com este livro como fonte - desaprovados por seus professores -, aprofundou sua "investigação", realizou ações militantes na escola em torno da reivindicação dos "outros mortos" da ditadura, enviou cartas ao jornal La Nación, publicou colunas no jornal conservador La Nueva Provincia de Bahía Blanca, projetou páginas da web de grupos de direita, organizou um coletivo que lutava por essa causa e, finalmente, publicou seu primeiro livro, incentivado por seu mentor. Suas ideias estavam alinhadas ao que na Argentina é chamado de "procesismo", em referência ao Processo de Reorganização Nacional, como a última ditadura militar (1976-1983) se autodenominou.
O Movimento pela Verdadeira História, coordenado por Laje, foi apresentado nas páginas da revista "procesista" B1 como um espaço de jovens cordobeses que não haviam vivido a década de 1970, mas que haviam pesquisado a "sistemática falsificação do que realmente aconteceu naqueles tempos", com consequências como "o esquecimento das vítimas do terrorismo subversivo, a perseguição daqueles que o combateram e a mais desprezível impunidade desfrutada por aqueles que se levantaram em armas para nos impor um país castro-comunista".
Mas o ativismo não era suficiente. Márquez disse a ele que a direita não precisava de militantes, mas de intelectuais. Por isso, concentrou-se em uma tarefa que envolveu colocar sua pena a serviço da causa. Laje publicou vários artigos e, aos 22 anos, conseguiu publicar seu primeiro livro: "Los mitos setentistas. Mentiras fundamentales sobre la década de los 70" (edição do autor, 2011). O livro foi apresentado pelo próprio Márquez e por líderes, personalidades e ativistas que defendiam a ditadura militar. A boa recepção de "Los mitos setentistas" nos círculos da direita argentina o levou a avançar em seu empreendimento intelectual e a escrever, desta vez com Márquez, um novo livro: "Cuando el relato es una farsa. La respuesta a la mentira kirchnerista" (Contracultura, 2013). Ali, ambos os autores retomaram os argumentos banalizadores da ditadura para discutir com o kirchnerismo, movimento que, segundo afirmavam, usava a "bandeira dos direitos humanos" para impor feriados arbitrários, reivindicar o terrorismo subversivo, perseguir militares e, acima de tudo, lucrar com negócios infames.
Enquanto ganhava seu lugar como parte da comunidade político-ideológica das direitas argentinas, Laje teve um impulso latino-americano a partir de sua intervenção nas redes sociais. Sua presença no Twitter, rede à qual aderiu em 2010, e no YouTube, ao qual se juntou em 2011, mas também em fóruns como o Taringa, permitiu-lhe ampliar os cenários de encontro e formação de sociabilidades de direita. A partir desses espaços, que ele catalogou como de "resistência ao pensamento hegemônico e ao doutrinamento", Laje estendeu sua perspectiva em linha com a discursividade e a plasticidade que as direitas adquiriram no ambiente digital. Ele não se concentrou apenas nas questões associadas à década de 1970 - que sempre considerou "sua" causa -, mas também se dispôs a travar, em suas próprias palavras, uma batalha contra o "marxismo cultural, contra o feminismo radical e contra o pensamento politicamente correto".
Essa batalha, segundo Laje, deveria ser travada nas redes sociais, onde reside "o poder de nosso tempo", em detrimento dos meios de comunicação tradicionais, submetidos à "polícia do pensamento único". Diante do pecado de uma direita que ele considerava confinada ao economicismo, Laje reivindicou a importância da cultura para enfrentar a hegemonia do progressismo. Na sua perspectiva, as esquerdas haviam perdido suas gestas revolucionárias, mas haviam triunfado no terreno cultural, fixando suas ideias na academia, na mídia, na produção cultural, nos organismos internacionais e nos Estados. Essa predominância das ideias de esquerda no campo da cultura teria levado, segundo Laje, a uma "ditadura da correção política" contra a qual era necessário reagir a partir de uma posição rebelde. Laje fala sempre de uma posição vitimista, à margem e contra os meios de comunicação tradicionais.
A vocação de Laje para expor os modos como a hegemonia da esquerda se configuraria no campo cultural o levou a escrever um novo livro junto com Márquez. Publicado pelo Grupo Unión em 2016, "O livro negro da nova esquerda. Ideologia de gênero ou subversão cultural" rapidamente se tornou um sucesso editorial e marcou um antes e um depois em sua carreira. Este best-seller, que rapidamente ultrapassou as fronteiras argentinas, sistematizou sua luta contra um movimento feminista que, naquela época, estava em plena fase de massificação. Retomando argumentos cunhados por setores católicos conservadores na década de 1990, "O livro negro da nova esquerda" tornou-se a ponta de lança do combate de Laje contra a chamada "ideologia de gênero", um corpus ideológico que, segundo argumenta, seria respondido por poderes globais que, relativizando o sexo biológico, agiriam de maneira imoral, pervertendo os valores ocidentais e cristãos sobre a família e o "direito à vida". Por sua vez, este livro apresentava a captura dos espaços mainstream pela esquerda cultural utilizando termos gramscianos, como hegemonia e contra-hegemonia, algo recorrente no discurso de Laje. Tanto nos capítulos escritos por ele quanto nos escritos por Márquez, os autores tentavam deixar evidente a conquista do senso comum pela esquerda a partir do lobby de atores econômicos, políticos e ideológicos concretos, como empresas transnacionais, fundações e corporações de entretenimento.
A repercussão de "O livro negro da nova esquerda" permitiu aos autores vender dezenas de milhares de exemplares físicos e digitais em toda a região, bem como realizar turnês e apresentações em diversos países da América Latina e na Espanha. A massificação permitiu, por sua vez, a chegada de Laje e Márquez a diferentes fundações - tanto religiosas quanto laicas - e a espaços, think tanks e redes de ativistas de direita que serviram de anfitriões para diversas conferências e entrevistas. A explosão do livro foi verificada, por sua vez, em suas edições internacionais. "O livro negro da nova esquerda" conseguiu ser publicado pela HazteOir na Espanha, Pesur no Uruguai, Entre Zorro y Erizos no Chile e Movimento de Católicos Solidariedade na Colômbia. Em um contexto de expansão do movimento das mulheres e institucionalização de políticas de identidade e educação sexual, o livro foi uma mostra da capacidade de reação por meio da fusão de autores e ideias das diferentes vertentes das direitas contemporâneas: ultraliberais como Ludwig von Mises junto a tradicionalistas católicos como Plinio Corrêa de Oliveira se combinavam com releituras da direita de autores como Ernesto Laclau, Antonio Gramsci, Michel Foucault e Judith Butler.
Embora o livro seja assinado por Laje e Márquez, cada um deles cuidou de diferentes capítulos. Por isso, na introdução do livro, que em sua versão original tem na capa um "Che" Guevara queer, afirma-se que enquanto o estilo de escrita de Márquez é "polêmico, enérgico e muitas vezes sarcástico", o de Laje é "facultativo, pausado e pedagógico". Os capítulos de Laje se encaixam com a descrição: o jovem cordobês abunda em referências bibliográficas e citações de autoridade, sustentando, às vezes, um estilo narrativo conceitualmente denso que articula posicionamentos típicos de um "intelectual comprometido" com apelos à ação política.
O estilo denso e sofisticado de Laje aprofundou-se com seus livros seguintes, escritos solo. "A Batalha Cultural. Reflexões críticas para uma nova direita", publicado em 2022, e "Geração Idiota. Uma crítica ao adolescentrismo", lançado em 2023, constituíram a continuação de sua luta através do livro. "Minha caneta mudou, os autores sobre os quais me apoio mudaram, mas a motivação permanece", afirmou Laje sobre os livros que consolidaram sua massificação ao serem publicados por um grupo editorial transnacional como a Harper Collins, orientado principalmente para livros religiosos e de autoajuda. Tanto "A Batalha Cultural" quanto "Geração Idiota" e um terceiro livro, sobre o "globalismo", previsto para setembro, foram contratados pela Harper Collins Christian Publishing, a subsidiária do sul da editora nos Estados Unidos, mas foram publicados e distribuídos regionalmente pela filial da Harper Collins no México.
Somente no caso da Argentina, o livro foi impresso e distribuído pela Hojas del Sur, uma pequena editora com um catálogo de orientação semelhante ao da Harper Collins. Em "A Batalha Cultural", a dimensão de gênero e a luta contra o feminismo são subsumidas em um compêndio muito mais extenso de referências, ideias e exemplos que contribuem para a construção da batalha cultural como meio e como fim. É um livro sobrecarregado de referências teóricas e citações bibliográficas, redigido em uma linguagem mais acadêmica e erudita. Neste livro, Laje explora as acepções do conceito de cultura, conceitualiza a batalha cultural e faz um apelo programático pela formação de uma "nova direita" que articule "libertários não progressistas, patriotas não estatistas, conservadores não imobilistas e tradicionalistas não integristas", coalizando uma oposição radical ao adversário progressista de baixo para cima, como uma "guerra de guerrilhas".
Em "Geração Idiota", um livro mais breve e "mais leve", abundam os exemplos e os dados coloridos. Com métodos de cherry picking (falácia da evidência incompleta), Laje tenta mostrar como figuras como Miley Cyrus, plataformas como Netflix e empresas audiovisuais como Disney fazem parte de uma gesta woke que idiotiza uma sociedade adolescente e deconstruída. A batalha cultural, diz Laje em seu livro, deve ser travada contra eles. E para travar essa batalha, ele convoca a "rebeldia política", aderindo parcialmente ao diagnóstico feito em seus respectivos livros, pela esquerda, por Steven Forti e Pablo Stefanoni, e adicionando a metáfora do "emboscado" de Ernst Jünger, que, a partir de uma leitura conservadora, encontra a "liberdade" na recuperação de um passado valorizado: "Se o progressista planta sua rebelião contra tudo o que não foi criado por ele mesmo, o emboscado se rebela contra os megalomaníacos que estão destruindo seu mundo em nome do Nada". Um "emboscado que resiste" é o sujeito que Laje procura incentivar, a partir de uma épica da batalha cultural que combina o vitimismo e a coragem dos incompreendidos: os que são censurados nas redes sociais e no YouTube por seus conteúdos, os que são repreendidos por seus educadores/doutrinadores, aqueles que escrevem e devem autoeditar-se porque não encontram eco nas editoras. Desta forma, Laje encerra seu último manifesto exaltando aqueles que rejeitam "a cultura woke" e reivindicam "tudo o que essa cultura de pacotilha diz 'não': à vida, à família, à pátria, à propriedade, à liberdade (...) A rebeldia tornou-se de direita, e não poderia ser de outra forma. A rebeldia consiste em dizer 'não' ao sistema estabelecido".
A épica da batalha cultural desenvolvida em seus livros permitiu que Laje se tornasse uma referência no campo ideológico das direitas no mundo de língua espanhola. Não é surpresa, nesse sentido, que Nicolás Márquez o defina como "o melhor de nós". Segundo Márquez, Laje combinou três elementos fundamentais para o amplo movimento de direita contemporâneo: a capacidade de elaborar um programa, a apelação a autores de esquerda - como Laclau, Butler e Marcuse - que busca usar contra o próprio progressismo, e a capacidade de divulgação jornalística e virtudes polêmicas, que possibilitam uma massificação não enclausurada no âmbito acadêmico. Apesar de sua postura "antisistema", semelhante à de outros líderes de direita, a trajetória de Laje replica um padrão de práticas e estratégias de consagração próprias do campo intelectual e acadêmico, mas sem participar do sistema de revistas acadêmicas, editoras, reuniões científicas e instituições mainstream. Em última análise, se a legitimação de Laje começou no âmbito local de seu próprio campo ideológico, ela se ampliou e massificou graças ao mercado cultural digital e ao mundo editorial ligado às direitas.
Nos paratextos de seus livros, nos prefácios que faz para seus pares, nos rituais de apresentação e sessão de autógrafos em massa de livros, que funcionam como eventos nos quais sociabilidades políticas são construídas e reforçadas; em seus documentários audiovisuais e nos modos como seus editores e mediadores o descrevem, Laje reforça sua posição de intelectual, formador e autor de livros que não quer ser reduzido a influenciador, porque esse papel social representaria o que há de banal em uma sociedade adolescente marcada pela "progresía global" que ele busca combater. Laje enfatiza o lugar do autor comprometido que escreve com uma intencionalidade política, sem pretensões de neutralidade, para sustentar uma nova direita que estaria em desvantagem diante da esquerda. Ele enaltece o papel do livro como plataforma para a disseminação de ideias e como ferramenta para a formação de seus leitores, a quem pede que leiam e não se formem (apenas) através de conteúdos digitais, para que possam replicar e amplificar sua mensagem e "cultivar um espírito crítico". Esse lugar romântico e fetichista do livro, que também é adotado pelo progressismo, é um fator-chave na atividade de Laje.
Em um dos eventos mais massivos da Feira Internacional do Livro de Buenos Aires de 2022, o espaço dos jovens conservadores Cruz del Sur organizou a apresentação do livro "A Batalha Cultural", que reuniu Laje com Márquez e o então deputado Javier Milei. Naquele "epicentro da cultura argentina, uma das culturas mais progressistas da região", Laje e Márquez apresentaram Milei como o futuro presidente da Argentina. Laje colocou Milei no espectro de Donald Trump, Jair Bolsonaro, José Antonio Kast e Santiago Abascal, ou seja, como um representante da nova direita radical que seu livro programático buscava fortalecer na região. Portanto, para o cordobês, sua batalha cultural tem como correlato necessário a batalha política encarnada por esses políticos de direita. A estratégia é "bifrontal".
O léxico bélico de Laje e Milei se desdobra em seus campos de atuação. Em seus dois últimos livros, Laje faz um aceno ao atual presidente argentino ao identificar repetidamente, como adversário, a "casta política". A lógica de amigo-inimigo já presente em "O Livro Negro da Nova Esquerda" é reforçada nesses livros em termos ideológicos, juntamente com a incorporação e utilização de mais autores da Escola Austríaca. Ludwig von Mises, Friedrich Hayek e, principalmente, Murray Rothbard - o autor que transformou a visão econômica de Milei - aparecem como autores-chave para a configuração de uma batalha cultural e ideológica na qual o "campo popular é redefinido como casta e anticasta", e a primeira é aquela que "parasita a sociedade através dos recursos do Estado". Portanto, a disputa, como repetem Laje e Milei, não é apenas cultural, não é apenas política, mas também é moral.
A ligação de Javier Milei com Agustín Laje aparece como uma divisão de tarefas para um objetivo comum, já que não haveria sucesso político possível sem a trabalhosa tarefa de disputar o plano das ideias e práticas cotidianas. O programa intelectual de Laje foi construído a partir de uma epopeia heroica que não operava no vácuo, como foi demonstrado com a vitória eleitoral de Milei. A batalha cultural da nova direita está inserida em processos sociais, econômicos, políticos e culturais pré-existentes e mais profundos, tanto domésticos quanto internacionais. No caso da Argentina, Milei transcendeu o campo de ação das direitas, pois sua vitória expôs demandas sociais que a imensa maioria do espectro político local não soube atender nem entender.
A constituição de Agustín Laje como referência é reconhecida como parte integral do projeto político mileísta e tem modulações nos países latino-americanos. É um projeto intelectual que é entendido como parte de um dispositivo cultural descentralizado composto por intelectuais, textos, livros, editores, editoras, livrarias e livreiros, ativistas, militantes, partidos e fundações, jornalistas, divulgadores e meios de comunicação, mediadores e leitores, simpatizantes e adeptos. Isso se revela um aspecto crucial nos processos de construção de sentido e de subjetividade política. Este projeto da direita radical enfrenta não poucas resistências em um país que conta com um movimento feminista mobilizado - que conseguiu a aprovação do aborto legal em 2020 - e, de maneira mais ampla, com um progressismo cultural politicamente transversal contra o qual Laje se insurgiu e ao qual, de sua perspectiva - e a de seus seguidores -, estaria dobrando em sua "batalha cultural".
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Agustín Laje, o cruzado da nova direita latino-americana. Artigo de Ezequiel Saferstein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU