18 Outubro 2023
"Todas as guerras do mundo são horríveis, nunca há guerras justas, mas pelo menos antigamente eram dois exércitos em confronto. Pelo jeito que sou, não quero nem uma faca na mão, mas estas nem sequer podem ser chamadas de guerras, são massacres selvagens", escreve Edith Bruck, poeta húngaro-italiana que sobreviveu aos campos de concentração, em artigo publicado por L'Osservatore Romano, 17-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Cada morte é uma tragédia. Certamente o que acontece em Israel, já que é mais próximo do meu coração, me dói mais. Mas a morte de uma pessoa, onde quer que ela esteja, em qualquer lugar do mundo, é uma tragédia.
Quando soube que decapitaram e queimaram as crianças, minha voz trancou, não conseguia falar. Porque pensei numa criança que foi morta em Auschwitz e, ainda sangrando, jogaram futebol com a sua cabeça. Como um ser humano chega a tal abismo? Como se pode chamar de “humano” um alemão culto que joga futebol com a cabeça de uma criança?
Todas as guerras do mundo são horríveis, nunca há guerras justas, mas pelo menos antigamente eram dois exércitos em confronto. Pelo jeito que sou, não quero nem uma faca na mão, mas estas nem sequer podem ser chamadas de guerras, são massacres selvagens.
Acho que hoje faltam palavras para expressar a dor, o sofrimento moral universal, não há palavras novas para expressá-lo e desgastamos as velhas, esvaziadas do seu significado; realmente não se sabe mais o que dizer, só se consegue balbuciar. O que posso dizer sobre o que sinto, se vejo, como vi hoje, decapitar 40 crianças? Ou ontem jogar futebol com a cabeça de uma criança? Ou na sala dos chuveiros onde nos desinfetavam e via centenas de crianças congeladas para ser descongeladas para fazer experimentos científicas, ali na Alemanha de Thomas Mann?
O que posso dizer quando penso que neste massacre selvagem foi morta uma mulher, Gina Smiatichova que também esteve nos campos de concentração como eu, do meu povo, da minha idade, e que encontrou a morte justamente ali, na terra prometida de Israel? Posso tentar imaginar o que foi por ela que escapou milagrosamente da morte nos campos da Alemanha, e pensou que tinha finalmente encontrei proteção, um lar, na terra dos meus antepassados, bem como dizia a minha mãe: “Quando tivermos a nossa terra, prometida por Deus, você verá, minha filha. Durma, durma...” e essa canção de ninar na hora de dormir, a minha mãe repetia para que eu adormecesse porque não havia nada para comer no jantar, e ela me dizia: “Você verá que um dia estaremos na terra prometida onde todos ajudarão a todos, se acolherão, se abraçarão e não vai mais existir esse ódio, o antissemitismo", e eu pensava que isso teria sido o paraíso. E em vez disso esta minha “irmã” finalmente chega a Israel e ali é morta. Uma zombaria, o que mais posso dizer? Uma amarga ironia do destino, uma dor dupla.
Mas não há vidas que valham menos, será que se pode dizer qual vida vale a pena jogar fora? Não existem.
A vida é preciosa para qualquer um e você entende qual é o valor da vida, assim como o valor do pão, quando você se encontra naquelas situações como o campo de concentração, quando para viver você se agarra a tudo, a um nada, a um fio de cabelo, porque a vida é mais forte que tudo; você quer viver em todas as condições possíveis e, como dizia Primo Levi, nos tornamos os guardiões da nossa vida. Mas todo assassinato é uma tragédia porque é o ato de um homem contra um outro homem.
Parece que o homem nunca aprende nada, porque ainda não consegue acolher o outro, a abraçá-lo. Não sei, é como se o homem se odiasse, quisesse se punir. Existe um ódio contra si mesmo, uma autodestruição, deve ser algo ancestral, existe algo que não funciona no homem.
Lembro-me de chorar quando, aos 8 anos, via pessoas fracas serem maltratadas pelos outros (por exemplo aquelas que tinham defeitos físicos), porque desde criança a dor do outro doía em mim e perguntava para a minha mãe: “Por que os homens são tão ruins?”. E ela me dizia: “Minha filha, quando uma árvore nasce torta, como se pode endireitá-la?”.
Mas, apesar de tudo, penso que existe o bem no coração do homem e é esse bem que deve ser cultivado, nutrido.
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O balbucio diante do abismo do mal. Artigo de Edith Bruck - Instituto Humanitas Unisinos - IHU