27 Junho 2023
"Justamente por ter sido elaborado no ano em que dois atentados de muçulmanos abalaram fortemente a França e na época em que alguns padres foram mortos e igrejas devastadas, novamente por muçulmanos, a intenção é dar um primeiro passo para o diálogo entre católicos e judeus para um caminho rumo a uma verdadeira fraternidade dos povos", escreve Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 26-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O lançamento do filme Rapito, que conta a história do rapto do menino judeu batizado e, por decisão do Papa Pio IX, não devolvido à família judia, reacendeu o debate sobre o antijudaísmo cristão, linha de pensamento que - isso deveria ser reconhecido por todos - contribuiu para o nascimento e propulsão do antissemitismo já presente desde o Império Romano.
Nos mesmos dias, os bispos franceses, que sobre esse tema escandaloso sempre mostraram uma profunda e perseverante atenção, publicando uma ampla contribuição na forma de um manual intitulado Desconstruindo o antijudaísmo cristão, informaram que, apesar da virada do Concílio Vaticano II na relação com os judeus, ainda permanecem aqui e ali focos de resistência, com as consequentes atitudes antijudaicas.
É verdade que ultimamente são menos frequentes na esfera pública os gestos que incutem desprezo ou convidam à violência contra os judeus, mas no dia a dia é fácil encontrar atitudes de antijudaísmo em toda a Europa.
O antissemitismo também deixou sua marca nas Escrituras, especialmente no Novo Testamento, nascido no contexto de tensões e discórdias dentro de um judaísmo plural e dividido. Mas há décadas, graças a uma leitura global da Escritura, os cristãos deixaram de lado a divisão marcionista entre as "Escrituras de Israel" e as "Escrituras da Igreja" e, com os instrumentos histórico-críticos à sua disposição, consideraram as polêmicas atestadas no Novo Testamento como apologéticas tardias e nem sempre tão impiedosas quanto poderiam parecer.
Desde o Concílio, o assassinato de Jesus de Nazaré não é mais atribuído aos judeus, mas a alguns líderes, ao poder religioso dos sacerdotes em concordância com a autoridade do Império Romano e seu procurador, Pilatos. Portanto, dizer ainda que o povo judeu é deicida está além de qualquer compreensão teológica da Igreja. Por isso, o livro se debruça em analisar e definir o que é o antijudaísmo teológico, o que é o antissemitismo, uma ideologia insana que atravessou os séculos até nós. Mas também tenta sinalizar na atualidade, especialmente na Europa, os germes de um novo antissemitismo.
Justamente por ter sido elaborado no ano em que dois atentados de muçulmanos abalaram fortemente a França e na época em que alguns padres foram mortos e igrejas devastadas, novamente por muçulmanos, a intenção é dar um primeiro passo para o diálogo entre católicos e judeus para um caminho rumo a uma verdadeira fraternidade dos povos. Essa é a posição da Igreja Católica, ainda que atitudes antijudaicas estejam presentes e sempre eloquentes em algumas de suas franjas mais ou menos dissidentes, como aquela dos tradicionalistas, que rejeitam justamente o documento conciliar Nostra aetate.
Na Itália o antijudaísmo é pouco atestado, mas existe um antissionismo, ou seja, uma oposição a Israel, estado do Oriente Médio, que muitas vezes assume o viés de antijudaísmo e também de antissemitismo. Mais do que nunca é necessário estar vigilantes para que entre esses irmãos gêmeos, os judeus e os cristãos, ambos nascidos do Antigo Testamento, exista paz e reconciliação, porque um cristão sabe que o Antigo Testamento se realizou, mas não se cumpriu, que a nova aliança entre Deus e os cristãos reside na aliança eterna entre Deus e Israel, que a reconciliação de Israel será a ressurreição dos mortos.
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Os germes do antissemitismo. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU