02 Outubro 2023
Doze importantes representantes de diversas confissões cristãs se unirão ao Papa Francisco neste sábado, na Praça São Pedro, para uma vigília de oração inédita antes do Sínodo católico sobre o futuro da Igreja.
A reportagem é de Loup Besmond de Senneville, publicado por La Croix Internacional, 29-09-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No quinto andar de um edifício romano com vista para o rio Tibre, a poucos passos do Castelo Sant’Angelo, o ambiente é de empolgação. Há algumas semanas, vários irmãos da Comunidade de Taizé e alguns voluntários têm estado ocupados.
É terça-feira de manhã, e eles estão preparando uma vigília ecumênica de oração. Iniciativas como essa são uma das razões pelas quais a Comunidade de Taizé – comunidade monástica cristã interconfessional fundada em 1940 na região da Borgonha, em França – é muito famosa.
Mas a vigília de oração do dia 30 de setembro, que os irmãos de hábitos brancos e seus ajudantes estão organizando agora, está destinada a fazer história, reunindo 12 dos principais líderes cristãos do mundo. Patriarcas e pastores se unirão ao Papa Francisco na Praça São Pedro para rezar pela assembleia sinodal convocada pelo papa sobre o futuro da Igreja.
Esse acontecimento inédito reunirá católicos, ortodoxos, cristãos orientais, protestantes e evangélicos, à sombra de uma basílica que há muito tempo simboliza para muitas confissões cristãs a razão da ruptura com o papado romano.
“Isso seria inimaginável há algumas décadas”, diz uma fonte de Roma, apontando para a “mudança gradual” que ocorreu nas relações ecumênicas nos últimos anos.
“A Igreja Católica é menos vista como alguém que procura impor sua jurisdição, mas está se colocando em um plano de igualdade com os outros”, explica a mesma fonte.
Essa mudança de postura remonta ao Concílio Vaticano II (1962-1965), que marcou o fim do uso dos termos “hereges” e “cismáticos” por parte da Igreja Católica, em favor do termo “irmãos separados”.
Como sinal concreto de que “o papa estará em pé de igualdade com os outros”, como insistem os responsáveis da Igreja de Roma, Francisco e os outros líderes religiosos entrarão juntos na Praça São Pedro no sábado à tarde. E, sobretudo, no fim da oração, abençoarão juntos a multidão. Da mesma forma, a outrora altamente sensível questão da primazia, ou seja, a possível superioridade de uma Igreja sobre a outra, também parece ter ficado em segundo plano.
“Todas as Igrejas reconhecem que existe uma forma de primazia, seja histórica ou de fato”, observa uma autoridade vaticana.
“Nos dias de hoje, não vale a pena discutir sobre isso”, diz Élisabeth Parmentier, copresidente protestante do Groupe des Dombes, que reúne teólogos católicos e protestantes franceses. “Roma continua sendo um lugar simbólico para todos os cristãos”, insiste a teóloga, lembrando que, além da basílica, a cidade é sobretudo o lugar onde os santos Pedro e Paulo foram martirizados.
Parmentier diz que a questão da unidade cristã é ainda mais importante em um mundo em crise. “Nestes tempos de guerra na Ucrânia, de crise migratória e de aquecimento global, as Igrejas têm algo a dizer, para além das diferenças entre as denominações”, argumenta. “Esperamos que elas transmitam uma mensagem de convicção”.
Pessoas próximas ao patriarca ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I, concordam.
“As Igrejas estão se tornando instituições cada vez mais secularizadas. Como resultado, elas já não têm nenhum peso específico nas crises geopolíticas”, afirma um dos assessores do patriarca. “A unidade é uma forma de combater esses fenômenos: as igrejas devem preocupar-se conjuntamente com os problemas existenciais da humanidade”.
No fim dos anos 1960, a Igreja Católica aderiu com entusiasmo ao movimento ecumênico, começado ainda no início do século XX. Mas, devido a dificuldades teológicas, o mergulho rumo à unidade cristã perdeu força, apesar dos 60 anos de discussões contínuas entre as diversas igrejas e comunidades, e apesar da publicação de uma série de declarações conjuntas.
Algumas delas foram de grande importância, como a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação, uma declaração consensual sobre a delicada questão da salvação pela graça, que foi assinada em 1999 pelo então Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e pela Federação Luterana Mundial.
“Hoje, precisamos mais de relações pessoais e de grandes reuniões desse tipo (como a vigília de oração) do que de discursos acadêmicos”, insiste um dos assessores do Patriarca Bartolomeu. Ele vê a vigília ecumênica de oração na Praça São Pedro como uma oportunidade para “começar de novo” no front teológico.
O Papa Francisco, que tem insistido nas relações pessoais desde o início de seu pontificado, nunca deixou de desenvolver e manter amizades com outros líderes cristãos.
O exemplo mais marcante é sua relação com Bartolomeu I. Notavelmente, foi o patriarca quem inspirou o papa a emitir a Laudato si’, que alguns chamaram de encíclica “verde”. Francisco foi a Istambul para se encontrar com Bartolomeu em sua casa e em sua sede em Istambul, assim como foi a Atenas para se encontrar com o Arcebispo Hieronymus II, o primaz da Igreja Ortodoxa Grega.
Quando o papa jesuíta visitou o Sudão do Sul no início deste ano para incentivar os líderes do país a porem um fim à guerra civil, foi algo sem precedentes na história das visitas papais; ele convidou Justin Welby, o arcebispo anglicano de Canterbury, e Iain Greenshields, o moderador da Igreja da Escócia, para viajar para lá com ele.
Mais recentemente, Francisco recebeu no Vaticano o Papa Tawadros II, líder da Igreja Ortodoxa Copta. Durante essa visita inédita, os dois – ambos papas – sentaram-se lado a lado em uma plataforma na Praça São Pedro e dirigiram-se às pessoas que compareceram para a Audiência geral semanal de Francisco.
Ao longo de seus dez anos de pontificado, Francisco nunca escondeu sua opinião de que a teologia ocupa o segundo lugar quando se trata das relações ecumênicas. Isso faz lembrar um comentário que o falecido Patriarca Ecumênico Atenágoras fez a um jornalista em 1964, quando lhe perguntaram sobre seu encontro com Paulo VI. “Os líderes da Igreja agem, os teólogos explicam”, respondeu ele.
Essa é precisamente a perspectiva esperada pelos teólogos de hoje que estão atualmente empenhados no diálogo ecumênico.
“Chegou o momento de colocar a teologia sobre a mesa. Uma vez realizados esses encontros, os teólogos podem trabalhar em suas implicações”, insiste Parmentier.
É uma nova maneira de pôr as ações antes das teorias.
“Chegou o momento para um encontro como esse”, entusiasma-se o irmão Alois, atual prior de Taizé. Ele ressalta que os representantes das 12 igrejas aceitaram rapidamente o convite de Francisco para comparecer à vigília de oração deste sábado no Vaticano. “O ato de rezar juntos, de nos colocarmos na presença de Cristo, de observarmos juntos um tempo de silêncio, aprofundará o desejo de todos pelo diálogo teológico”, continua.
Na sede temporária de Taizé, perto do Castelo Sant’Angelo, os preparativos estão quase concluídos. No terraço do edifício romano, podemos vislumbrar a sede da Igreja Evangélica Valdense, ramo italiano do protestantismo reformado.
Foi aí, em 16-09-1560, que o pastor valdense Gian Luigi Pascale foi executado. Acusado de heresia por sua pregação, foi condenado à morte pela Inquisição. Uma placa nas paredes da igreja comemora a tragédia.
A poucos passos daí fica o Dicastério para a Doutrina da Fé, herdeiro da Inquisição. Mas, às vésperas de uma histórica reunião ecumênica de oração, as querelas do passado parecem mais distantes do que nunca.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Um histórico encontro de oração entre protestantes, ortodoxos e católicos na Roma papal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU