19 Junho 2023
"Infelizmente, a Ucrânia entrou em frenesi, primeiro ignorando os avisos para não insistir na adesão à OTAN, apesar do aviso russo de que isso seria causa de guerra, depois, uma vez que a guerra começou precipitando-se na ilusão de vitória propiciada pela bulimia das armas, fornecidas despreocupadamente como presente pelo Ocidente", escreve Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, em artigo publicado por Chiesa di Tutti, Chiesa dei Poveri, 17-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Putin disse, falando em um encontro sobre economia internacional em São Petersburgo, que a Rússia é capaz de atingir qualquer edifício em Kiev. Por que ele não faz isso? Com seu poderio militar, se quisesse, já poderia ter vencido a guerra com a Ucrânia há muito tempo. Não o faz para manter fixo o ponto, enunciado desde o início, de que do lado russo não se trata de uma guerra, mas de uma "operação militar especial", algo que foi considerado por nós, no Ocidente, como uma afirmação edificante e puramente propagandística.
Na realidade, a linha até agora seguida por Moscou no campo é a de uma "guerra de baixa intensidade" cujas razões são evocadas num artigo de Alessandro Valentini numa análise que, embora partindo de uma visão partidária, merece ser levada em consideração. A tese que emerge é que a guerra se prolonga porque o que está em jogo não é a Ucrânia, mas o conflito entre duas visões da ordem mundial.
De fato, mas não só de agora, mas desde o fim da contraposição entre os blocos, foi se delineando um conflito entre uma ordem unipolar e monocrática, presidida por um único poderio militar e político, que é a visão proposta e defendida oficialmente pelos Estados Unidos e acriticamente compartilhada por todos os seus aliados e parceiros, e uma ordem multipolar e pluralista que é reivindicada pela Rússia, China e muitos países do sul global e do resto do mundo.
Segundo os documentos oficiais da administração estadunidense, o resultado da "competição estratégica" entre essas duas alternativas, ou seja, entre essas duas partes do mundo, será decidido ainda nesta década com ou sem a guerra; guerra que, em tal perspectiva, seria inevitavelmente uma guerra universal, ainda que não atômica. Por enquanto, a guerra na Ucrânia, que representa sua primeira fase e tem como objetivo a eliminação da Rússia, continua apesar de qualquer possível negociação, porque a verdadeira negociação deveria resolver o contraste entre essas duas concepções do mundo. Presa entre esses dois muros, a Ucrânia é oferecida, e se oferece, em sacrifício.
É vítima do engano armado contra ela pelos Estados Unidos e pelo Ocidente, que a fizeram acreditar que poderia vencer a guerra com a Rússia, apesar da evidente desproporção das forças. Mas a guerra cuja vitória foi prometida à Ucrânia não era realmente a sua guerra, mas aquela dos Estados Unidos e do seu mundo unipolar, que, aliás, seria vencida sem ser combatida.
Infelizmente, a Ucrânia entrou em frenesi, primeiro ignorando os avisos para não insistir na adesão à OTAN, apesar do aviso russo de que isso seria causa de guerra, depois, uma vez que a guerra começou precipitando-se na ilusão de vitória propiciada pela bulimia das armas, fornecidas despreocupadamente como presente pelo Ocidente.
Zelensky, colocando todas as suas energias nisso, caiu no abismo que lhe fora preparado porque, como personagem de TV, desconhecia as ciências históricas, alheio ao direito, inexperiente nas relações internacionais e não imune às mitologias dos nacionalismos novecentistas; e é por isso que, numa entrevista à Nbc News, alertando sobre as consequências de uma eventual derrota de Kiev, argumentou que os Estados Unidos deveriam escolher entre "entrar em guerra com a Rússia" ou "o colapso da OTAN". Este é o contexto do atual desastre do qual a única saída é agir para que prevaleça uma outra visão do mundo.
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Guerra na Ucrânia. Baixa intensidade? Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU