08 Mai 2023
Apesar de Moscou e Kiev terem negado conhecer a missão secreta de paz que o Papa referiu aos jornalistas no voo de regresso da Hungria, ela existe mesmo: começou há oito meses e espera-se que dê fruto dentro de três. Quem o garante é o economista Stefano Zamagni, que até há bem pouco tempo presidiu à Academia Pontifícia de Ciências Sociais. Também o cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado da Santa Sé, confirmou a existência da missão e manifestou “surpresa” com a reação dos governos ucraniano e russo.
A reportagem é de Clara Raimundo, publicada por Sete Margens, 04-05-2023.
Em declarações ao jornal italiano Il Fatto Quotidiano, Zamagni (que apesar de ter deixado a Academia Pontifícia de Ciências Sociais há cerca de um mês é tido como um dos mais importantes leigos conselheiros do Papa e estará envolvido nesta missão de paz), afirmou que ele próprio escreveu um plano de sete pontos em setembro passado, tendo a missão prosseguido a partir daí.
Foi precisamente nessa altura que Francisco esteve no Cazaquistão, para participar no VII Congresso de Líderes de Religiões Mundiais e Tradicionais, tendo entre os seus objetivos encontrar-se com o patriarca Kirill, cuja participação estava prevista. Este acabou por decidir não fazer a viagem, mas enviou o ministro das Relações Exteriores do Patriarcado de Moscovo, o metropolita Antonij de Volokolamsk, com quem o Papa se encontrou entre as sessões do congresso.
Na perspectiva de Stefano Zamagni, tanto Kiev como o Kremlin negaram agora qualquer conhecimento da “missão” do Vaticano porque se trata de “um caminho que nada tem de oficial e canônico, mas que colhe os frutos da intervenção de várias pessoas”, incluindo o da própria Academia Pontifícia, que no final do ano passado publicou o documento conclusivo de uma oficina sobre o tema da guerra na Ucrânia.
Este documento, disse Zamagni, expressou esperança “na mediação do Papa e da Secretaria de Estado do Vaticano para sentar as partes à mesa”. Agora, “estamos na reta final”, explicou o economista italiano. “Se não nas próximas semanas, nos próximos três meses certamente veremos se esse esforço pela paz por parte do Vaticano terá recebido luz verde, ou se chega a um sinal vermelho”.
Stefano Zamagni sublinhou ainda que “era de se imaginar que se chegaria a um diálogo, mesmo na clandestinidade, visto que estamos num ponto em que nada se resolve com armas. A alternativa à paz seria a guerra por exaustão”, afirmou, acrescentando: “Só Bergoglio como super partes pode garantir a paz”, mesmo que não seja “a paz perfeita”.
O economista insistiu que a missão de paz a que o Papa se referiu existe, apesar das negações, e observou que, na semana passada, este se reuniu com autoridades de ambos os lados do conflito. De fato, um dia antes de partir para a Hungria, Francisco encontrou-se com o primeiro-ministro ucraniano, Denys Shmyhal, no Vaticano. Depois, enquanto estava em Budapeste, reuniu com o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, considerado um dos líderes europeus mais próximos da Rússia, e também esteve com o metropolita Hilarion, que foi durante treze anos presidente do Departamento de Assuntos Eclesiásticos Externos do Patriarcado de Moscovo, tendo sido na prática o “ministro das Relações Exteriores” do patriarca Cirilo.
Recorde-se ainda que o atual presidente do Departamento de Assuntos Eclesiásticos Externos do Patriarcado de Moscou, o metropolita Antonij de Volokolamsk, esteve presente nesta quarta-feira, 3 de maio, na Praça de São Pedro, durante a catequese de Francisco. No final da audiência, ele saudou o Papa e ambos trocaram palavras cordiais. No dia anterior, Volokolamsk havia estado com o arcebispo Claudio Gugerotti, prefeito do Dicastério para as Igrejas Orientais, onde foi “discutida uma ampla gama de questões de interesse mútuo”, refere o Vatican News.
É também a agência de notícias do Vaticano que dá conta das afirmações do cardeal Pietro Parolin a propósito deste tema. “O Papa disse que haverá uma missão que será anunciada quando for pública e eu repito as mesmas expressões que ele usou”, disse esta quinta-feira aos jornalistas, à margem da apresentação de um livro sobre Tonino Bello, conhecido como “o bispo dos pobres”. “Não vou entrar em detalhes. O Papa falou nesses termos, vamos deixar que ele dê mais informações”, acrescentou.
O cardeal disse ainda estar “surpreendido” com a reação da Rússia e da Ucrânia. “Pelo que sei, eles estavam e estão cientes” da missão, frisou, para depois tentar uma explicação para as negações. “Vocês sabem como é, no meio dos labirintos da burocracia, pode ser que as comunicações não cheguem onde deveriam chegar. Mas as minhas são apenas interpretações, eu sei que ambas as partes foram devidamente informadas”, assegurou.
De qualquer modo, “o Papa dirigiu sempre aos dois lados do conflito um convite para que encontrem pontos de acordo e ponham fim a esse massacre que está a afetar fortemente a Ucrânia, mas que também tem implicações não indiferentes para a Rússia”, lembrou o cardeal. “Como sempre, dissemos que gostaríamos de chegar a um cessar dos combates e depois iniciar um processo de paz”, concluiu.
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Sim, a missão de paz do Vaticano existe e pode dar frutos em três meses - Instituto Humanitas Unisinos - IHU