08 Mai 2023
"A porta diplomática de Francisco está aberta. Sempre se pode conversar. Claramente, os outros também podem abrir e não fechar hermeticamente a porta", escreve Riccardo Cristiano, jornalista italiano, em artigo publicado por Settimana News, 06-05-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A viagem do Papa Francisco à Hungria está produzindo mais reflexos político-diplomáticas que pastorais. Grande parte da imprensa deu destaque às poucas, mas carregadas palavras proferidas no avião de volta à Santa Sé e ao conflito na Ucrânia.
Palavras que encontraram rápidos desmentidos - tanto do lado russo quanto do ucraniano - em perfeita sintonia com as inesgotáveis proclamações de "vitória certa" vindas de ambos os lados. Enquanto os riscos mais temíveis de escalada correm, sem que ninguém – quem realmente conta no mundo – pareça se importar muito: só Francisco!
A retórica da vitória, como a da rendição, pouco tem a ver com a primeira declaração em que se falava de agressão russa. Lembramos que China e Índia, na ONU, votaram um documento mais recente, abstendo-se no parágrafo que ainda menciona a agressão, mas votando a favor do texto na íntegra, desde que peça cooperação entre as Nações Unidas e o Conselho da Europa: um passo importante e positivo, haja vista que os fidelíssimos de Moscou votaram contra tudo.
No quadro, Francisco continua dizendo que a lógica beligerante deve sempre e ainda ser superada, sem, no entanto, significar a aceitação resignada da derrota da parte ofendida. A sua ideia de diplomacia reside na procura de um entendimento que não produza humilhações ou possa suscitar - de novo e imediatamente - revanches: para isso invocou o máximo da "criatividade" pela paz.
Portanto, segundo ele, não há apenas uma questão territorial a ser discutida, mas sim cooperação e segurança a serem implementadas, para todos.
Talvez nas palavras do Papa, como muitas vezes acontece com ele quando improvisa – na minha opinião, deliberadamente improvisa! – não houve muita precisão. Em seguida, precisou especificar, sem desmentir nada, que a iniciativa vaticana está "em preparação". Mas enquanto isso, ele falou!
Do que se trata? Um empurrão para que algo bom aconteça? A que ouvidos - em particular - quis falar? Impossível responder. O que é certo é que sua fala não foi uma "imprudência temerária". Na minha opinião, quem afirma isso não entende ou não quer entender: ai de quem se prende na disputa entre "belicistas" e "pacifistas". O Papa diz: há mais!
Eis então o encontro - não anunciado no programa da viagem - com o arcebispo ortodoxo russo Hilarion Alfeyev, "exilado", como ex-número dois do patriarcado de Moscou, provavelmente por suas críticas à guerra ou, no mínimo, por seu silêncio "fora do coro" de Kirill.
Não é por acaso, a meu ver, que Hilarion foi enviado para Budapeste: a única cidade onde Moscou ainda pode tentar dialogar com o mundo europeu. O encontro - manifestamente fraterno nos gestos - não deve ser visto, portanto, como um ato formal de cortesia, mas como uma verdadeira conversa, potencialmente capaz de gerar algo novo. O quê? Pode-se supor. Pode-se esperar.
A porta diplomática de Francisco está aberta. Sempre se pode conversar. Claramente, os outros também podem abrir e não fechar hermeticamente a porta. Hilarion também participou da celebração dominical: um bom sinal.
Claro: não estou convidando a pensar em um bispo russo contrário ao russkij mir, mas em um homem de Igreja, um cristão, capaz ao menos de se distanciar das formas de contratestemunho evangélico. Portanto, uma porta se abriu, não apenas simbolicamente.
A imagem da porta leva à outra parte da viagem de Francisco.
Muitos apontaram que o papa na Hungria criticou a ideologia de gênero. Nada de novo: faz isso há anos, em todos os lugares. Assim também definiu o aborto, mais uma vez, como “sempre uma derrota”. Mas vamos prestar atenção ao seu estilo. Essas palavras nunca se casam com as “guerras culturais”, não selam modelos identitários, nem exclusões.
O verdadeiro centro que se destaca é que Cristo é, precisamente, uma porta sempre aberta, que não pode ser fechada na cara de ninguém. Isso vale na Hungria, onde, talvez em nome de Cristo, uma porta é batida na cara dos refugiados que fogem pela rota dos Bálcãs. Isso vale em Ventimiglia, onde expoentes políticos franceses parecem invocar a mesma capacidade de fechamento. Isso vale em Londres ou em muitos outros lugares europeus. Bem, Cristo quer abrir também essas portas: Francisco o explicou bem.
O discurso sobre as raízes cristãs do velho continente, portanto, retorna com força. Há quem se lembre disso como um princípio de identidade, mas depois se esquece nos comportamentos. Francisco lança sempre uma mensagem clara às chancelarias europeias que se esquecem: se há raízes cristãs ou não, isso deve ser demonstrado cotidianamente, nas coisas que se fazem ou não se fazem; não com os discursos.
A homilia proferida no domingo, 30 de abril, em Budapeste, merece ser relida em seus trechos essenciais, tendo sido inteiramente dedicada ao tema de Cristo porta aberta – segundo o Evangelho de João que foi lido – precisamente porque, na Hungria, como em muitos outros países europeus, não se veem portas abertas.
Ele disse: “É triste e doloroso ver as portas fechadas: as portas fechadas do nosso egoísmo para com aqueles que caminham ao nosso lado todos os dias; as portas fechadas do nosso individualismo numa sociedade que corre o risco de se atrofiar na solidão; as portas fechadas da nossa indiferença em relação aos que estão no sofrimento e na pobreza; as portas fechadas para quem é estrangeiro, diferente, migrante, pobre. E também as portas fechadas das nossas comunidades eclesiais: fechadas entre nós, fechadas para o mundo, fechadas para quem ‘não está em ordem’, fechadas para quem anseia pelo perdão de Deus. Por favor: abramos as portas!”
Precisamente em Budapeste, onde se teorizou a “democracia cristã iliberal”, Francisco escolher ir até o fim neste ponto decisivo de seu pontificado: “Por favor, por favor: abramos as portas! Procuremos ser também nós como Jesus – com as palavras, os gestos, as atividades cotidianas: uma porta aberta, uma porta que nunca é fechada na cara de ninguém, uma porta que permite a todos entrar e experimentar a beleza do amor e do perdão do Senhor.
Ser abertos e inclusivos uns com os outros, para ajudar a Hungria a crescer na fraternidade, caminho para a paz. Encorajemo-nos a ser cada vez mais portas abertas: 'facilitadores' da graça de Deus, especialistas em proximidade, dispostos a oferecer a vida, como Jesus Cristo, nosso Senhor e nosso tudo, nos ensina de braços abertos da cátedra da cruz e nos mostra a cada vez no altar.
Digo-o também aos irmãos e irmãs leigos, aos catequistas, aos agentes pastorais, aos que têm responsabilidades políticas e sociais, aos que simplesmente levam adiante a sua vida cotidiana, por vezes com dificuldade: sejam portas abertas. Deixemos entrar no nosso coração o Senhor da vida, a sua Palavra que consola e cura, e depois sair e sermos nós mesmos portas abertas na sociedade”.
Trocas de acusações e protestos – diante disso - se dissolvem antes mesmo de acontecerem.
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Hungria: viagem e diplomacia. Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU