18 Abril 2023
Entrevista com o padre jesuíta estadunidense James Martin, que há anos acompanha os fiéis da comunidade LGBTQ+: “Em muitos setores da Igreja, ainda são tratados como leprosos. Bergoglio deu novamente a eles dignidade. Nos Estados Unidos, muitos bispos se opõem ao Pontífice, mas não vejo risco de cisma entre conservadores e progressistas”.
Referência mundial para a pastoral inclusiva das pessoas LGBTQ+ (sigla utilizada para identificar lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queers e qualquer pessoa que não se defina como heterossexual, ndr) sobre a qual também falou em diversas oportunidades com o Papa Francisco em reuniões no Vaticano. Autor de best-sellers, convidado de programas de TV, escreve para a revista dos Jesuítas America e é um dos escritores mais lidos nos Estados Unidos. Foi o principal consultor do filme de Martin Scorsese, Silêncio, sobre as perseguições dos missionários jesuítas no Japão no século XVII. Desde 2017 é consultor do Dicastério do Vaticano para a comunicação.
O jesuíta padre James Martin, 62 anos, é uma das vozes católicas mais ouvidas, não só no seu país. Na Itália, publicou recentemente para a ed. San Paolo "Insegnaci a pregare e Parlare con Dio". Depois dos estudos na Wharton School of Business da Universidade da Pensilvânia, trabalhou como gerente financeiro da General Electrics antes de abraçar a vocação religiosa e ingressar nos jesuítas após ser fulgurado por um documentário sobre o monge trapista Thomas Merton.
"Insegnaci a pregare e Parlare con Dio", de James Martin (Foto: divulgação | Ed. San Paolo)
A entrevista com James Martin foi publicada por Famiglia Cristiana, 17-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Qual é a sua avaliação geral deste pontificado?
Talvez eu seja um pouco tendencioso, sendo um jesuíta e um grande admirador de Bergoglio, mas acho que seu papado foi um sucesso retumbante. Basta pensar em todas as coisas que ele fez - convocar um Sínodo, escrever a Laudato Si', viajar pelo mundo espalhando o Evangelho, alcançar os pobres e marginalizados - assim como todos os seus gestos significativos - celebrar a missa com os refugiados em Lampedusa, abraçar aquele pobre homem com uma doença de pele desfigurante, conduzir o mundo na oração durante a pandemia, se encontrar com pessoas transgênero durante suas audiências gerais. Como Jesus, o Papa ensina tanto com as palavras como com os gestos concretos.
Em que o Papa Francisco mais o surpreendeu e em que, ao contrário, o decepcionou?
O que mais me surpreendeu foi sua aproximação com as pessoas LGBTQ+, o foi uma imensa bênção não só para aquela comunidade, mas também para suas famílias e amigos. Alguns católicos tendem a esquecer que, quando o Papa se dirige a essas pessoas, não está apenas acolhendo elas, que são uma porcentagem relativamente pequena de católicos, mas também as suas famílias e os seus amigos, que são um grupo muito maior na Igreja de hoje. No que diz respeito à decepção, eu diria que, antes de tudo, ninguém é perfeito. Acho que alguns de seus comentários sobre a "complementaridade" dos papéis de homens e mulheres podem levar algumas pessoas a pensar, por exemplo, que as mulheres são amorosas, cuidadosas, maternais e os homens são chefes e líderes, quando na realidade conhecemos homens que são amorosos e mulheres líderes. Mas, no geral, tenho poucas decepções com o Santo Padre.
Qual é o maior erro que a Igreja cometeu e poderá cometer em relação aos fiéis católicos LGBTQ+?
Demonizá-los. Em muitos setores da Igreja ainda são tratados como leprosos e coisa pior. Um bispo recentemente os definiu de "praga". Uma linguagem tão desumanizante só aumenta o assédio, o bullying e a violência contra eles na sociedade em geral, que é a última coisa que um grupo marginalizado precisa de sua igreja. É por isso que o recente apelo do Papa à Igreja para se oponha à criminalização da homossexualidade é tão importante. Em muitos países, uma pessoa ainda pode ser presa por ser homossexual; e em outros pode ser executada. E quando a Igreja apoia medidas como a prisão e a execução, se alinha ao lado da violência e da morte.
Você convida a construir uma ponte da Igreja para a comunidade LGBTQ+, mas também vice-versa. Em que sentido a comunidade LGBTQ+ deve se esforçar para compreender?
Essa é uma excelente pergunta. É importante dizer que é a Igreja como instituição que deve se aproximar e chegar primeiro a essas pessoas, e não o contrário, porque muitas vezes foi a Igreja que as marginalizou. Portanto, esse deve ser o primeiro passo. Mas todos somos chamados a tratar uns aos outros com respeito. E assim as pessoas LGBTQ são chamadas a tratar os líderes da Igreja com respeito, mesmo quando discordam deles.
Quais são as prioridades mais urgentes que o Sínodo deve enfrentar?
Depende do que o Espírito quer! Precisamos ouvir o Espírito como ativo e vivo no povo de Deus. Mas, mais especificamente, a partir dos relatos iniciais de todo o mundo e do próprio documento de trabalho do Sínodo, parece que o que está sendo levantado é a necessidade de escutar as pessoas que estão à margem da Igreja, não apenas as pessoas LGBTQ, mas também os pobres, as mulheres, os divorciados e os recasados e, em geral, aqueles que podem eventualmente discordar de algum aspecto do ensinamento da Igreja. Podemos escutar as suas experiências de Deus? Podemos permitir que o Espírito nos desafie, nos estimule e nos coloque à prova?
Nos Estados Unidos, o mundo católico está dividido entre conservadores, muito críticos em relação a Bergoglio, e progressistas. Há risco de cisma?
Há uma divisão muito clara, embora às vezes me pergunte se não seria menos grave do que parece. Ou seja, grande parte dessa divisão pode ser vista nas mídias sociais e entre alguns líderes católicos, tanto clérigos quanto leigos, mas talvez nem tanto assim ‘no campo’. Infelizmente, porém, existem até alguns bispos que parecem se opor, ou pelo menos não apoiar, o Santo Padre. Para mim, isso é simplesmente espantoso e inacreditável. Não me lembro de São João Paulo II ou Bento XVI serem tratados dessa forma por seus críticos. Dito isso, não acho que haja risco de cisma. Historicamente, esta poderia ser mais uma reação dos protestantes. Como diz o velho ditado, para responder a uma divisão, no mundo protestante se funda uma nova denominação; no mundo católico se funda uma nova ordem religiosa. Por mais grave que possa ser, não creio que haja risco de cisma aqui. Eu só gostaria que os adversários do Papa Francisco tratassem o Papa com um pouco mais de respeito.
Onde está Deus hoje?
Em todos os lugares. Uma das sínteses mais úteis da espiritualidade jesuíta é "encontrar Deus em todas as coisas". Isso significa encontrá-lo não só na oração, na missa ou na leitura da Bíblia, mas também nas relações, no trabalho, na natureza, na música, na arte... A chave de tudo é prestar atenção aos seus sinais, perceber a sua presença.
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“O Papa Francisco deu novamente dignidade às pessoas LGBTQ e isso é uma bênção para todos”. Entrevista com James Martin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU