14 Março 2023
Em seu blog, o teólogo italiano Andrea Grillo, 13-03-2023, escreve: “Dez anos depois deste relato, ao relê-lo, fiquei muito impressionado como, desde o início, ficou claro o que estava iniciando então. A irrupção de uma grande e esperada novidade, que direcionaria gradualmente a Igreja Católica para uma leitura mais profunda e mais intensa de si mesma e de sua relação com o mundo. Por ocasião do 10º aniversário do dia 13 de março de 2013, pareceu-me bom republicar o post tal e qual, como um ato de memória e, ao mesmo tempo, de esperança”.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A renúncia do Papa Bento XVI, anunciada em 11 de fevereiro e efetivada em 28 de fevereiro, abriu uma passagem na vida da Igreja para uma oportunidade de revisão, de conversão, de um salto possível, mas não evidente.
Na segunda-feira, 11 de março, exatamente um mês depois daquela renúncia, eu tinha um encontro noturno em Pádua, por iniciativa de três paróquias, sobre o tema da “Quinta-Feira Santa”. Enquanto lhes mostrava a exigência de sair da mentalidade tradicional (a herança medieval do tríduo da paixão contraposto ao tríduo da ressurreição) e de adquirir a visão mais antiga dos “três dias” (da véspera de quinta-feira à véspera do domingo), pensava que, no dia seguinte, se abriria o conclave, e a Igreja poderia encontrar um novo impulso e uma nova força, também para anunciar essas verdades tão fundamentais e tão pouco compreendidas.
No dia seguinte, de fato, foram realizados todos os ritos de introdução ao conclave, que eu acompanhei pelo rádio enquanto chegava a Pesaro, onde deveria realizar as minhas quatro horas de aula, das 18h às 21h. Justamente no momento do intervalo, por volta das 19h30, recebi a notícia da “fumaça preta”, que o Pe. Lombardi já havia previsto desde o dia anterior. Como era óbvio, a primeira votação tivera apenas a função de “sondagem” e de “verificação” das condições de consenso e de orientação dos cardeais.
O dia seguinte, quarta-feira, 13 de março, considerado por muitos como decisivo, desenvolveu-se com uma tensão crescente. Estavam previstas quatro votações, duas pela manhã e duas à tarde. A manhã transcorreu de modo muito linear, e, com uma certa surpresa, a fumaça preta no fim da manhã subiu ao céu bem antes do programa previsto. O que tudo isso podia significar? Não era possível entender.
À tarde, havia uma certa expectativa para a metade da tarde, quando a eleição poderia ser anunciada. Mas a expectativa foi frustrada. Estávamos quase convencidos de que também à noite, por volta das 19h, ou talvez antes, veríamos novamente a fumaça preta.
Enquanto isso, tive de partir para Milão, onde, à noite, às 21h, tinha uma conferência no ciclo “A cátedra do Concílio”. Indo rumo a Milão, de Pádua, passei em frente à saída de Bergamo e vi a indicação “Sotto il Monte”. Uma intenção floresceu em meu coração. Se o Papa João XXIII, 50 anos depois, quisesse dar uma mão…
Enquanto chegava em Milão, na paróquia de S. Giovanni in Laterano, pouco depois das 19h, ouvi o jornalista gritar no rádio: “É branca, a fumaça é branca”. Assim dizia o comentarista, enquanto a praça ao redor dele começava a aplaudir com entusiasmo. Em poucos minutos, com crescente agitação, cheguei à paróquia, onde o jantar estava pronto, e a televisão enquadrava continuamente a janela da loggia de São Pedro.
Comi com o pároco, seus colaboradores e amigos, no espaço entre o anúncio e a proclamação. Passou-se uma hora abundante, atravessada por meias-palavras, aberturas e fechamentos, impulsos de imaginação e realismos quase sombrios. Depois, chegaram os primeiros indícios de abertura da janela: acenderam-se as luzes nas salas, moveram-se tênues sombras por trás das cortinas brancas e, por fim, eis o momento, saiu o cardeal protodiácono, e ouvimos a palavra tão esperada: “Habemus papam! É o cardeal Bergoglio, de Buenos Aires. Que se chamará ‘Francisco’”! Eles me olham de modo interrogativo e eu digo: “Ele é aberto, era o concorrente do Ratzinger em 2005”. Fico muito impressionado, entendo que aconteceu algo que talvez todos pudéssemos prever, mas que poucos levariam em consideração.
Mais alguns minutos de espera, e, depois, eis o novo Papa Francisco. Ele fica em silêncio por alguns minutos, enquanto a multidão aplaude, e as bandas tocam, debaixo da sacada. Depois, começam os 10 minutos mais longos e mais densos da Igreja pós-conciliar. O novo papa saúda com um “Fratelli e sorelle, buona sera” [Irmãos e irmãs, boa noite!]. Logo chama a atenção o tom de voz, a meio caminho entre o Papa Roncalli e o Papa Luciani. Mas depois a oração pelo Papa Bento (chamado de “bispo emérito de Roma”) assume a forma de um Pai-Nosso, de uma Ave-Maria e de um Glória, recitados em um italiano inevitavelmente incerto, mas direto e sincero, surpreendente.
Depois, ele define o próprio caminho como “bispo com o seu povo”, pedindo que o povo reze silenciosamente a Deus para que abençoe o próprio bispo. E, no silêncio da praça que reza, o Papa Francisco se inclina diante de Deus e de seu povo. Depois, prossegue para a bênção, só naquele momento vestindo a estola, que depois tira com suas próprias mãos, assim que o rito de bênção se conclui. No fim, pede novamente o microfone e saúda a multidão, agradecendo pela acolhida e desejando boa noite e bom repouso.
Fico sem palavras, quase atordoado pela superabundância. Como se, depois das perspectivas de uma mudança eclesial, dos riscos das esperanças frustradas, o resultado do conclave nos apresentasse, de repente, uma possibilidade de uma real mudança de linguagem, de prioridades, de estilo, de perspectiva, de uma forma que talvez ninguém ousasse pensar depois das promessas solenes do Concílio Vaticano II. Fazia 50 anos que não se ouvia um papa falar assim.
Mas a noite ainda me reservava outras surpresas. De fato, os amigos milaneses, que eu não conhecia, prepararam como “introdução” à minha conferência sobre a Sacrosanctum Concilium a projeção de dois “vídeos”: o primeiro eram alguns minutos de uma missa de Dom M. Lefebvre, em Paris, em 1977; a segunda, alguns momentos da última Vigília Pascal presidida pelo Pe. David Maria Turoldo. Ninguém, se quisesse contextualizar aquela noite imprevisível, poderia ter antecipado melhor os sentimentos e as emoções que habitavam mente e coração, alma e corpo. Estávamos diante de uma virada eclesial totalmente surpreendente, e começar com aquelas imagens foi a premissa para uma reavaliação do “participar” na liturgia como exigência elementar dessa própria virada, finalmente aberta e disponível diante de nós, há apenas uma hora!
No dia seguinte, quinta-feira, 14 de março, parti de manhã cedo para Roma, onde devia realizar meu seminário sobre a “liturgia no Concílio Vaticano II” e, depois, no fim da tarde, a apresentação de um livro de um bom monge, filólogo e musicista, meu ex-aluno, de nacionalidade argentina. O dia, com todos os seus compromissos, foi marcado, porém, pelo crescente entusiasmo que transbordava a partir dos primeiros gestos e palavras do novo bispo de Roma.
Em Santo Anselmo, cruzei-me com alguns colegas que me revelaram alguns bastidores da primeira aparição. A “recusa da mozeta” tornou-se uma espécie de símbolo do novo percurso litúrgico, que o Papa Francisco parece querer inaugurar. Mas também ficamos sabendo da desenvoltura com que o novo papa pagou a conta na própria pousada, pegou ele mesmo as suas malas, encurtou a distância com as pessoas, saiu da sede, quase tropeçando, para ir abraçar o decano do Colégio Cardinalício, levou um buquê de flores para Nossa Senhora e se ajoelhou no último banco e não no genuflexório solene reservado para ele…
Parece quase que a linguagem formal da Igreja, nessa aceleração repentina, readquiriu uma possibilidade de palavra de autoridade e de crédito humano que, por muito tempo, havia permanecido latente ou até mesmo teve que conhecer negações abertas.
À noite, na Abadia de São Paulo Fora dos Muros, pude me sentir próximo e quase incluído naquele famoso mosaico em que o papa (Honório III) é representado “pequeno e quase aniquilado no chão”, que “beija o pé do Cristo, de gigantescas dimensões”, como escreveu Paulo VI em seu primeiro famoso discurso no Concílio Vaticano II, em setembro de 1963.
No dia seguinte, voltando para casa, em Savona, à noite, em uma reunião na paróquia, pude levar em consideração como o caminho da iniciação cristã das crianças também pode ser relido e promovido a partir dessa perspectiva pastoral, confirmada com tanta força pelo novo Papa Francisco.
Enquanto isso, as diversas ocasiões de encontro, de tomada da palavra, de presença do novo papa confirmam a primeira impressão: uma releitura não triunfalista, não imperial, não sumo-sacerdotal, não hierárquica abre caminho em todos os níveis e pode renovar tudo, quando realmente se quer.
No sábado, 16, um dia de trabalho me espera em Lugano, para os catequistas da diocese. O tema é o da “fé celebrada”. O contexto é o Ano da Fé. É um contexto que padece da ambiguidade de uma “escolha fracassada”. Como é possível celebrar o 50º aniversário do Concílio Vaticano II, unindo-o aos 20 anos do Catecismo da Igreja Católica? Essa escolha, que inaugurou o Ano da Fé, foi literalmente abalada pelos fatos dos últimos três dias. Foi precisamente essa crescente falta de clareza que comprometeu a figura eclesial dos últimos anos, que agora pode ser redimida.
Ontem, domingo, ao regressar de Lugano, decidi honrar o voto que fiz há uma semana. Prolongo um pouco a estrada e volto para Sotto il Monte. Depois da celebração eucarística, subo à Abadia de Santo Egídio e visito o túmulo do Pe. David Maria Turoldo, enquanto, no silêncio, caem suaves flocos de neve. No sinal de João XXIII e do grande frade servita, medito sobre esses dias e sobre como, quase de repente, a Igreja se viu consolada em sua diversidade, em seu anseio de dar a palavra ao Espírito, de se fazer próxima de todos, de retomar o caminho suspenso ou interrompido, por muitos anos.
Teremos que contar aos nossos filhos e aos nossos netos sobre esses dias de graça. Teremos que narrá-los em todas as suas surpresas, em tudo o que era inesperado e que, ao se realizar de repente, quase nos tirou a palavra. Nas dobras destes poucos dias, soprou um vento cheio de frescor, uma brisa leve, na qual pudemos reconhecer a marca inconfundível do bem que abre caminho e da liberdade do Espírito Santo, que sopra onde quer, muitas vezes contra todas as nossas expectativas. E assim abre à esperança, vencendo toda presunção e todo desespero. A Igreja caminha, verdadeiramente.
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Dez anos depois daquela semana encantada em torno da eleição de Francisco. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU