11 Janeiro 2023
Ainda não passou uma semana desde que Bento XVI foi sepultado na Basílica de São Pedro, mas seu secretário já está no centro da polêmica vaticana. Georg Gänswein, o homem encarregado de guardar os segredos e a privacidade de Joseph Ratzinger nos últimos 20 anos, publica na quinta-feira um livro onde acerta as contas com os protagonistas da comitiva do pontífice emérito nos últimos anos. Também com o Papa Francisco, com quem não esconde que teve uma má relação e com quem se sentiu desiludido quando deixou as suas funções.
O comentário é de Daniel Verdu, publicado por El País, 10-01-2023.
O Papa, talvez farto de todo o barulho que Gänswein está fazendo nestes dias, encontrou-se com ele na segunda-feira. Foi logo depois de lhe enviar um aviso, sutil, mas claro, no Angelus do último domingo. “O grande fofoqueiro é o diabo, que está sempre falando mal dos outros, porque é o mentiroso que procura desunir a Igreja e alienar os irmãos e não fazer comunidade”.
Francisco e Gänswein, o arcebispo alemão, nunca estiveram na mesma página. Mas a publicação do livro, que o secretário de Bento XVI já tinha pronto na tipografia, aguardando a morte de seu pai espiritual por duas décadas, teria piorado as coisas. “Peço que se esforcem para não fofocar. A fofoca é uma praga mais feia que a cobiça, pior. Vamos fazer um esforço, sem fofoca, sem nada”, insistiu Francisco no domingo.
Mas era tarde demais, porque o livro de Gänswein, Nient'altro che la verità. La mia vita al fianco di Benedetto XVI (Nada além da verdade. Minha vida com Bento XVI), a que o EL PAÍS teve acesso, também aponta para Jorge Mario Bergoglio e para as profundas diferenças que existiam, também teológicas, entre os dois pontífices. “As diferenças na forma de agir e nas nuances do julgamento teológico com que ambos os papas enfrentaram as questões durante seu pontificado são visíveis a todos. Mas Bento nunca fez interpretações ou avaliações sobre a estratégia de Francisco”, aponta no livro.
Nient'altro che la verità: la mia vita al fianco di Benedetto XVI
Gänswein, de tendência conservadora, também lamenta em uma obra que aponta para um best-seller o uso partidário que tem sido feito dos dois papas pelas facções tradicionalistas e progressistas da Igreja. O problema, segundo ele, não era tanto a existência de dois pontífices, mas “o nascimento e o desenvolvimento de dois grupos de adeptos, já que com o passar do tempo se viu que há duas visões da Igreja. E esses dois grupos criaram uma tensão que foi ecoada por aqueles que desconheciam a dinâmica eclesial”.
Um dos piores momentos da convivência foi quando o cardeal Robert Sarah, firme opositor de Francisco, anunciou um livro a quatro mãos com Bento XVI no qual questionava um dos principais debates -o celibato obrigatório- em que o Papa se adentrara através do sínodo da Amazônia. Curiosamente, Gänswein agora acusa o cardeal, descartando o que na época era atribuído à sua própria má fé. O título em que ele conta o que aconteceu chama-se a falha crítica de Sarah.
Uma das revelações que o livro agora também traz é a intra-história da renúncia ao papado. “A ideia original de Bento era comunicar sua renúncia ao final da audiência com a cúria romana para a saudação de Natal, marcada para 21 de dezembro daquele ano. Ia indicar 25 de janeiro de 2013 como a data em que terminaria o pontificado, festa da conversão de São Paulo. Quando ele me disse, em meados de outubro, respondi: 'Santo Padre, deixe-me dizer-lhe que, se fizer isso, ninguém celebrará o Natal este ano, nem no Vaticano, nem em lugar nenhum. Será como um jarro de água fria. Ele entendeu a motivação e no final escolheu o 11 de fevereiro”.
A relação com Francisco, supõe-se, começou a ser ruim quando o Papa o transformou em um "prefeito diminuído" ao chegar ao pontificado. Gänswein havia sido prefeito da Casa Pontifícia durante o reinado de Bento XVI, mas Bergoglio não queria que ele continuasse exercendo essa função. “Ele olhou para mim com uma expressão séria e disse surpreso: ‘A partir de agora fique em casa. Acompanhe Bento, que precisa de você, e faça de escudo. Fiquei muito chocado e sem palavras. Quando tentei responder, ele encerrou a conversa: "Você vai continuar sendo prefeito, mas a partir de amanhã não volta mais ao trabalho."
Gänswein, ele relata no livro, respondeu que não compartilhava da decisão, mas que a cumpria obedientemente. Mais tarde, ele voltou ao mosteiro e contou a Bento XVI sobre isso. "Parece que o Papa não confia mais em mim e quer que você seja meu guardião", respondeu Raztinger a Gänswein, segundo o que está publicando agora.
A questão agora é se o secretário de Ratzinger será punido ou dispensado honrosamente pelos serviços prestados ao longo dos anos. Por enquanto, seu encontro com Francisco ocorreu enquanto ele ainda era prefeito da Casa Pontifícia. E não há notícias de sua demissão. Seu retorno à Alemanha também não parece provável. O presidente da Conferência Episcopal Alemã, Georg Bätzing, já deu a entender: “Depende da pessoa diretamente envolvida e de quem toma essas decisões na cúria vaticana”.
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O livro do secretário de Bento XVI e seus ruídos no Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU