11 Janeiro 2023
Para o cardeal alemão, a decisão de Bento em 2013 foi uma decisão que não foi "refletida claramente, dogmaticamente e canonicamente". Cardeal Ghirlanda: há um vácuo legislativo, é preciso intervir sobre o emeritato.
O Cardeal Gerhard Ludwig Müller disse ser "absolutamente contra uma renúncia do Papa Francisco" e definiu a renúncia de Bento XVI, em 2013, como uma decisão que não foi "pensada de forma clara, dogmatica e canonicamente".
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por Repubblica, 10-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O cardeal alemão de 75 anos, nomeado por Joseph Ratzinger como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e aposentado por Jorge Mario Bergoglio, falou na apresentação de um livro sobre a "renúncia pontifícia na história e no direito canônico" ("Papa, non più papa” Viella editore; em tradução livre, Papa, não mais papa), organizada pela sociedade Dante Alighieri. Além dele, se manifestaram o cardeal canonista Gianfranco Ghirlanda, que destacou a necessidade de uma legislação que regule a "exceção" da renúncia pontifícia, o jornalista Massimo Franco e o historiador Andrea Riccardi.
"Nós certamente respeitamos o Papa Bento, que em sua consciência diante de Deus chegou à convicção de que era melhor para o bem da Igreja renunciar ao cargo de bispo de Roma juntamente com as prerrogativas petrinas. A partir disso não pode derivar e encontrar justificativa a instituição de uma regular renúncia papal por razões percebidas subjetivamente", disse Müller.
Para o cardeal, ainda, "o Papa não deve ser comparado a uma autoridade leiga como o rei inglês, o califa islâmico, um general romano ou o Dalai Lama ou qualquer outra autoridade religiosa: é um ofício episcopal e também o papado não pode ser entendido com a categoria dos representantes provisoriamente eleitos pelo povo ou até mesmo o CEO de uma grande empresa, substituídos por um substituto mais jovem segundo o critério de eficiência".
O cardeal Müller disse que falou sobre isso com Francisco no início de seu pontificado: "Isso não pode se tornar uma regra porque, com grande respeito por Joseph Ratzinger, grande teólogo, mas devo dizer que esse ponto de sua decisão não foi refletido anteriormente clara, dogmatica e canonicamente, e tudo isso, com os sinais secundários mas importantes neste mundo onde a televisão tem mais importância que centenas de livros, o vestido branco, o título de Papa Emérito, não o posso aceitar. É falso teologicamente. Significa quase separar o episcopado de Roma e o ministério petrino, que são um só.
Depende da decisão dos Papas, mas, se me perguntarem, digo clara e publicamente que isso não pode se tornar uma regra, deve ser uma exceção extrema: quando alguém não é mais capaz fisicamente ou mentalmente, com possíveis doenças no caso, eu posso aceitar, nada além disso. A Igreja não é uma instituição quase mundana. Sou absolutamente contra uma renúncia do Papa Francisco, ele é absolutamente física, psicologicamente ou mentalmente em condições de continuar. É preciso refletir mais sobre esse ponto. Mesmo a renúncia automática dos bispos aos 75 anos, eu não posso aceitar, deve haver outras causas, outros argumentos, como não ser mais capaz física e mentalmente. Para mim, a regra dos 75 anos não é um argumento teologicamente responsável"
O cardeal Ghirlanda se disse “plenamente de acordo” com Müller sobre o fato de que “não pode ser considerado como um fato normal” a renúncia de um Papa: “Não é um fato heterodoxo, mas não pode ser um fato normal. Cria um trauma e, de fato, criou uma ambiguidade, não porque Bento XVI quisesse criá-la, exceto pelo que Gänswein depois ressaltou...”, continuou o cardeal jesuíta em relação à recentes manifestações do secretário particular de Ratzinger, “mas pode acontecer em situações excepcionais em que o Papa considera que não pode mais governar. Também concordo que os cardeais possam ser consultados para entender a dimensão eclesial de uma renúncia, deixando claro que o Papa não submete a sua renúncia aos cardeais, porque recebe o poder de Cristo e o entrega a Cristo quando decide renunciar. Mas, do meu ponto de vista, há um vazio legislativo.
Propus o título de bispo de Roma emérito, que não foi aceito. Gregório XII quando renunciou ao Concílio de Constança, depois Martinho V o nomeou cardeal. Nestes dez anos houve apenas um Papa, não um Papa e meio ou um Papa e um quarto. Mas essas situações podem ser exploradas e foi explorada por grupos que não aceitam o atual Pontífice, apoiando-se em declarações e elementos que podiam criar tal ambiguidade. Essas franjas da Igreja que criam desunião, e isso é doloroso e grave. Certamente o Papa Bento não tinha essa intenção, mas as coisas podem ser manipuladas. É por isso que acredito que uma legislação que determine qual é a posição do papa que renuncia seria oportuna, mesmo que deva ser uma situação excepcional.
O professor Riccardi, por sua vez, fez uma panorâmica histórica sobre o papado e a renúncia, detendo-se na renúncia de Bento: "Ainda não escrevemos a história desta renúncia", disse, confessando ter vivido o anúncio de Ratzinger "um pouco como um choque pela insistência apenas na consciência: se não fosse Ratzinger eu diria que ele era um pouco protestante". Riccardi enfatizou que uma "ambiguidade" apareceu ao longo dos anos, apesar de ser "a ambiguidade de um homem que é sem ambiguidades tanto de pensamento quanto de atitude".
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Cardeal Müller: sou absolutamente contra uma renúncia do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU