14 Setembro 2022
A 11ª Assembleia do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), realizada em Karlsruhe, Alemanha, de 31 de agosto a 8 de setembro, já se concluiu. A assembleia normalmente se reúne a cada oito anos. No último dia, 8 de setembro, a assembleia aprovou uma declaração sobre a Ucrânia, que pode ser lida na íntegra, em inglês, aqui. A declaração condena a guerra, mas não joga a culpa sobre um governo ou uma Igreja específica. Já houve algumas críticas negativas de que a declaração não ia mais longe (como, por exemplo, aqui [em alemão]).
O comentário é de Peter Anderson, publicado em Il Sismografo, 09-09-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O metropolita Anthony de Volokolamsk, presidente do Departamento de Relações Exteriores do Patriarcado de Moscou e chefe da delegação do patriarcado na assembleia, emitiu um comentário (disponível em inglês aqui) de que o patriarcado não poderia votar apoiando a declaração. No entanto, ele afirmou que o patriarcado via com “otimismo cauteloso” a posição do CMI, que “se recusou a levantar quaisquer acusações contra a Igreja Ortodoxa Russa e reconheceu a importância de sua missão humanitária em grande escala realizada com a bênção de Sua Santidade o Patriarca Kirill de Moscou e de toda a Rus’, para apoiar os refugiados e as pessoas afetadas pelo conflito”.
O Metropolita Anthony também afirmou que, embora o documento permaneça “consideravelmente politizado”, a discussão, que ocorreu durante a assembleia, “pode se tornar para o CMI um ponto de partida para um estudo objetivo e sem preconceitos das causas do conflito de longa data na Ucrânia, assim como para os esforços subsequentes de pacificação”. Eu ainda não vi nenhum comentário oficial da Igreja Ortodoxa da Ucrânia (OCU) ou da Igreja Ortodoxa Ucraniana (UOC) sobre a declaração do CMI.
A respeito disso, o teólogo e comentarista ortodoxo, o Arquimandrita Cyril Hovorun, fez uma observação interessante em sua página no Facebook (disponível aqui). Ele afirma que o Patriarcado de Moscou poderia ter votado contra a declaração, com o resultado de que o texto teria sido derrotado por causa da exigência de consenso. No entanto, ele argumenta que o patriarcado não o fez, pois isso resultaria em um constrangimento para a liderança do CMI, que resistiu a grandes pressões para excluir o patriarcado do CMI. Na minha opinião, é possível que o Patriarcado de Moscou tenha simplesmente se abstido de votar em vez de votar a favor ou contra a declaração.
Antes de 8 de setembro, houve uma série de eventos na assembleia sobre a Ucrânia. No dia 2 de setembro, houve uma sessão plenária temática relacionada à paz na Europa e especialmente na Ucrânia. Um vídeo de toda essa plenária pode ser assistido em inglês aqui. O Pe. Ioan Sauca (Patriarcado Romeno), secretário geral interino do CMI, fez alguns comentários introdutórios. Ele relatou que tinha estudantes ortodoxos tanto da OCU quanto da UOC no Bossey Ecumenical Institute. Ele decidiu convidá-los para se encontrarem com ele em um restaurante para comer uma pizza e tomar uma cerveja. Todos foram. Ele disse que não viu quaisquer divisões ou animosidades. Ao invés disso, eles se divertiram e cantaram hinos ucranianos juntos. Nessa introdução, o Pe. Ioan também afirmou que uma Igreja ucraniana (OCU) solicitou a adesão ao CMI e outra (UOC) está avaliando isso. Ele disse que não é um profeta, mas afirmou que pode haver duas Igrejas ortodoxas ucranianas no CMI. O Pe. Ioan então concluiu: “Peço a Deus que um dia haja um membro único da Igreja e que haja uma única Igreja Ortodoxa na Ucrânia”.
Mais tarde, nessa mesma plenária temática, o arcebispo Yevstratiy (Zoria), chefe da delegação de observadores da OCU na assembleia e principal porta-voz da OCU, fez uma apresentação sobre a situação na Ucrânia (no vídeo, a partir de 37:36). Ele foi seguido por um representante da UOC, Dr. Sergii Bortnyk, professor da Academia Teológica de Kiev e diretor da Academic Initiative Charitable Foundation for Academic Theology in Ukraine (no vídeo, a partir de 47:25).
Ninguém do Patriarcado de Moscou falou como parte do painel (aparentemente eles não foram convidados a fazer isso). O Dr. Bortnyk afirmou que nossos “inimigos” estão tentando nos tornar parte da Rússia novamente e enfatizou a declaração da UOC de maio a respeito da independência completa da UOC em relação ao Patriarcado de Moscou. Ele falou sobre a atividade humanitária da UOC na situação de guerra. Ele expressou a esperança de que, após o fim da guerra, a UOC possa se comunicar mais com outras Igrejas do mundo, incluindo membros do CMI.
O Conselho Ucraniano de Igrejas e Organizações Religiosas (UCCRO) também enviou uma delegação de observadores à assembleia. A delegação do UCCRO incluiu um bispo apostólico armênio, um padre greco-católico e um representante da Igreja Batista Evangélica (no vídeo, a partir de 32:10).
Mais tarde, uma coletiva de imprensa do CMI foi realizada com o arcebispo Yevstratiy. A coletiva em inglês pode ser assistida aqui. Embora o secretário-geral da Conferência das Igrejas Europeias (CEC) também estivesse lá para receber perguntas, todas as questões dos jornalistas foram para o arcebispo. No passado, pareceu-me que o arcebispo geralmente assumia o papel de atacante, e não de diplomata, em suas apresentações. No entanto, depois de assistir a essa coletiva de imprensa, fiquei com uma impressão melhor dele. Ele afirmou que a OCU estava aberta a discussões com a UOC em relação à transferência de paróquias.
No início da assembleia, o Patriarcado de Moscou enfrentou um momento difícil. No primeiro dia, 31 de agosto, o presidente da Alemanha, Frank Steinmeier, falou à assembleia com palavras muito duras sobre o Patriarcado de Moscou (o texto na íntegra, em inglês, está disponível aqui). Ele declarou: “Os líderes da Igreja Ortodoxa Russa estão atualmente levando seus membros e toda a sua Igreja por um caminho perigoso e, de fato, blasfemo, que vai contra tudo o que eles acreditam. Estão justificando uma guerra de agressão contra a Ucrânia – contra seus próprios e nossos próprios irmãos e irmãs na fé... A liderança da Igreja Ortodoxa Russa alinhou-se com os crimes da guerra contra a Ucrânia. Essa ideologia totalitária, disfarçada de teologia, levou à destruição total ou parcial de muitos locais religiosos em território ucraniano”. Ele também disse: “Espero que esta assembleia não os poupe da verdade sobre essa guerra brutal e das críticas ao papel de sua Igreja”.
Mais tarde, no mesmo dia, o Metropolita Anthony emitiu um comentário no qual se referiu às observações do presidente como “pressão rude” e interferência nos assuntos internos do CMI (disponível em inglês aqui). Como se viu, a assembleia não excluiu o Patriarcado de Moscou, e o documento final sobre a Ucrânia não criticou o Patriarcado de Moscou.
Em 7 de setembro, foram recebidos comentários em uma sessão plenária sobre os documentos propostos em relação à Ucrânia. O vídeo dessa sessão se encontra aqui. Em 1:25:50, o Arquimandrita Filaret (Bulekov), vice-presidente do Departamento de Relações Exteriores do Patriarcado de Moscou, comentou o documento proposto. Ele disse que o texto era melhor do que suas expectativas. Ele achava que seria mais politizado e mais agressivo. Mas acrescentou que é um exemplo da guerra de informação, na medida em que “ilumina algumas coisas e camufla outras”. Segundo ele, não há nenhuma menção a outras partes na disputa.
Imediatamente depois, em 1:31:00, uma jovem, Alexandra Kovalenko da OCU, falou e fez o pedido aos membros do Patriarcado de Moscou para levantarem seu cartão azul (entregue aos delegados para indicar desaprovação) se eles se opunham à guerra na Ucrânia. Segundo a mídia, nenhum deles o fez. No entanto, a jovem foi tão apressada em seu comentário de um minuto que é questionável se a delegação teve a oportunidade de agir em resposta ao seu pedido.
Os membros da grande delegação do Patriarcado de Moscou estão listados aqui. Em 24 de maio de 2022, o Santo Sínodo do Patriarcado de Moscou nomeou o Metropolita Luke de Zaporozhye e Melitopol (UOC) como membro de segundo escalão da delegação de Karlsruhe. É claro que ele não se juntou à delegação.
Na assembleia, ortodoxos orientais foram eleitos para cargos importantes no CMI. O Metropolita Dr. Vasilios de Constança (Igreja do Chipre) e o Catholicos Aram I da Cilícia (Apostólico Armênio) tornaram-se dois dos oito presidentes do CMI (lista disponível aqui). Os 150 membros do recém-eleito Comitê Central estão listados aqui. Parece que cada uma das Igrejas Ortodoxas locais autocéfalas (exceto Geórgia e Bulgária, que não são membros do CMI) tem pelo menos um representante no Comitê Central. O Patriarcado de Moscou tem cinco representantes, e o Patriarcado Ecumênico tem cinco representantes no Comitê. O Metropolita Nifon de Târgoviște (Patriarcado Romeno) é vice-moderador do Comitê Central.
Em um âmbito diferente, os serviços funerários do Metropolita Kallistos foram realizados em 31 de agosto e em 1º de setembro em Oxford em três locais diferentes. A vigília foi realizada na Igreja Ortodoxa Russa de São Nicolau (Patriarcado de Moscou). A Divina Liturgia foi celebrada na Igreja Ortodoxa Grega da Santíssima Trindade e da Anunciação (Patriarcado Ecumênico). E o serviço fúnebre foi realizado na Igreja Oratório de St. Aloysius Gonzaga em Oxford (católica), para acomodar o grande número de pessoas esperadas. Este link fornece links para vídeos de cada um dos serviços. Assim como a vida do Metropolita Kallistos ajudou a construir pontes entre as Igrejas, seus ritos funerários envolveram a cooperação entre elas. Além dos bispos do Patriarcado Ecumênico que participaram dos serviços (Metropolita Atenágoras da Bélgica, Metropolita Atanásio de Koloneia e Arcebispo Nikitas de Tiatira e Grã-Bretanha), também participaram o Metropolita Silouan (Patriarcado de Antioquia) e o Arcebispo Zenon (Patriarcado da Geórgia) (informações disponíveis em inglês aqui). O Dr. John Chryssavgis, outro aluno do metropolita, foi o diácono da Liturgia.
O Dr. Brandon Gallaher, que é professor de Estudos Cristãos Ortodoxos na Universidade de Exeter e diácono do Patriarcado Ecumênico, escreveu um artigo muito interessante sobre o Metropolita Kallistos, com quem ele teve uma estreita associação (disponível em inglês aqui). Aprendi muito com esse artigo, especialmente sobre o amor do metropolita pela Igreja russa e sobre sua participação no Concílio de Creta. Instigou-me também que os sinais do ofício do metropolita como bispo foram dados de presente a várias pessoas: a mitra foi para o Metropolita Atenágoras (Patriarcado Ecumênico), os paramentos episcopais foram para o Mosteiro de São João Batista (Patriarcado Ecumênico), a cruz peitoral do metropolita foi ao Pe. Stephen Platt (Patriarcado de Moscou), e o Panaghia foi enviado ao Metropolita Hilarion de Budapeste (Patriarcado de Moscou). Novamente, construiu-se uma ponte entre as Igrejas.
Em 3 de setembro, o Patriarca Ecumênico Bartolomeu chegou à ilha de Tassos, no norte do Mar Egeu, perto da costa da Macedônia Oriental e da Trácia. Ele estava acompanhado pelo arcebispo Hieronymos de Atenas e o Metropolita Epifany, primaz da OCU (disponível aqui). No dia seguinte, os três primazes celebraram juntos a Liturgia na Igreja da Dormição na ilha (disponível aqui). O Metropolita Simeão de Vinnytsia (OCU) chegou logo depois ao Chipre para uma visita oficial (disponível aqui). Na noite de 7 de setembro, ele participou de um rito noturno com o Metropolita Nektarios de Kition (Igreja de Chipre) (disponível aqui).
Em 19 de agosto, o Metropolita Epifany enviou uma carta à Igreja Ortodoxa da Polônia em relação às queixas desta última ao Patriarca Ecumênico sobre os contatos da OCU com a Igreja Católica na Polônia (disponível aqui). Parece que o clero e os fiéis da OCU que estão atualmente refugiados na Polônia não têm para onde ir para os ritos da OCU, exceto as igrejas oferecidas pela Igreja Católica na Polônia. Em 23 de agosto, a Igreja Ortodoxa da Polônia emitiu uma declaração (disponível aqui) que reafirma seu apoio à criação de uma única Igreja autocéfala para a Ucrânia. Ela afirma que a OCU não é canônica e que os sacramentos administrados por leigos não podem ser considerados válidos. O cuidado pastoral é fornecido aos refugiados pela Igreja Ortodoxa da Polônia.
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Conselho Mundial de Igrejas se pronuncia sobre guerra na Ucrânia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU