28 Junho 2022
"Nesse sentido, transmitir a fé significa formar novas gerações de crentes. A Igreja - com os seus guias e agentes pastorais, com os fiéis leigos que a constituem, com as suas paróquias, com os seus grupos e movimentos - é de fato como uma família, cuja primeira vocação é cuidar, de forma adequada às situações de mudança, a educação para a fé. Disso depende não só a transmissão da fé, mas também o estímulo para amadurecer uma elevada qualidade de vida de fé, de que os santos das nossas terras são testemunhas ainda hoje", escreve Massimo Naro, teólogo sistemático da Faculdade Teológica da Sicília, em Palermo, em artigo publicado por Settimana News, 25-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
No sábado, 11 de junho deste ano, foi realizado um encontro de estudo na Seção San Luigi da Faculdade Teológica da Itália Meridional, no qual os bispos do sul da Itália e os professores das faculdades teológicas que atuam em Nápoles, Bari e Palermo, discutiram o tema: Vivências eclesiais e inteligência da fé no contexto do Mediterrâneo.
Tive também a preciosa oportunidade de participar do encontro, com a reflexão que me permito repropor aqui.
Considero necessário, além de útil, perguntar-nos o que pode significar uma teologia em contexto mediterrâneo e, por isso mesmo, uma teologia peculiarmente pastoral (é a consideração séria e atenta do contexto que torna o exercício teológico efetivamente pastoral).
Eu diria que o contexto deve ser entendido como aquele que resulta do entrelaçamento entre espaço e tempo, entre cenário geográfico e horizonte histórico. No dia 9 de junho, falando aos bispos e padres sicilianos recebidos em audiência, o papa apresentou - nas entrelinhas do seu discurso - justamente uma acepção puramente histórica do contexto: o contexto de hoje é também a conjuntura de hoje, aquela da mudança de época, como Francisco costuma repetir.
No contexto e na conjuntura há um amálgama de tradições religiosas, experiências eclesiais, elaborações culturais, emergências sociais. É uma espécie de meada entrelaçada de fios de várias cores, que sintetiza densamente o passado, que molda magmaticamente o presente, que prospecta enigmaticamente vários desenvolvimentos futuros.
Precisamente em referência a estes últimos, vale a pena discernir e ponderar como intervir pastoralmente (e incluo no advérbio também a inspiração teológica, já que a pastoral autêntica só pode ser teologicamente consciente e clarividente).
Os temas sobre os quais praticar a esse respeito são peculiares ao nosso sul do Mediterrâneo (e meridiano, diria o falecido sociólogo Franco Cassano). São peculiares não tanto por serem temas que não afetam outros contextos regionais. Até mesmo o fenômeno das máfias pode agora ser encontrado no norte da Itália: o que Leonardo Sciascia preconizava em 1961, em Il Giorno dela Civetta, ou seja, que a "linha da palma" - ou seja, a frente da desertificação moral e da ilegalidade – se espalhava cada vez mais ao norte e já havia chegado a Roma, é um fato consumado.
Mas as máfias continuam sendo um fato específico em nosso sul que se complica por incluir outras dimensões tipicamente meridionais, em si belas e boas, como a piedade popular (que o papa mencionou ao falar com os bispos e os presbíteros sicilianos no Vaticano).
Falando de máfias, em particular, que reflexão deve ser elaborada nas faculdades teológicas que funcionam em Nápoles, Bari e Palermo? E o que fazer em nossas dioceses? Entre as várias vias de investigação a explorar, a meu ver, continua a ser interessante a revisitação da martiriologia, de modo a libertar-se da exclusividade do odium fidei e realçar de uma vez o motivo do odium iustitiae.
Não quero dizer que a teologia do martírio classicamente baseada na razão do odium fidei não tenha sido e não permaneça hoje, em muitas partes do mundo, válida e atual; entendo dizer que em um contexto infiltrado pela presença das máfias (muitas vezes autodenominadas "fieis às tradições religiosas"), os crentes em Cristo não são mortos apenas porque declaram sua fé na divina-humanidade do Filho eterno, ou na uni-trindade do Ágape divino, mas porque - inspirados pelo evangelho e guiados por suas exigências espirituais e éticas - resistem pacificamente e até tenazmente àqueles que violam os direitos da convivência social e violam os direitos alheios, especialmente dos mais fracos.
Nessa perspectiva, inclusive sugerida por João Paulo II à época, a partir de uma reflexão teológica que conseguisse valorizar esse dado, assumido sob a figura da “justiça” que Tomás de Aquino já apontava como fator martirológico indissociável da fé, o que comunicaria um Dom Puglisi do altar onde foi erguido? E o que poderia comunicar um beato Livatino a tantos magistrados, seus colegas crentes e não crentes? E como evoluiria o processo canônico de beatificação de Dom Peppe Diana?
Mas, para dar outro exemplo em referência a um tema mais ligado ainda aos fenômenos mafiosos, como podemos repensar a práxis litúrgico-sacramental do apadrinhamento e amadrinhamento no batismo e na crisma? É realmente sensato abolir uma práxis que não é ornamental ou acessória? Não é ornamental nem acessória, porque exprime o significado eclesial e comunitário do sacramento da iniciação, que consiste em ações sacramentais comunitárias e não privadas, em festas de "família" paroquial e não de famílias privadas.
Então, por que não começar a escolher padrinhos e madrinhas não dentro das famílias dos batizados, mas de dentro das "famílias" paroquiais? Poder-se-ia argumentar que não temos "pessoal" adequado em nossas paróquias: mais uma razão para reformar sem demora os itinerários de formação catequética e aqueles catequéticos de formação de catequistas, ou para valorizar recursos que às vezes são preconceituosamente descartados (por exemplo, alguns presbíteros que voltaram ao estado laical mantendo um padrão de vida exemplar, tanto em privado como em público).
O contexto, como eu dizia, também tem um significado histórico e conjuntural: significa uma mudança de época. Metamorfose de época que o Papa sugere abordar com uma "confiante assunção da realidade, ancorado na sábia Tradição viva e vivente da Igreja, que pode se permitir lançar-se ao mar sem medo", como reiterou falando com os bispos e padres sicilianos no recente encontro que acima já mencionei.
Eu parafrasearia essa sugestão do papa com um binômio no qual o arcebispo Cataldo Naro já insistia, tanto quando era decano da Faculdade de Teologia da Sicília quanto durante seu episcopado em Monreale: trata-se do problema da transmissão da fé e da qualidade da vida crente.
Historicamente, a transmissão da fé teve uma sintaxe comunicativa muito precisa. Émile Poulat, um dos mais lúcidos intelectuais europeus contemporâneos, indicou em seus numerosos estudos as três formas mais emblemáticas dessa sintaxe: a doutrina certamente, mas também e sobretudo o testemunho e o símbolo.
A fé cristã, de fato, não chegou até nós apenas nas fórmulas do dogma e através da tematização teológica dos questionamentos sobre a identidade de Cristo e do Deus por ele anunciado. Chegou até nós principalmente em virtude do testemunho daqueles que experimentaram o encontro com Cristo e aprenderam com ele a compreender e reviver a sua relação com Deus, a transformar as suas próprias vivências, a dar nova forma à sua existência.
No início foi o testemunho dos primeiros companheiros de viagem do Mestre de Nazaré, dos pescadores da Galileia e do testemunho daqueles que aceitaram ser companheiros de viagem do Ressuscitado: os dois discípulos no caminho de Emaús, Saulo no caminho de Damasco. Depois veio o testemunho daqueles que, como Paulo, puderam afirmar: "Não eu, mas Cristo em mim". É o testemunho dos santos, que transmite - numa espécie de "contágio" vivificante, como escreveu Yves Congar - o núcleo principal da crença cristã, ou seja, a disponibilidade de reconhecer-se em Cristo como filhos que partilham a sua relação com o Deus a quem ele chamava de Pai seu.
Além disso, a fé cristã chegou até nós graças à força dos símbolos, isto é, das celebrações e representações capazes de dizer a contemporaneidade de Cristo a toda geração de fiéis. Trata-se de sinais litúrgicos, que permitem receber continuamente aquilo que os primeiros discípulos tiveram em dom e transmitiram, ou seja, o anúncio evangélico da Páscoa, em memória de Cristo, como acontece na celebração eucarística desde o tempo de Paulo.
Mas se trata também de uma questão que serve de contexto para a ação litúrgica. As obras de arte cristãs, por exemplo, especialmente aquelas destinadas a adornar os lugares onde a liturgia é celebrada, sempre foram como traduções figurativas da mensagem bíblica proclamada na própria liturgia: reevocar os eventos dos patriarcas de Israel ou narrar os milagres realizados por Jesus e proclamar a memória evangélica de sua Páscoa em uma igreja como a Palatina de Palermo ou a Catedral de Monreale, cujos interiores são revestidos de mosaicos que ilustram as páginas da Escritura, significa participar de uma formidável reescrita da mensagem bíblico-cristã que desafia os fiéis e agora também o turista ao lado deles, enquanto eles estão ali - mais ou menos conscientemente - a ouvir mas também a olhar o anúncio evangélico.
Não estou aqui almejando uma teologia meramente erudita - nostálgica do passado - e, consequentemente, uma pastoral de conservação. A transmissão da fé não consiste em restaurar o passado doutrinal, simbólico e espiritual do cristianismo, mas em atualizá-lo.
A própria tradição eclesial não é uma espécie de arquivo ou museu da Igreja. Antes e mais do que um baú contendo belezas e símbolos antigos, é uma ação vital, por meio da qual se realiza a relação entre as gerações de crentes. É o próprio ato de se transmitir como crente de uma geração para outra.
Nesse sentido, transmitir a fé significa formar novas gerações de crentes. A Igreja - com os seus guias e agentes pastorais, com os fiéis leigos que a constituem, com as suas paróquias, com os seus grupos e movimentos - é de fato como uma família, cuja primeira vocação é cuidar, de forma adequada às situações de mudança, a educação para a fé.
Disso depende não só a transmissão da fé, mas também o estímulo para amadurecer uma elevada qualidade de vida de fé, de que os santos das nossas terras são testemunhas ainda hoje (penso, justamente, nos mártires da justiça que caíram - de várias maneiras - sob a violência da máfia). Ensinar a fé nos passos de sua memória tem uma eficácia performativa: significa ilustrar a todos, especialmente aos mais jovens, o Evangelho e a vida eclesial em formas tão belas e, portanto, convincentes, que podem ser retomadas e revividas por eles.
Podemos nos perguntar: que significado dar - no nosso caso - ao termo forma? Significa, talvez, uma definição visível de nossa existência? Significa traço externo, perfil evidente, aspecto reconhecível, appeal? Essas respostas podem ser consideradas corretas.
Mas, ainda mais radicalmente, devemos aqui atribuir um significado gestaltico ao termo forma (no sentido com que Guardini e Balthasar o entenderam, ou com o qual Christoph Theobald o entende, que deriva sua noção de "estilo cristão"), pois para dizem que a forma não é simplesmente o aspecto externo do nosso ser, a pose com que ele se comporta, mas o próprio ser humano em sua capacidade de se relacionar, de se expressar na relação, de se comunicar sem reservas e sem parcialidade, mas também sem se desmentir ou desaparecer.
Se quisermos, podemos considerar a forma como o ponto onde fundamento e fenômeno ainda estão firmemente enraizados. Portanto, a forma é a imagem que corresponde à nossa verdade íntima, ou seja, uma dimensão constitutiva, própria, peculiar e, portanto, conotativa de nossa vida.
E de que vida se trata? Da vida de fé, claro: aquela comunitária e aquela pessoal. Daí o que comumente chamamos de vida espiritual. No entanto, a vida espiritual é assim num sentido forte, eu diria num sentido pneumático, pois tem a ver com a ação do Espírito Santo em nós.
E o Espírito, embora se distinga da carne, assim como - no texto bíblico - se distingue da letra, nunca se separa dela: o Espírito está sempre na letra, como está sempre na carne, ou seja, permaneceria etéreo, abstrato, se não se tornasse presente na disponibilidade e na capacidade do ser humano de escutar e fazer eco à palavra divina, em sua existência histórica, em seu cotidiano.
Aqui está: uma teologia do Espírito na carne, ou do Espírito na vida cotidiana, ou seja, uma teologia da história desses nossos dias, parece-me ser - em nossas Igrejas do Sul - uma maneira peculiar de pensar e repensar o estilo cristão como tarefa e prerrogativa de todos: do bispo como do administrador público, do padre não menos que do operário ou do médico, do religioso não menos que do leigo, do profissional e do artista, e assim por diante sem excluir ou isentar mais ninguém.
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Questão de estilo: pastoral e teologia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU