08 Julho 2014
Os filiados às 'ndrine presos na penitenciária de Larino, na Itália, decidiram que não irão mais participar da missa. Há semanas, eles realizam uma espécie de greve religiosa. Depois da excomunhão pronunciada pelo Papa Francisco para os prisioneiros é inútil – disseram ao capelão Pe. Marco – ir à missa. É inútil quando foram excluídos dos sacramentos.
A reportagem é de Roberto Saviano, publicada no jornal La Repubblica, 07-07-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O anátema de Bergoglio chegou de forma poderosa e inesperada às prisões que abrigam os homens da 'Ndrangheta. Grande parte do mundo interpretou a excomunhão como uma medida teológica, uma operação moral feita mais por princípio do que por real contraste às organizações criminosas.
Um gesto moral considerado importante para dar uma nova direção para a Igreja, mas que dificilmente poderia incidir nos comportamentos dos "chefões", dos filiados, da mão de obra mafiosa. Que mal poderia ter provocado a um boss uma condenação metafísica que não tem algemas, não tem apreensão de bens, não tem prisão perpétua, mas que simplesmente exclui espiritualmente da comunidade cristã e dos seus sacramentos?
Dessas questões nascera a desconfiança de muitos que temiam que o posicionamento do papa contra os clãs era inútil. Um gesto bonito, nobre, mas inócuo. Mas não foi assim, e o "protesto" dos 200 detidos filiados prova isso.
Embora seja uma primeira vez, um "único" na história criminal e não é realmente aquilo que poderia parecer à primeira vista: ou seja, uma simples consequência da excomunhão. Quando se trata de organizações mafiosas, toda ação, toda palavra, todo gesto não pode ser lido no seu significado mais simples e elementar.
Deve ser inserido na complexa gramática simbólica que é a comunicação dos clãs. Essa greve da missa não fala aos padres, não fala aos diretores da prisão, não fala nem mesmo ao papa. Essa greve não diz: "O papa nos tirou a licença de cristãos, não podemos mais caminhar pelas ruas da missa e da comunhão".
Porque isso é falso. O Papa Francisco, na sua viagem à Calábria, fez um gesto comunicativamente genial, foi se encontrar com os detidos na prisão de Castrovillari e lhes disse: "Eu também erro, eu também preciso de perdão": está nessa frase a verdadeira força da sua declaração de excomunhão.
Não é contra o homem que está na prisão e que pertence à organização, mas contra a organização. A excomunhão não é ao assassino, ao extorsionário, ao filiado, ao prefeito corrupto, ao juiz comprometido, ao boss. A excomunhão é contra aqueles que continuam apoiando a organização. A excomunhão é ao assassinato, à extorsão, ao suborno, à corrupção, ou seja, à práxis mafiosa.
O protesto dos filiados, portanto, não é uma espécie de protesto contra uma Igreja que abandonou os em contradição com o evangelho ("Estava preso e fostes me ver") do conforto aos presos. É um manifesto. É uma declaração de obediência à 'Ndrangheta, a reconfirmação do juramento de fidelidade à Santa.
Essa greve é um gesto que deve chegar à própria organização. A escolha de ir à missa apesar da excomunhão poderia fazer com que os filiados parecessem estar no caminho da traição, em busca daquele novo caminho de arrependimento que Francisco lhes indicou.
Enfatizemos: estão excomungado por serem 'ndranghetistas, e nenhuma ocasião simbólica escapou dos homens dos clãs para reiterar sobretudo a partir de uma prisão secreta a sua fidelidade. Entra-se em greve contra a missa, nesse caso, para se declarar ainda homens de honra e para não deixar qualquer suspeita de distanciamento das regras da Honrável Sociedade.
Quando alguém se filia à máfia, o "santinho" de São Miguel Arcanjo é queimado entre as mãos unidas e abertas em forma de taça, e as palavras são definitivas: "Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, juro perante esta sociedade que serei fiel com os meus companheiros e renegarei pai, mãe, irmãos e irmãs, e, se necessário, até mesmo o meu próprio sangue".
A excomunhão pronunciada pelo Papa Francisco está se tornando um mecanismo capaz de levantar como com um pé de cabra os cofres inacessíveis que isolam os códigos mafiosos do resto da sociedade civil. É preciso insistir e agir, isolar aquelas partes da Igreja soldadas à cultura mafiosa que ainda resistem, como demonstra aquilo que aconteceu nesse domingo em Oppido Mamertina, na Calábria, onde a procissão prestou homenagem à casa de Don Giuseppe Mazzagatti ["chefão" da máfia italiana].
Uma "inclinação" devida para não alterar um antigo boss que ainda está apegado (em relação às gerações mais jovens) ao velho rito e que – como muitos já deixaram vazar – há décadas financia festas patronais e iniciativas religiosas no seu território.
Na Itália da crise, os símbolos contam como real e espessa substância, não são uma fachada dourada. À excomunhão religiosa, deve-se seguir uma excomunhão civil absoluta, que permita a exclusão do mecanismo mafioso pelas dinâmicas cotidianas, econômicas, sociais. Uma exclusão verdadeira, radical, definitiva.
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Quando os soldados na 'Ndrangheta reconhecem apenas a fé no clã mafioso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU