14 Junho 2022
"A contestação mútua atual desgasta e cansa a Igreja, numa hora marcada pela descristianização de nossa sociedade, na qual ressoa a pergunta: somos os últimos cristãos? É necessário um discernimento e a aceitação da tradição católica e, portanto, também do Concílio Vaticano II, mas deve-se abrir espaço para uma comunhão plural, não monolítica, na qual os cristãos possam se orgulhar de ter em dom a unidade da fé vivida na liberdade dos filhos de Deus", escreve Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por Repubblica, 13-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
É muito significativo o título de um livro recém publicado na França, Vers l'implosion?, no qual a conhecida socióloga das religiões Danièle Hervieu-Léger se pergunta se o catolicismo caminha para a implosão. Mas agora já são muitos que colocam essa pergunta inquietante na ágora eclesial.
Hoje, mais do que em décadas passadas, a Igreja Católica mostra-se dividida, alinhada em diferentes facções, polarizada entre tradicionalistas e inovadores, doente da patologia cismática muitas vezes oculta e às vezes conclamada. Mesmo que o Papa Francisco desfrute de uma simpatia generalizada, especialmente entre os não católicos, na Igreja é “sinal de contradição”. Desde o início de seu pontificado eu havia dito: se o papa realmente tentar iniciar uma reforma evangélica da instituição eclesial, os poderes se revoltarão.
Nessa luz, devem ser lidas as fraturas cada vez mais evidentes que se manifestam em vários temas: em primeiro lugar a fratura entre as Igrejas europeias e as Igrejas do Sul do mundo, que em temáticas éticas relativas à sexualidade, fidelidade matrimonial e outros temas que são sentidos como direitos civis, se contrapõem a ponto de se deslegitimar. Há episcopados inteiros e grupos de bispos que deslegitimam, rejeitam e declaram heréticas as posições não apenas de cardeais e bispos, mas também de toda a conferência episcopal alemã. Mas há também o conflito com os tradicionalistas, especialmente no campo litúrgico, com a diatribe sobre a Missa Tridentina que aspira ao mesmo reconhecimento da Missa da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II. Aqui o conflito é uma verdadeira "guerra", especialmente em países como França, Alemanha e Estados Unidos.
Os tradicionalistas não conhecem a esterilidade das vocações sacerdotais e religiosas que a Igreja conhece hoje: na França, em uma média de pouco mais de 100 sacerdotes ordenados por ano, metade vem de movimentos e comunidades tradicionalistas. Os mosteiros tradicionalistas também prosperam, com uma vida rigorosa e séria. Conheço-os pessoalmente, fui lá e enviei alguns dos meus irmãos para ficarem no mosteiro de Barroux, onde eu próprio me senti edificado pela qualidade evangélica de vida que ali se leva.
Agora, como deixar de reconhecer também um lugar para eles na igreja, com uma atitude inclusiva e não exclusiva, com uma vontade de viver uma comunhão plural? O desafio é grande, mas a contestação mútua atual desgasta e cansa a Igreja, numa hora marcada pela descristianização de nossa sociedade, na qual ressoa a pergunta: somos os últimos cristãos? É necessário um discernimento e a aceitação da tradição católica e, portanto, também do Concílio Vaticano II, mas deve-se abrir espaço para uma comunhão plural, não monolítica, na qual os cristãos possam se orgulhar de ter em dom a unidade da fé vivida na liberdade dos filhos de Deus. Em uma igreja atravessada por desconfianças, censuras e divisões, não se vive bem e não se pode anunciar o Evangelho com autoridade e credibilidade.
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Quando a fé corre o risco de implodir. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU