13 Fevereiro 2020
Dizer “sim” aos padres casados na Amazônia arriscaria provocar um cisma na Igreja Católica Romana. Por isso, o pontífice parou antes e, em certo sentido, entregou a questão ao seu sucessor, quando os tempos, talvez, estarão maduros para uma escolha dessas.
A reportagem é de Luca Kocci, publicada por Il Manifesto, 13-02-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Essa é a leitura da exortação pós-sinodal do Papa Francisco feita por Daniele Menozzi, professor emérito de História Contemporânea na Normale di Pisa e estudioso do papado na Idade Moderna e Contemporânea.
Professor Menozzi, como o senhor interpreta o fechamento do papa à possibilidade de ordenar padres os diáconos permanentes casados, como havia proposto o Sínodo dos Bispos da Amazônia?
Desde as frases iniciais, a exortação adverte que não pretende abordar todas as questões presentes no documento final do Sínodo, mas tratar daquelas que refletem as principais preocupações atuais do papa. O silêncio sobre o celibato significa apenas que Bergoglio não considera que o tema do celibato seja uma questão central na atual situação da Igreja universal. Ao mesmo tempo, a exortação insiste na especificidade das múltiplas inculturações que a mensagem da Igreja assume no espaço e no tempo. É o reconhecimento da grande variedade de estruturas que as Igrejas locais podem assumir em relação aos seus contextos peculiares. Desse modo, deixa-se aberta a porta para uma futura mudança disciplinar nessa matéria.
No documento, destaca-se primeiro a centralidade da Eucaristia e as dificuldades de muitas comunidades das regiões mais remotas da Amazônia de celebrá-la por falta de padres. Mas depois se reitera que somente os padres podem dizer missa: não é uma contradição?
O papa afirma que uma mudança em relação ao nexo entre o sacramento da ordem e a presidência da Eucaristia constituiria uma mudança que não seria recebida no nível da Igreja universal. Embora se mostrando consciente do problema, ele pretende advertir que a solução proposta no documento sinodal, neste momento, colocaria em questão a unidade eclesial.
Nem mesmo para as mulheres parece haver espaços a mais em comparação com os atuais. É isso mesmo?
O fechamento da ordenação feminina é acompanhado por duas aberturas, já presentes, aliás, no magistério anterior do papa: recomenda-se que as mulheres acessem a responsabilidade do governo das comunidades eclesiais, enquanto agora desempenham predominantemente papéis de serviço; e se convida ao aprofundamento teológico, para que se encontrem novas funções reservadas a elas, capazes de valorizar plenamente a sua presença eclesial.
Não lhe parece que, na exortação, emerge uma forte continuidade com o magistério dos antecessores de Francisco, o Papa Ratzinger e principalmente o Papa Wojtyla?
Não há recuos em relação às posições reformistas expressadas anteriormente, mas também não são desenvolvidas e traduzidas em medidas concretas. Diante do crescimento de uma oposição que a presença de um papa emérito, habilmente instrumentalizado também por setores da Cúria Romana, torna perigosa para a unidade da Igreja, Francisco se delonga explicando aos opositores as razões que justificam as escolhas feitas. Pode-se dizer que os tradicionalistas alcançaram o seu objetivo: impedir que o processo reformador avance. Mas o projeto de neocristandade alimentado por João Paulo II e, mais ainda, por Bento XVI entrou definitivamente em declínio.
No fim do documento, o papa menciona o debate desses meses, com uma referência implícita ao nó dos padres casados “sim-não”, e explica que “o conflito supera-se em um nível superior”. O senhor acha que essa síntese superior pode surgir, no fim?
Não há nenhuma síntese superior, mas também não há uma escolha conservadora. Penso que o papa reconhece que, neste momento, os equilíbrios eclesiais não permitem, para evitar uma dilaceração interna à Igreja, que se realizem as mudanças que os setores eclesiais aos quais ele se mostra simpático lhe pediram. Essa passagem significa um convite a trabalhar para superar as oposições e encontrar uma solução. Provavelmente, é a constatação do limite intransponível ao qual o seu governo chegou e uma passagem de bastão ao sucessor.
Em uma síntese extrema: é a vitória dos defensores da tradição e a derrota dos reformadores?
Não. Os tradicionalistas conseguiram bloquear o desenvolvimento do processo reformador, mas os pressupostos culturais do processo são plenamente reafirmados no documento. Eu acho que o papa está convencido de que é necessária uma lenta obra de amadurecimento dentro da Igreja para que a reforma possa retomar o seu curso.
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“Bergoglio pede tempo, mas os tradicionalistas já alcançaram o seu objetivo”. Entrevista com Daniele Menozzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU