24 Fevereiro 2022
O Papa Francisco permitiu que a Fraternidade Sacerdotal de São Pedro (FSSP) continue celebrando de acordo com o rito antigo, com um decreto entregue diretamente aos membros da fraternidade que o visitaram no dia 4 de fevereiro.
A reportagem é de Andrea Gagliarducci, publicada em Catholic News Agency, 22-02-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A notícia veio à tona no dia 21 de fevereiro no site oficial da comunidade, que reproduziu o decreto [disponível em latim e espanhol aqui].
O documento, no entanto, não foi comunicado oficialmente por meio do boletim da Sala de Imprensa da Santa Sé. Portanto, resta saber se será publicado no próximo ano na Acta Apostolicae Sedis, que reúne todos os decretos e leis promulgadas pela Sé Apostólica a cada ano.
A fraternidade disse que na “sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022, dois membros da Fraternidade Sacerdotal de São Pedro, padres Benoît Paul-Joseph, superior do distrito da França, e Vincent Ribeton, reitor do Seminário de São Pedro em Wigratzbad, foram recebidos em audiência privada pelo Santo Padre Papa Francisco por quase uma hora”.
Ela assinalou que “o encontro correu bem, em um ambiente muito cordial. Referindo-se ao nascimento da fraternidade em 1988, o papa disse que ficou muito impressionado com a abordagem dos seus fundadores, com o seu desejo de permanecer fiel ao Romano Pontífice e com a sua confiança na Igreja. Ele disse que esse gesto deve ser ‘preservado, protegido e encorajado’”.
O Papa Francisco, portanto, esclareceu que institutos como a FSSP não são afetados pelas disposições gerais do seu motu proprio Traditionis custodes, de 2021. Mais tarde, ele enviou “um decreto assinado por ele e datado de 11 de fevereiro, dia em que a fraternidade foi solenemente consagrada ao Imaculado Coração de Maria, confirmando aos membros da fraternidade o direito de usarem os livros litúrgicos em vigor em 1962, a saber: o Missal, o Rito Romano, o Pontifical e o Breviário Romano”.
A notícia da concessão surpreendeu aqueles que pensavam que, depois do Traditionis custodes, a missa impropriamente conhecida como “missa tradicional em latim” estaria sempre e em todos os casos vinculada à permissão da Sé Apostólica.
O motu proprio estabelecia que a liturgia delineada após o Concílio Vaticano II, conhecida como Novus Ordo, é “a expressão única da lex orandi [lei da oração] do Rito Romano”. Dessa forma, aplica-se o critério do birritualismo à liturgia antiga, que utiliza o Missal de 1962. Isso quer dizer que um padre pode celebrar na liturgia antiga, mas é considerado um rito diferente. Por isso, é necessária a permissão da Sé Apostólica.
O Traditionis custodes põe fim à liberalização do rito antigo promulgada por Bento XVI com o motu proprio Summorum pontificum, de 2007. Ele parecia encerrar completamente o diálogo com o mundo tradicionalista.
A última decisão do papa, no entanto, parece oferecer uma fresta de esperança para o ambiente tradicionalista, embora se note que em nenhum lugar do motu proprio há a menção de que ele se aplica àqueles institutos nascidos precisamente com a vocação de celebrar com o Missal 1962.
A FSSP foi criada em 1988 por decisão da Pontifícia Comissão Ecclesia Dei. A comissão foi criada para gerir as relações com a Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX), fundada pelo arcebispo Marcel Lefebvre.
Em 1988, Lefebvre ordenou quatro bispos sem o consentimento papal, incorrendo em excomunhão para ele e os bispos. Quando as intenções de Lefebvre ficaram claras, um grupo de padres da FSSPX pediu permissão ao Vaticano para manter suas características, mas permanecendo em comunhão com Roma.
Assim foi fundada a fraternidade, erigida como uma sociedade de vida apostólica, composta na época por uma dezena de padres e cerca de 20 seminaristas. De acordo com os dados mais recentes, a FSSP conta com 341 padres e 185 seminaristas (incluindo 17 diáconos), que atendem 147 dioceses, com 259 locais de culto, incluindo 47 paróquias pessoais. Dos membros, 33% são estadunidenses (176), 24% são franceses e 10% são alemães.
Após a criação da FSSP, foi assinada uma declaração conjunta com a Santa Sé, na qual os membros da fraternidade prometiam fidelidade à Igreja e ao papa, concordando explicitamente com a seção 25 da Lumen gentium, a Constituição Dogmática sobre a Igreja do Concílio Vaticano II.
Além disso, a FSSP tinha que se declarar a favor de uma atitude de estudo e comunicação com a Santa Sé, reconhecer a validade dos sacramentos celebrados no Novus Ordo e respeitar a disciplina geral da Igreja e as leis canônicas.
A promulgação do Traditionis custodes, portanto, havia posto em dúvida também a própria existência de grupos como a FSSP, nascidos justamente com a vocação de celebrar segundo o usus antiquor (“uso antigo”).
Vale lembrar que, em julho de 2021, um grupo da FSSP foi expulso da Arquidiocese de Dijon, no leste da França, onde estava há 23 anos, precisamente porque alguns de seus padres se recusaram a concelebrar no Novus Ordo.
Em vez disso, o Papa Francisco confirmou a particularidade da FSSP. Essa é uma decisão que faz parte da estratégia do Papa Francisco de absorver, passo a passo, o mundo tradicionalista?
Deve-se notar que ele também estendeu os braços muitas vezes para os chamados “lefebvrianos”. Em 2015, o Papa Francisco decretou que as confissões e os matrimônios celebrados pelos padres da FSSPX durante o Jubileu Extraordinário da Misericórdia seriam canonicamente válidos. No fim do Ano Santo, ele tornou essa decisão permanente na carta apostólica Misericordia et misera.
Nesse mesmo ano, o cardeal Aurelio Poli, que sucedeu ao cardeal Jorge Mario Bergoglio como arcebispo de Buenos Aires, deu o seu aval ao governo argentino para registrar a FSSPX como associação diocesana.
Também em 2015, a Congregação para a Doutrina da Fé nomeou o então superior da FSSPX Dom Bernard Fellay como juiz da primeira instância em um caso de abuso envolvendo um membro da FSSPX. Foi a primeira vez que a Congregação nomeou um membro da FSSPX como juiz. No entanto, tem sido um procedimento padrão o fato de a fraternidade recorrer às autoridades do Vaticano em casos de delicta graviora, ou seja, os crimes mais graves, incluindo os abusos.
A atitude generosa do Papa Francisco em relação ao mundo lefebvriano não se estendeu a outros movimentos tradicionais da Igreja Católica, como o grupo Familia Christi, da arquidiocese italiana de Ferrara, a Fraternidade dos Santos Apóstolos de Bruxelas ou os Frades Franciscanos da Imaculada, todos os quais viram intervenções do Vaticano. Mas o papa mostrou uma atitude igualmente aberta em relação à FSSP, que está em comunhão com a Igreja, mas mesmo assim com algumas prerrogativas.
O tempo dirá se o papa quer absorver as realidades dos tradicionalistas na Igreja Católica ou manter boas relações com aqueles que já gozam de suas prerrogativas, esperando o momento de absorvê-los também – ou, finalmente, de marginalizá-los.
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Qual é o plano do Papa Francisco para os grupos tradicionalistas? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU