05 Mai 2021
Uma semana depois de ser atingido por tiros nas duas pernas, o bispo de Rumbek, D. Christian Carlassare, fala do hospital em Nairóbi. Ele foi submetido a mais duas cirurgias e demorará algum tempo para sua reabilitação, por isso a cerimônia de ordenação na diocese marcada para 23 de maio não será realizada. Suas palavras são de justiça, reparação, perdão e esperança.
A entrevista é de Patrizia Caiffa, publicada por AgenSir, 04-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A cerimônia de ordenação na diocese marcada para 23 de maio foi adiada até que Monsenhor Christian Carlassare, bispo de Rumbek no Sudão do Sul, atingido nas pernas em um ataque, possa caminhar novamente e estar curado "no corpo e no espírito, para me recuperar do trauma e esperar que sejam dados os passos necessários para tornar possível o meu retorno a Rumbek": "Ou seja, que a investigação continue, que os culpados sejam encontrados, que seja realizado um julgamento e possam me garantir segurança quando eu for e não houver nenhum outro ataque desse tipo”, disse hoje Monsenhor Carlassare ao SIR, uma semana depois do ataque perpetrado à noite por dois homens armados que bateram na porta da cúria de Rumbek.
Diocese de Rumbek (Foto: ACI África)
Após os tiros nas pernas, o bispo encontrou no chão um celular que havia sido perdido pelos agressores, o que permitiu aos investigadores reconstruir os contatos anteriores. Entre as 24 pessoas detidas estão também alguns padres e colaboradores da diocese. “Não tenho conhecimento das investigações - diz o bispo comboniano - mas ouvi dizer que houve outras detenções de pessoas envolvidas ou que apoiaram a ideia. Acredito que os executores e mandantes são poucos. Espero que isso não cause confusão na investigação. Deixo que o governo faça as suas investigações e depois, com base nas conclusões, eu também poderei tirar minhas conclusões”.
43 anos, nascido em Schio e natural de Piovene Rocchette (diocese de Pádua), Monsenhor Carlassare é o bispo mais jovem do mundo. Ordenado bispo pelo Papa Francisco em 8 de março, ele estava em Rumbek há cerca de dez dias, uma diocese em que as relações entre as etnias Dinka (majoritária) e Nuer são complicadas, uma sede vacante após a morte do bispo comboniano há dez anos, Monsenhor Cesare Mazzolari.
Agora D. Carlassare está internado em um hospital de Nairóbi, onde passou por mais duas cirurgias nas pernas e também pode precisar de um transplante de pele: “Ainda estou acamado, não consigo me mexer nem colocar peso nas pernas, tudo vai depender de reabilitação. Vai demorar pelo menos um mês ou um mês e meio até que os músculos se recuperem e eu possa voltar a andar normalmente”.
Você retornará para Rumbek? Com que estado de espírito?
Claro que quero retornar para Rumbek, meu empenho ainda existe. Quando fui nomeado, sabia que estava indo para uma diocese com sérios problemas, porque não havia bispo há dez anos. Quando disse que sim, sabia que enfrentaria uma situação difícil, em que havia necessidade de clareza. Já tinha ouvido falar de vários problemas, incluindo eventos violentos contra alguns padres ou freiras. Quando cheguei a Rumbek tentei colaborar com todos, tentando entender onde estavam as boas intenções e onde estavam as deficiências. Obviamente ninguém é completamente mau, então tentei colaborar com todos, até mesmo com aquelas pessoas sobre as quais eu tinha ouvido histórias ou alegações preocupantes. Nos primeiros dez dias fui bem recebido, vi boa vontade de todos. Tive colaboradores em quem sabia que podia confiar cegamente. De outros eu ainda precisava me certificar. Certamente eu nunca teria esperado uma reação desse tipo em dez dias, realmente fora de lugar e totalmente desproporcional.
Você lançou numerosos apelos ao perdão e à reconciliação: pensa que facilitarão um caminho ainda cheio de obstáculos?
Ao ouvir meu apelo para o perdão, muitas pessoas se dirigiram para mim com grande respeito, elogiando essa intenção. Outras, por outro lado, disseram que a justiça é mais necessária do que o perdão. E eu o confirmo, porque quando há um crime é preciso primeiro repará-lo e fazer a escolha certa para ajudar a pessoa a se converter, mudar e reconhecer o erro cometido.
Não se trata de um perdão estéril para cobrir tudo, como se nunca tivesse existido.
É preciso assumir as próprias responsabilidades pelos crimes cometidos. O fato é que, em face de todo o mal no mundo, só o perdão dá esperança para o futuro. Confio muito nisso e acredito: mesmo pedindo justiça e exigindo um percurso de acordo com a legalidade, é preciso também de um perdão interior. Não significa voltar a tudo como era. Os corações devem ser curados pelo perdão. O perdão é antes de tudo uma necessidade que nasce dentro de mim. Mas penso que também pode ser uma necessidade do outro, no momento em que reconhece a sua culpa, com a vontade de mudar porque se sentiu amado. Esta é uma experiência nova no Sudão do Sul. Acredito que as pessoas que fizeram esse gesto precisam se sentir amadas, apesar do que fizeram.
Você foi informado das novidades nas investigações?
Não sei muito sobre as investigações porque são obviamente confidenciais. Só sei que tudo começou com o telefone que caiu dos dois agressores, que vi e entreguei ao sacerdote que veio me ajudar. A partir daí, começaram as primeiras prisões de pessoas que se comunicaram nos dias anteriores ao ataque. Se antes eram 24, agora ouvi dizer que há outras detenções de pessoas envolvidas ou que apoiaram a ideia. Penso que executores e diretores devam ser poucos. Espero que isso não cause confusão na investigação. Deixo que o governo faça suas próprias investigações e depois, com base nas conclusões, também poderei tirar as minhas conclusões.
Monsenhor Christian Carlassare. (Foto: AgenSIR)
O Papa expressou publicamente o seu apoio, como se sentiu? A Igreja do Sudão do Sul também se manifestou.
Estou muito emocionado com o apoio do Papa, porque ele tem tantos pesos para carregar e eu nunca quis colocar mais este em seus ombros. Ouvi os bispos do Sudão do Sul e o núncio no Quênia, que também acompanha o Sudão do Sul, e ele me trouxe as saudações do arcebispo Paul Richard Gallagher, secretário para as relações com os Estados, que viria me ordenar. Obviamente, todos devemos ser corresponsáveis e carregar juntos o peso da Igreja. Sinto no Papa uma grande figura de apóstolo, mestre, pai e certamente sigo seus passos. Sinto o apoio da Igreja, porque sou Igreja e quero ser aquele apoio que as pessoas devem ver. Não preciso de outra coisa senão ser eu aquela realidade que os outros querem ver na Igreja: uma Igreja verdadeira, discípula, que paga o preço. Uma Igreja próxima dos pobres, que sofre e que salva. Tive a proximidade de tantas pessoas, homens e mulheres de fé que oraram por mim e me deram uma coragem enorme. Não se pode ser cristão apenas com palavras, você é cristão porque se converteu a uma vida boa e diferente.
Agora que as fortes emoções diminuíram um pouco, qual é o seu apelo hoje para as pessoas de Rumbek, para os sudaneses do sul?
O apelo às pessoas de Rumbek e a todos os sul-sudaneses é sonhar alto e deixar de lado toda essa raiva, esse descontentamento e insatisfação que vem do conflito e de uma cadeia de violência que não nos permite ter esperança por outro mundo, onde quem ganha é sempre o mais forte, onde para conseguir algo é preciso lutar. Isso não é o Sudão do Sul, não é Nuer, não é Dinka, nenhuma tribo faz isso. É preciso redescobrir aqueles belos valores da África, da família, da solidariedade, da comunhão, da paz, que existiam antes da história violenta que apareceu nos últimos 50 anos de conflitos.
Sonho ver uma cultura Dinka e uma cultura Nuer depuradas de todos aqueles elementos violentos, para promover uma vida comum e bela, onde todos são iguais e podem usufruir dos recursos de forma igual.
Monsenhor Christian Carlassare. (Foto: Reprodução Virgo Maria)
A comunidade internacional pode fazer algo para ajudar o Sudão do Sul?
Gostaria de convidar a comunidade internacional a olhar para a África com novos e diferentes olhos. Gostaria que pudessem ver os grandes valores da África e ouvir as demandas dos africanos de poder ter acesso aos recursos, às possibilidades de se desenvolver em todas as suas potencialidades. Muitas vezes na Itália há uma negatividade que não lhe faz justiça, quando ao invés há uma África bela e luxuriante que está crescendo e já nos ultrapassou também em civilidade. São tantas as coisas belas que podemos presenciar, sem deixar que prevaleçam os aspectos negativos que estamos habituados a exaltar. Se a África conseguir superar seus problemas de ingovernabilidade e violência, poderá salvar o mundo sob muitos pontos de vista: tem potencial para renovar o mundo, para propor uma nova espiritualidade, uma nova capacidade de viver a economia, em solidariedade e em comunhão.
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“Sonho com um Sudão do Sul sem conflitos e violência”, afirma bispo ferido em atentado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU