02 Setembro 2020
A dinâmica liberal transformou o funcionamento das economias e contradiz os raciocínios da ciência econômica que eram a força da lei.
A reportagem é de Christian Chavagneux, publicada por Alternatives Économiques, 01-09-2020. A tradução é de André Langer.
Os economistas serão obrigados a rever seu trabalho... e seus manuais! A epidemia de Covid-19 causou flutuações econômicas sem precedentes e tornou obsoleta a retórica sobre a necessidade de controlar os déficits e a dívida pública. Antes de voltar ao business as usual? Será difícil. Pois a epidemia é apenas o movimento final de transformações estruturais de economias que há muito vem questionando um número significativo das supostas leis gerais, verdades consideradas como pilares da disciplina.
Primeiramente, existem as leis “ideológicas”, aquelas que não funcionam, mas se tornaram lugares-comuns na profissão através da dominação influente de economistas alimentados com a mamadeira liberal. Em seu último livro, o economista Paul Krugman, ele próprio keynesiano, reconhece de forma inequívoca a existência de vieses ideológicos em sua profissão: “A natureza humana sendo o que é, alguns deles – dos quais faço parte – às vezes se engajam em raciocínios ditados pelas conclusões a que querem chegar com base em suas escolhas políticas”[1].
Assim, uma breve observação estatística mostra que há pouca conexão entre o aumento da oferta monetária e os preços, mas o ditado que diz que a inflação está em toda parte e é sempre um fenômeno monetário tem vida dura. Da mesma forma, multiplicam-se os estudos que mostram que um aumento do SMIC [Salário mínimo] ou uma redução das contribuições sociais têm poucos efeitos sobre o emprego, mas nada se faz em relação a isso.
Entretanto, o questionamento dos resultados da “ciência” econômica é mais profundo. Porque este é o raciocínio básico da disciplina que não se sustenta mais. O que pode justificar economicamente que os credores concordem em conceder empréstimos pelos quais eles próprios pagam? No entanto, neste momento, muitos países e empresas estão tomando empréstimos a taxas de juros negativas.
As empresas deveriam ter necessidades de financiamento, mas suas economias agora são maiores do que as das famílias! E a Bolsa, que deveria servir para fornecer capital a elas, está tirando mais dinheiro da economia do que fornecendo, porque as empresas estão recomprando suas próprias ações em grande escala.
Finalmente, o beabá das políticas econômicas é transformado. Impulsionar a atividade de um país, tornando seus produtos mais baratos através de desvalorizações competitivas? Isso não funciona mais. Ter que escolher entre menos desemprego mas mais inflação ou o contrário? A relação não funciona mais – muitos países têm baixo desemprego e baixa inflação.
Por que todas essas mudanças? A globalização, a perda de poder dos trabalhadores e uma distribuição do valor agregado mais favorável às empresas e aos seus acionistas, a flexibilização dos mercados de trabalho, o aumento da financeirização, todas essas dinâmicas liberais baseadas na extensão de uma economia de mercado cada vez menos controlada alterou o funcionamento das economias. Isso torna a compreensão das economias mais difícil, o controle de suas flutuações mais delicado, as consequências sociais de suas dinâmicas mais desiguais. Através dos seus conselhos, os economistas tradicionais têm pressionado por essas mudanças. É preciso que eles agora assumam: para além das consequências sociais e políticas nefastas destes desenvolvimentos, já não entendemos mais nada da economia!
[1] Lutter contre les zombies. Ces idées qui détruisent l’Amérique, Flammarion, 2020.
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A ciência econômica precisa se repensar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU