25 Agosto 2020
"Em meio à abertura histórica da crise global de 2008, certamente, daqui a alguns anos ou décadas, haverá mais clareza sobre quais obras e trabalhos teórico-políticos constituem a fronteira do pensamento econômico, à altura dos agudos problemas de nossa atualidade", escreve Bruno Cava Rodrigues, pesquisador associado à rede Universidade Nômade (uninomade.net) e professor de Filosofia, em artigo publicado em sua página do Facebook, 24-08-2020.
Os dois maiores economistas do século XX foram J. Maynard Keynes (1883-1946) e Milton Friedman (1912-2006). Digo maiores no sentido não somente da amplitude e penetração de suas obras teóricas, como também na capacidade de influenciar e delinear leis, políticas, governos e inteiros marcos institucionais da economia política ao longo do último século.
Ambos os pensadores estão ligados a períodos de crise geral que exigiram a quebra de paradigmas. O nome de Keynes estará sempre associado à Grande Depressão (1929-33), que se seguiu à quebra da Bolsa de Nova Iorque, e às problemáticas do entreguerras.
Já o extenso trabalho de Friedman, prêmio Nobel de 1976, ganhou preeminência com a crise do fordismo (1974-79), que pôs fim aos Trinta Gloriosos do capitalismo social.
Os dois se destacam em desenvolver modelos descritivos e normativos para as crises. Em Keynes, a necessidade de intervenção do estado para estimular a demanda e garantir o investimento, ao mesmo tempo que é desincentivado o rentismo improdutivo, cujas condições devem ser desmontadas para levá-lo à "eutanásia".
Em Friedman, a internalização da crise no bojo motriz do ciclo do capital, de maneira a promover a constante renovação da fronteira de criatividade, eficiência e otimização alocativa.
Keynes entende que cabe ao Estado inclusive coordenar os setores público e privado na busca incessante do pleno emprego, enquanto Friedman afirma que isto conduz ao desemprego estrutural. Seria desejável conviver com uma margem de desemprego a fim de assegurar o dinamismo da fronteira empresarial e criativa, isto é, para transferir continuamente as vagas dos negócios disfuncionais para as vanguardas da reposição da taxa de lucro.
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Se recuarmos um século, os maiores foram Karl Marx (1818-1883) e Carl Menger (1840-1921), um dos três economistas do triunvirato da revolução marginalista. Com perfis muito distintos, um e outro igualmente escreveram em períodos de crise do capitalismo global.
Menger escreveu no limiar da Longa Depressão (1873-1896), que começou com a dissolução da Bolsa de Valores de Viena, em maio de 1873. Sua obra rompe definitivamente com a teoria do valor ricardiana que definia a primazia dos custos de produção e do tempo de trabalho.
Para Menger, assim como para os demais pioneiros marginalistas, o valor não pode ser objetivado, pois é guiado pelo desejo subjetivo, de maneira que a esfera da produção está subordinada ao primado do consumo. Menger inaugura a Escola Austríaca que é o primeiro movimento pós-moderno de pensamento econômico.
Já Marx escreveu sua maior obra, os "Grundrisse" - impublicados em vida - embalado pelo assombro diante da primeira crise global do capitalismo. Deflagrada em 1857 nos Estados Unidos, contagiou o mercado mundial provocando pânicos e espirais recessivas.
Embora o ponto de partida de Marx seja a teoria objetivante do valor de Ricardo, nos "Grundrisse" ele extrapola a casca antropológica definida pelo trabalho humano. Se a Escola Austríaca quebrou o paradigma por meio do primado do consumo e do consumitariado, Marx o faz com a virada maquínica do trabalho, cuja febril formulação aparece no "Fragmento sobre as Máquinas" (1858).
Por isso, quem toma o "Capital", obra mais bem acabada, como a última palavra de Marx sobre a economia política, perde de vista o essencial, ou seja, o horizonte maquínico e pós-humano de seu pensamento.
Ler "O Capital" a partir da lente dos "Grundrisse", ao invés, permite desvencilhar-se da teoria do valor e alcançar uma vertigem do pensamento paralela à perspectiva dos marginalistas, sobretudo no também impublicado capítulo VI do Tomo I (o "capítulo do salário") e na Seção V do Tomo III, ambas as passagens do "Capital".
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Certamente, em meio à abertura histórica da crise global de 2008, daqui a alguns anos ou décadas, haverá mais clareza sobre quais obras e trabalhos teórico-políticos constituem a fronteira do pensamento econômico, à altura dos agudos problemas de nossa atualidade.
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A economia em crise e a emergência de novos paradigmas do pensamento econômico. Artigo de Bruno Cava - Instituto Humanitas Unisinos - IHU