13 Março 2019
Por que continuam a aplicar os mesmos “remédios”, após seguidos fracassos? A resposta está na “terapia de choque”. Quanto mais doente, menos a sociedade reagirá às “reformas” que tornam país ainda mais desigual .
O comentário é de David Deccache, mestre em Economia pela UFF, ativista dos direitos humanos e, atualmente, exerce o cargo de Assessor Econômico da bancada de Deputados Federais do PSO e é editor do Economia à Esquerda, publicado por Outras Palavras, 11-03-2019.
Em 2015, se impôs ao Brasil um duro programa de “austeridade” fiscal a partir de um corte brutal nas despesas discricionárias do governo (basicamente, investimentos públicos) em paralelo a um choque de juros cavalar. Naquele momento, os economistas convencionais diziam que o choque de austeridade era necessário para controlar a trajetória da dívida pública e que isso traria de volta à confiança na economia. Era a chamada hipótese da contração fiscal expansionista, popularmente conhecida como “fadinha da confiança”. (obs.: percebam no gráfico 1 ao final do texto que, curiosamente, durante praticamente todo o período entre 2003 e 2013, que eles apresentam como um momento de “gastança”, a dívida pública estava em trajetória estável, explodindo, justamente, após a “austeridade” fiscal).
Pois bem, o que se viu nos últimos quatro anos de “austeridade” fiscal foi justamente o oposto do prometido: explosão da dívida pública e a maior recessão da história brasileira em um biênio. E qual é a solução dos defensores da “austeridade” fiscal para a crise social que eles criaram? Ainda mais “austeridade” fiscal.
A pergunta que fica é: seriam estes economistas um bando de imbecis que não enxergam que esta política econômica insana está destruindo o nosso tecido social?
Não, definitivamente não são imbecis. A crise que eles criaram é funcional.
Com a austeridade fiscal, eles esperavam obter dois resultados:
(i) com o desemprego explosivo, planejavam um rebaixamento brutal do custo do trabalho. O desemprego muda a correlação de forças entre trabalhadores e patrões: o medo do desemprego é “disciplinador” (gráfico 2 ao final)
(ii) A “austeridade” fiscal, cristalizada através do teto dos gastos (EC 95/2016) e o consequente esmagamento da capacidade do Estado em financiar seu funcionamento básico, visava um processo massivo de mercantilização de uma série de bens e serviços públicos, como educação, saúde e previdência social.
Obtiveram êxito nestes dois objetivos.
A partir da crise funcional, abriu-se a possibilidade de uma “reforma” neoliberal estrutural do Estado brasileiro como nunca antes na história deste país. Os salários despencaram, os direitos trabalhistas foram atacados e o nosso sistema previdenciário de repartição está prestes a ser destruído em doses homeopáticas, com a criação de um sistema de capitalização alternativo.
Aqui chego no último ponto deste texto: “reformas” neoliberais estruturais, por definição, são impopulares. O povo, em um estado psicológico normal, não aceitaria a destruição de seus direitos passivamente. Contudo, dado o amplo choque de desemprego – com consequências sociais desastrosas como, por exemplo, um surto de violência urbana sem precedentes — a população ficou totalmente apática e imobilizada diante da destruição de uma série de direitos sociais.
Esta é “a doutrina do choque”, uma filosofia de poder que tem como alicerce a hipótese de que a melhor maneira para o capital impor as ideias radicais do livre-mercado é no período subsequente ao de um grande choque. Essas crises, auto impostas através de choques brutais, desorientam sociedades inteiras e, a partir disso, abrem-se janelas para que seja introduzida a “terapia do choque econômico”, que seria uma espécie de cirurgia social radical. Não se trata de reformas pontuais, mas sim de uma brusca mudança de caráter estrutural. Essa é uma descrição perfeita da conjuntura brasileira atual.
O pior é que a cada rodada de destruição, o pensamento ideológico dominante sugere que a dose do veneno seja dobrada, perpetuando o choque até que não se tenha mais nada para destruir.
Os dados citados no texto estão representados nos gráficos em anexo:
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Seriam os economistas imbecis? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU