Por: João Vitor Santos | 23 Outubro 2018
A partir do ano de 2015, o Brasil passa a viver um estado de recessão que surpreende os gestores das políticas econômicas nacionais e até mesmo certos economistas. Segundo Fernando Maccari Lara, economista e professor da Unisinos, ainda muito atabalhoados, especialistas e governo seguem até hoje buscando explicações para esse fenômeno, olhando para a conjuntura econômica externa. Para ele, esse é um dos equívocos que se comete, pois crê que as respostas podem estar muito mais no mercado interno. “Basta ver o caso de 2009, em que o mundo enfrentava uma grande crise econômica, mas, no Brasil, devido a políticas econômicas contracíclicas, foi possível minimizar os impactos dessa crise”, analisa. Lara foi o conferencista da atividade do II Ciclo de Palestras Trajetória da Política Econômica Brasileira 2003-2017 – crescimento, crise e novas possibilidades, realizada na quinta-feira, dia 18-10. O Ciclo segue com atividades até dia 6 de novembro. Acesse a programação.
Segundo o economista, as contas do Brasil começam a ficar negativas assim que se assumem as lógicas da austeridade, transvestidas no chamado ajuste fiscal. Tais perspectivas se incrustam na política econômica brasileira no governo de Dilma Rousseff e seguem cada vez mais fortes desde então. “Naquele momento em que foram adotadas essas lógicas, não havia sequer espaço para discutir isso. A partir daí, a economia não segue com bons índices, mas se insiste nessa perspectiva cada vez mais. O interessante é que isso não vem dando resultado, basta ver os indicadores”, analisa. “O resultado é esse sentimento de frustração generalizado que temos visto”, acrescenta.
Fernando Maccari Lara defende que se olhe para a economia interna para compreender a recessão brasileira (Foto: João Vitor Santos/IHU)
O que Lara quer provar é que não é cortando investimento público que se consegue assegurar estabilidade e até crescimento econômico. Pelo contrário, segundo ele, a retirada de investimentos estatais provoca um agravamento do estado de crise. Para defender essa sua tese, ele olha para os ciclos econômicos recentes do Brasil. E começa com o período que vai de 2004 a 2010, o que ele chama de período de aceleração do crescimento. “Há uma redução das taxas de desemprego, com crescimento das demandas domésticas”, aponta. Isso se dá pelo processo que inicia em 2003, com a melhora da conjuntura internacional e o Brasil vendo aumentar suas exportações. “É verdade que se cresce por fatores do mercado internacional, commodities e exportações, mas também por demandas domésticas”, acrescenta. Tais demandas ocorrem porque, se há pequenos índices de desemprego, consome-se mais e a economia nacional também cresce.
Lara chama atenção para o próximo ciclo que, na sua leitura, vai de 2011 a 2014 e é denominado como período de desaceleração. Ele observa como a crise de 2009 não chega a grandes impactos na economia brasileira, tendo mudanças – no caso, desaceleração – somente em 2011. “No ano de 2009, considerado por muitos a segunda grande quebra internacional, o Brasil consegue se recuperar muito rapidamente”, reitera. Mas o economista também chama atenção para outro aspecto: é no governo de Dilma Rousseff, a partir de 2011, quando se começa a perceber o discurso da necessidade de um ajuste fiscal, ou seja, de se empregar menos recursos públicos. “É na transição entre os governos Lula e Dilma que veio essa mudança na concepção de política macroeconômica”, aponta. Buscando manchetes de jornais da época, demonstra como aparecem expressões como “fazer ajuste fiscal para manter o investimento”.
Na prática, o que significou foi a redução dos investimentos públicos a partir de 2011. Lara observa que a mudança na política econômica consistiu em dar à iniciativa privada a tarefa de fazer os investimentos. Ao governo, caberia apenas “dar as condições para que a iniciativa privada pudesse investir”. Um exemplo que traz é o projeto de concessão de ferrovias. “Algo que acabou nunca saindo do papel", pontua.
Outro ponto dessa nova matriz macroeconômica diz respeito à interferência do governo na taxa de juros e de câmbio. São exemplos de ações que o Estado teria de fazer para “permitir que a iniciativa privada fizesse os investimentos”. “O objetivo dessa interferência era baixar os juros e manter o câmbio alto, pois a lógica é a de que o juro baixo estimula o investimento privado e a alta do dólar aumenta a exportação”, resume. É nisso, segundo ele, que consiste a perspectiva de “criar condições para a iniciativa privada”. Seria, então, esse o papel do Estado, abandonando os investimentos diretos em, por exemplo, infraestrutura.
Lara reconhece limites do crescimento econômico pelo consumo, mas reconhece o "empoderamento" de muitas pessoas nessa estratégia (Foto: Arquivo EBC)
O problema é que o Estado fez a sua parte nesse negócio, mas não houve a reação de investimentos que se esperava e tampouco nas exportações. “O que houve foi que a demanda doméstica desacelerou, o que também levou o PIB e a taxa de investimento para o mesmo caminho”, indica. Esse cenário é, para Lara, resultado de um processo que começa com a suspensão do estímulo à economia doméstica, investindo-se menos, logo havendo menos poder de compra e de produção.
Assim, chega-se ao próximo período analisado pelo economista, de 2015 a 2016, denominado por ele como período de recessão. Mas se em 2011 se inicia um processo de desaceleração, por que esse quadro vai piorando até que se chega a uma recessão? Para Lara, além, objetivamente, dessas estratégias econômicas, há questões de fundo que vão sustentar essa tomada de posição e que não se restringe à economia stricto sensu.
Nos períodos anteriores à desaceleração, houve o que chama de “empoderamento” de certos segmentos da sociedade brasileira. São as pessoas que não tinham acesso a certos bens de consumo e passam a ter. Por exemplo, viaja-se de avião, casas próprias são construídas ou reformadas, os lares são equipados com bens de consumo que vão desde geladeiras a televisores de última geração e daí por diante. “Há críticas a esse modelo econômico apoiado no consumo. Eu, inclusive, aponto algumas dessas críticas, mas é inegável que essa política mudou a vida de muita gente”, analisa.
Um exemplo bem claro dos embates que vão ocorrer são os chamados rolezinhos. Para o professor, esse é um movimento que empodera jovens da periferia a circularem por espaços e práticas de consumo que antes não lhes era permitido. “E isso se chocou com o status quo, de um grupo que achava que poderia determinar quem tinha acesso a determinados serviços”, destaca.
Mas a questão não se resume ao acesso a shoppings ou bens de consumo. Lara explica que na época de bons ventos na economia, o índice de desemprego era muito baixo. Logo, há um empoderamento da classe trabalhadora, que passa a ter mais poder de negociação dos salários. “Com o mercado de trabalho aquecido, busca-se uma valorização dos salários e isso vai tensionar a margem de lucro do empregador”, aponta, já evidenciando de que lado a balança dessa disputa vai pesar. “O governo até tenta intervenções como com as desonerações e controle de custos, por exemplo, segurando o custo da energia elétrica. Mas isso acaba não se sustentando por muito tempo”, acrescenta.
No auge desse período que vai ser marcado pela recessão, já estava solidificada uma ideia que começou lá no ciclo de desaceleração: a emergência do ajuste fiscal. Fernando Maccari Lara lembra que se antes esse era um discurso corrente, agora passa a ser visto como o único caminho para superar a crise. E evidencia isso através da relação que faz com as manifestações de Junho de 2013. Nesse período, a multiplicidade de narrativas e reivindicações não foi compreendida pelo governo. Qual sua resposta? A proposição de um pacto que tinha no seu eixo fundamental o ajuste e o emprego de uma ideia de responsabilidade fiscal. “Parece que todas as pessoas que foram para a rua estavam pedindo só isso. Ao invés de ouvir as discussões sobre transporte público, por exemplo, o governo responde com o emprego de ajuste fiscal”, sintetiza.
Lara entende que, por esses fatores, o ano de 2013 é importante para compreender o que solidifica o protagonismo das políticas econômicas de responsabilidade fiscal e controle da inflação. “Quando se chega a 2015, a opção pela austeridade num momento de recessão não responde como deveria, mas se insiste e aprofunda ainda mais a recessão”, completa.
Lara encerra sua palestra observando o último ciclo, referente ao ano de 2017 até 2018, que é tipificado como lenta recuperação. “Não se está mais diminuindo a capacidade produtiva, por exemplo, mas não estamos nos recuperando a níveis anteriores à recessão. Estamos num processo muito lento”, define. Segundo ele, todas as questões de fundo fazem do projeto de austeridade quase que um mantra, passando-se a ideia de que sem ele jamais se superará a crise. “E aí se criam discursos como o de comparar o Estado à unidade familiar. Comparar a economia do Estado com a economia doméstica, de uma família, é um erro. Há muitas outras lógicas envolvidas que fazem essas realidades muito distintas”, acrescenta.
Lara: “Criam discursos como o de comparar o Estado à unidade familiar. Comparar a economia do Estado com a economia doméstica, de uma família, é um erro. Há muitas outras lógicas envolvidas que fazem essas realidades muito distintas” (Foto: João Vitor Santos/IHU)
Assim, enquanto se insiste nesse modelo, a economia vai acelerando, mas com o freio de mão puxado. “E, com isso, vai gerando um sentimento de frustração generalizado, pois em ciclos anteriores se criou uma série de expectativas que acabaram não sendo atendidas de todos os lados. Ou seja, foram desmontadas certas estruturas de serviços públicos e não foram equilibradas as contas públicas”, analisa.
Lara prefere não fechar conceitos e apontar uma só saída para uma recuperação econômica mais rápida. Entretanto, reconhece que todos esses fatores estão em jogo no processo eleitoral corrente. E adianta: “seja quem for que saia vitorioso da eleição, terá um grande desafio para retomar um projeto econômico, digamos, mais social-democrata”. Ou seja, a ideia de ajuste fiscal parece estar ainda muito fortalecida, podendo ainda ser mais radicalizado no caso da eleição de Jair Bolsonaro, mas ainda assim estar presente num projeto mais flexível em caso de vitória de Fernando Haddad. “Podemos dizer que o PT tentou empregar no Brasil um projeto social-democrata sem radicalismos. Mas a rigidez das estruturas da sociedade brasileira não aceitou nem mesmo isso”, observa Lara, dando ideia dos desafios que ainda estão por vir.
Possui doutorado e mestrado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, graduação em Ciências Econômicas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. Também foi pesquisador e coordenador do Núcleo de Estudos de Política Econômica da Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul - FEE. Atualmente, é professor na Unisinos. Entre suas publicações, destacamos As contribuições à desaceleração do crescimento no Brasil (2011-2014) (Indicadores Econômicos FEE (Online), v. 43, p. 23-40, 2015), 2015: o novo 2003? e Crédito e gasto privado no Brasil: da recessão à lenta recuperação.
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Estratégias para superar recessão do Brasil não passam pelo aperto das contas e nem pelo cenário internacional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU